Prólogo

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Escavo por meio de roupas, cadernos e bilhetes espalhados e consigo resgatá-la das profundezas da minha bagunça. A tesoura. Depois de mais de vinte minutos cronometrados, eu finalmente a encontrei.

Valeu a pena bagunçar meu quarto, mais do que já está.

Corto o adesivo grosso e bato as palmas assim que abro a caixa. Entretanto, a missão ainda não foi cumprida, antes, preciso retirar meia dúzia de extensão de plástico bolha envolvendo a minha encomenda. Pelo menos eu poderia estourar algumas bolhas, não é de todo mal.

É impossível não sorrir quando tiro o abajur lilás que eu tinha comprado na internet, papai diz que é uma grande besteira e sempre avisa sobre os perigos de compras online, mas ele não controla o que eu faço com a minha mesada. Assim que coloco o abajur na mesinha de cabeceira, eu dou uns pulinhos por ficar perfeito, do jeito que eu imaginei.

Meu quarto todo foi bem planejado no último ano, as paredes são de um rosa pastel que me traz calmaria, grande parte dos móveis, como armário, mesinha e até a minha cama, são brancos. Nos últimos meses, comprei várias decorações para o meu quarto, quadros de bailarinas, cabides brilhantes, tudo que entrasse na minha paleta de cores, entre o rosa claro e o lilás, como o abajur.

Volto para cama e pego o segundo pacote que tinha chegado no mesmo dia.

Roupas.

Rasgo o plástico e tiro as peças, estendendo-as em cima da cama meio desarrumada. Um cropped branco felpudo, de mangas compridas e uma saia rosa claro, a combinação mais perfeita que encontrei na internet, de uma loja online que foca exclusivamente em peças para todos os tamanhos, seja qual for, principalmente naqueles modelos que em lojas físicas só se encontram em números bem menores.

As peças são lindas, eu quero tocá-las, mas quando me imagino nelas, meu sorriso morre.

Olho para o lado e me encaro no espelho ao lado da porta do meu armário aberto. Eu tinha acabado de acordar, de calcinha e uma camisa velha folgada. As linhas das minhas estrias são bem visíveis e sempre se destacando, traçando como galhos em minha pele, marcantes mesmo eu sendo bem pálida, em grande quantidade, assim como as celulites. As pernas grossas demais e compridas, braços que não são finos e ter um metro e cinquenta e nove parece destacar ainda mais essa características.

Puxo a blusa para trás, marcando o resto do corpo da garota gorda que vejo no espelho.

Ombros largos, quadris largos, ossos bem largos, tudo largo demais. Tenho a barriga que todas garotas temem com todas as forças e procuraram eliminar com academia e cirurgia, coxas e braços flácidos, um rosto redondo para dar mais ênfase a essas características. O pior de tudo é que eu poderia emagrecer o quanto eu quisesse, eu continuaria ter essa estrutura... Larga. 

Não tive tanta sorte assim na genética já que puxei boa parte das características do meu pai e nenhuma da minha mãe, que era bailarina e parecia uma modelo com seu corpo magro e esguio.

Se tivesse puxado minha mãe, com certeza não ouviria comentários sobre eu ter um rosto bonito, mas que ficaria bonita de verdade se emagrecesse, que ter celulite é normal, mas deveria parar de tomar Coca-Cola para tentar diminuir. Ou quando tentam ser gentis, falando que não tem problema em ser gorda, mas não seria nenhum mal começar a fazer academia e começasse uma dieta enquanto sou nova. Talvez se tivesse o corpo de mamãe, não me sentiria mal em ir em lojas populares e sentir vergonha em pegar um tamanho 58 ou pior ainda, ir em lojas e não encontrar o meu número em determinada peça porque só trabalhavam em roupas para pessoas magras. 

Se eu nascesse de novo, talvez as coisas poderiam ser diferentes.

Eu dobro as duas peças. Ao invés de experimentar, guardo no fundo do meu armário, assim como várias roupas que comprei pela internet e que nunca saíam da porta do meu quarto.

Teoria da Serendipidade [CONCLUÍDO]Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang