SOBREVIVÊNCIA

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Quando abro os olhos não compreendo onde estou. Vejo tudo branco.

Será que morri e estou no céu?

Quando minha visão acostuma com a claridade, enxergo uma mulher desconhecida sentada em uma cadeira à minha frente, com os olhos fechados. Percebo que estou em um quarto de hospital, e agradeço a Deus por ainda estar viva. Tento me mexer e sinto uma forte dor em minhas entranhas. Acho que emito um gemido, pois a mulher que está na cadeira abre os olhos, levanta e chega bem próximo a mim.

— Como você está se sentindo? — Passa a mão delicadamente em meu rosto. Ela pergunta com uma voz mansa e cheia de uma emoção desconhecida.
Sua mão me aquece.

— Sinto dores. Onde estou? Não lembro como vim parar aqui.

— Fique tranquila, querida, tudo a seu tempo. Vou chamar o médico para dar uma olhada em você, agora que acordou. Acha que consegue ficar calma até ele chegar?

— Sim, eu agradeço. — Quem será esta mulher que está me tratando com muito carinho e atenção, e nem a conheço? Será alguma assistente social do hospital? Talvez da polícia, ela me parece uma boa pessoa. Alguns minutos depois, ela retorna com um moço vestido de branco, que acredito ser o médico que ela fora buscar. Ele chega perto de mim e pergunta calmamente:

— Olá, Açucena, fico feliz em vê-la acordada. Meu nome é Leonardo Campos, sou médico do hospital de Cabo de Santo Agostinho e estou cuidando de você. Quero que me conte como está se sentindo. — Não pude deixar de observar a beleza masculina do médico. Seus olhos verdes me analisam com curiosidade e questionamento. Ele parece bem preocupado comigo.

— Estou sentindo algumas dores ao me movimentar. Também estou com sede e com fome. Você pode me contar como vim parar aqui? A última coisa que me lembro é... — Fecho meus olhos tentando esquecer a última cena que tenho na memória, mas é impossível. As dores do meu corpo ficam mais intensas e meu peito comprime o ar, fazendo-me respirar mais forte para que o ar retorne. O doutor aperta a minha mão e segura forte. Abro os olhos e seu olhar me acalma.

— Respira, só respira, nós vamos conversar mais tarde sobre isso. Não se aflija. Você está protegida aqui. Vou verificar como você está clinicamente, pedir uma refeição e assim que estiver fortalecida, precisaremos do seu depoimento.

— Ele foi preso? — Só quero essa informação agora. Terei tempo para relembrar os momentos horríveis que vivi.

— Fique tranquila, querida. Ele está preso — a mulher ao seu lado responde. Parece que o sangue volta a circular em minhas veias quando ela me dá a notícia.

Doutor Leonardo começa a me examinar. Relaxo e fico olhando-o fazer o seu trabalho. É um moço jovem, deve ter uns vinte e seis anos, talvez vinte e sete, alto e formoso, cabelos pretos arrumados com gel, suas mãos macias e tão leves me examinam com tanto cuidado que fico grata pelo carinho.

Estou frágil.

Ele ausculta meu coração, afere minha pressão e verifica os resultados de algum exame que fiz e não me lembro. Depois de tanto tempo sendo maltratada, estou me sentindo bem tranquila aqui. Viro a cabeça para a mulher que está o tempo todo conosco. Quem é ela? Não quis perguntar, mas estou bem curiosa. Algo nela me chama a atenção. Não sei dizer o que é, mas é como se ela me fosse familiar.

— Podem me dizer se meus pais sabem o que aconteceu comigo? — pergunto, preocupada.

— Conversamos com seus pais, Açucena. Eles estão a par de tudo, mas achamos melhor eles aguardarem você acordar, lá na casa deles. Pelo que ficamos sabendo, eles são pessoas simples e não se sentiram seguros de virem para cá a noite — o médico responde.

— Eu estou em qual hospital?

— Você está no hospital de Cabo de Santo Agostinho. — Fico desesperada por um instante, pois não tenho dinheiro para ficar em um hospital particular. Trabalho na escola e na ONG, e o que ganho pago minha moradia, meus gastos pessoais e ainda ajudo meus pais.

— Mas eu não tenho convênio e nem como pagar este hospital particular. Devia estar na UPA. — Doutor Leonardo olha para a mulher que está conosco como se pedisse alguma ajuda. Ela mesma responde:

— Eu estou pagando o hospital, Açucena, e não quero que você fique preocupada com isso.

— Afinal de contas, desculpe perguntar assim, mas quem é você? — Não aguento mais de curiosidade e agora, sabendo que ela está pagando pela minha recuperação, preciso entender o que está acontecendo.

— Meu nome é Thereza Avellar, e por enquanto você só precisa saber que fui eu que te salvei daquele monstro. Eu, e claro, o doutor Leonardo. Estava ajudando na ONG, percebi algo estranho no comportamento dele e resolvi investigar — a mulher explica com uma calma na voz.

Fico comovida com a sua grande ajuda, afinal ela foi a minha salvadora. Decido usar de minha educação e seguro a sua mão. Ela me acaricia e suas mãos estão tão quentes, confortam-me.

— Agradeço imensamente o que você está fazendo por mim. Se não tivesse me encontrado a tempo, não estaria aqui. — Doutor Leonardo resolve intervir.

— Agora, Açucena, você vai se fortalecer para poder sair daqui o quanto antes. Vou prescrever seus remédios, pedir uma refeição para você. Tenho outros pacientes para cuidar, vou te deixar com a Thereza e tenho certeza que estará em boas mãos. — Ele aperta meu braço, vira e diz para ela.

— Thereza, não hesite em me chamar a qualquer horário. — O médico olha em minha direção e sai do quarto.

VEM CUIDAR DE MIMWhere stories live. Discover now