14 - III

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Thiago estaciona o carro um pouco afastado da casa, pois algumas pessoas já estão no local e acomodaram seus carros. Três garotas que passam, não tiram os olhos do automóvel e param para conversar com uma senhora que parecia meio perdida. Reconheço que são as amigas da Fátima.
Respiro fundo antes de abri a porta e Thi desce em seguida.

As garotas, depois de prestarem atenção a senhora, viram-se para nós. Uma delas comentam com a outra: “ É Alice! ”, e caminham em minha direção. Reviro os olhos.

— Meus pêsames. — Todas elas dizem, uma após a outra.

Agradesço por educação, quando na verdade quero enxotá-las. Elas nem sequer me davam oi no colégio, agora vem com essa falsidade toda e eu sei muito bem porquê. Logo, Thiago chega ao meu lado e cumprimenta as meninas. Decidimos entrar na casa, mas fomos interrompidos:

— Uau! Quem é ele? — a mais gordinha questiona com um sorriso extremamente exagerado.

—  Eu sou o namorado dela. — Thiago responde antes de mim. — Se nos derem licença, queremos entrar logo — o mesmo nem espera a resposta e já sai andando comigo ao lado.

Ainda bem que ele respondeu, pois eu não seria tão educada assim, não iria responder algo para alguem que eu não quero conversa. Elas são um trio de puro interesse. Não deixei de perceber como elas ficaram com o queixo caído. O que foi? Elas pensavam que uma órfã, como me chamava as vezes por causa da Fátima, não conseguiria um namorado como Thiago?

É, eu também não acreditaria alguns dias atrás. Sei que sou muito privilegiada por tê-lo como namorado. Claro que pode não ser para sempre, mas me sinto privilegiada do mesmo modo.

Logo me deparo com a Rose sentada em um banquinho ao lado da mãe e da irmã. Ao me ver, vem em minha direção com o rosto inchado e vermelho de tanto chorar. O seu vestido preto balança de acordo com os movimentos apressados.

Os meus olhos lacrimejam ao retribuir o seu abraço e ao sentir as suas lágrimas molharem o meu cropped preto, caio no choro também. Ficamos abraçadas por um bom tempo consolando uma a outra, sem se importar com algumas pessoas que passam por nós. A dor nossa é a mesma, mesmo que o tio Rodolfo seja pai da Rose, ele também foi como um pai para mim, não foi apenas um tio. Eu o amo muito. E só de saber que não vou ouvir mais tua voz, me sinto mal.

Depois de afastar dela, seco minhas lágrimas e tento me recompor. Quando meus olhos percorrem a sala de seis por cinco metros, vejo poucas pessoas da família e próximo do banquinho está o caixão. Ando até lá atrás da Rose, mas enquanto ela senta eu vou para o lado oposto ficando de frente para elas. Me ajoelho não importando se irá sujar o meu pantacourt. Abraço o caixão e torno a chorar novamente. Fico assim por muito tempo, só levanto ao sentir meus joelhos doloridos. Ao erguer os olhos avisto Thiago prestando condolência a minha tia e as minhas primas. Fátima gruda no pescoço dele de um jeito desnecessário, mas Thiago trata de afastar imediatamente deixando-a sem jeito.

Levanto do chão e passo as mãos no rosto enxugando as lágrimas. Observo o rosto do meu tio e acaricio por cima do vidro. Essa é a última lembrança que terei dele, portanto não posso esquecê-la. Seus olhos fechados parece estar dormindo. Me lembro das vezes que já vi-o dormindo na rede da varanda no fundo da casa. E como eu sabia da sua vida de caminhoneiro e que dormia mal para fazer as entregas nas cidades, eu passava perto sem fazer barulho, não queria acordar do seu precioso sono.

Saio da sala e passo pela cozinha indo direto para a varanda. Sinto a brisa gelada da noite em meu corpo, respiro fundo antes de caminhar até a rede que permanecia no mesmo lugar. Sento de costas para a porta, de frente para os pés de manga e laranja que tem no pequeno quintal da casa de Isadora. Me sinto um pouco melhor aqui fora do que lá dentro, vendo o meu tio naquele caixão. Infelizmente eu não posso fazer nada para tê-lo de volta, agora o que me resta são lembranças.

Passei a maioria do tempo na varanda pensando nos bons momentos com meu tio. Algumas vezes eu entrava dentro da casa e olhava mais um pouco o rosto dele. Meia noite Thiago deitou para descansar, pois após o enterro ele precisava está sem sono para dirigir. Vi quando a aurora começou a surgir e em seguida o sol por entre algumas pequenas nuvens.

— Bom dia! — Thiago aparece na porta com o rosto lavado.

— Oi. Dormiu bem? — perguntei ficando a sua frente.

— Sim. E você, como está? — passa as mãos no meu rosto.

— Vou me sentir melhor com o tempo — respondo olhando para baixo. — Preciso escovar os dentes, vamos pegar a minha escova— concluo voltando a olhar para ele.

— Já peguei, está no banheiro — diz apontando.

Assinto e vou para o banheiro. Após lavar o rosto, Thiago me chama para tomar café numa padaria próximo a casa da minha tia, e de lá seguimos para o enterro do tio Rodolfo. Acho que não vou me conformar nunca com a morte dele. Uma morte violenta e cruel.

No cemitério tem mais pessoas do que no velório, já que tinha só os parentes e amigos, agora tem alguns do bairro.

Prestamos as últimas palavras ao tio Rodolfo e depois a oração, os costumes da família. No meio da oração, ao abri os olhos vejo uma garota diferente chegar, uma loira aproxima do caixão e logo fecha os olhos para orar também. Fico observando ela alguns segundos, nunca a tinha visto, mas parecia muito à alguém e eu não sabia quem, o seu rosto não é estranho. Também não estou em um bom momento para raciocinar alguma coisa. Fecho os olhos novamente.

Assim que finalizamos, a garota me encara por um tempo e eu fixo o meu olhar nela. Tento lembrar onde eu a tinha visto, mas não consigo me concentrar, logo eu me pego pensando no meu tio.
Nego para mim mesmo, se conheço ela, com o tempo vou lembrar.
Ao descer o caixão dentro da cova, beijo uma rosa vermelha e jogo em cima do mesmo, seguindo os outros familiares. As lágrimas parecem não acabar, elas estão incontroláveis.

Esse momento está sendo muito difícil para a nossa Lice né? Perder um tio quase pai não é fácil para ninguém.

E essa loira que surgiu no final do enterro, quem será?

Sem Direção (Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora