CASA DOS PAIS

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Já estou em Jaboatão há três dias e sinto uma grande tensão no ar. Ouço meus pais cochichando e quando chego, eles param de conversar e sorriem para mim.

O que está acontecendo? Resolvo descobrir.

— Mainha, senta aqui comigo na sala e conta o que vocês estão escondendo de mim. — Ambos sentam no sofá de frente para mim e começam a contar.

— Você sabe, Açucena, nem mainha e nem painho tem estudo. Então vou tentar contar o que se assucedeu há muitos anos do meu jeito. Desculpe o mal jeito. — Sinto que é algo bem importante e foco toda a minha atenção.

— Conta, mainha, tira esse peso que você parece estar carregando. — Acalmo o seu coração, porém, em meu íntimo sinto que essa história mudará a minha vida para sempre.

— Logo no início do nosso casamento a gente queria muito um filho, mas eu não conseguia engravidar. Seu painho ficou muito triste, mas nos conformamos, Deus sabe o que faz.

— Eu sei disso. Vocês já me contaram essa história. Só que vocês conseguiram. — Afinal estou aqui conversando com eles.

— Há vinte e cinco anos, um conhecido do seu pai trouxe um homem rico aqui em casa com um bebê nos braços. Ele precisava de alguém que criasse essa criança como filho e principalmente que ninguém nunca soubesse da existência dela. Sinto meu coração saltitar apertado em meu peito.

— Mainha, não estou entendendo onde você quer chegar — digo, nervosa.

— Quando a gente olhou a cestinha, vimos uma menina linda de olhos azuis, recém-nascida. Nós nos apaixonamos por aquele ser tão pequeno e tão desprezado. — Em meu rosto as lágrimas descem feito cachoeira. Nunca imaginei ser filha adotiva. Claro que via a diferença de pele entre nós, mas nunca imaginei que seria por isso.

— Meus pais biológicos me desprezaram, mainha?

— Não, minha menina, sua mãe te procura desde o seu nascimento. Foi o seu avô, pai da sua mãe, que tirou você de sua mãe no dia em que você nasceu. — Fico totalmente aturdida com essa revelação.

— Como assim? Por que você não foi até à polícia, sei lá, feito algo para me devolver?

— Nós não podíamos, não é, Severino? — Meu pai, chorando também, fala pela primeira vez.

— É, minha filha, a única condição para ficar com ôce era ficar de bico calado. Se ôce não ficasse com a gente, outra pessoa ficaria e pelo menos a gente sabia que daria todo o amor que ôce merecia.

— Por que vocês estão me contando isso agora?

— Seu avô biológico, o coisa ruim morreu, fia. — De verdade, já odeio esse homem.

— Como vocês sabem disso?

— Sua mãe apareceu, Açucena. Ela te procurou por vinte e cinco anos e conseguiu te encontrar somente agora. — Agora... Sim, tudo faz sentido agora. Aquela mulher que me achou no cativeiro e cuidou de mim no hospital, é minha mãe biológica. Levanto do sofá e começo a andar pela sala, tentando assimilar a minha nova condição.

Dona Thereza Avellar é minha mãe e me procurou a vida inteira.

— Não brigue comigo, nem com painho, Açucena. Nós te amamos desde o primeiro dia, linda demais, dentro daquela cestinha. Ôce foi um presente enviado por Deus, para preencher aquele vazio nas nossas vidas. — Ajoelho aos pés dela.

Mainha e painho, amo vocês, isso nunca mudará. Foram vocês que me criaram. Só estou um pouco confusa e preciso digerir tudo isso. Vou para meu quarto. — Antes de sair, abraço bem gostoso meu pai e minha mãe e lhes garanto.

— Eu agradeço todo o amor que vocês me deram. Tudo que sou hoje, devo a vocês. — Entro em meu quarto, pego meu celular e digito o nome Thereza Avellar. Fico assustada com o prestígio da família, suas riquezas e suas raízes. Eu sou neta de político do alto escalão. Minha mãe ficou viúva há dois anos do governador do estado. Há dezenas de fotos da minha mãe na internet e consigo enxergar em cada uma delas a sua tristeza, mesmo quando estava sorrindo.

Que coisa louca, do dia para a noite minha vida mudou totalmente. Coloco-me no lugar dela e sinto muita empatia pela sua história. De certa forma, vivenciei uma conexão com ela desde o dia do hospital. Foi amor gratuito. Mesmo antes de saber quem era aquela mulher no quarto, senti-me protegida toda as vezes que ela estava lá.

Aqui, deitada em minha cama simples, onde fui criada com todo amor e todo carinho, não penso em outra vida diferente da que tive. Sei que devo algo a mulher que sofreu com a minha ausência, sem saber do meu paradeiro, ou mesmo se estava viva ou morta. Decido que quero conhecer minha história, quero conhecer minhas raízes, quero saber quem é meu pai e quero retribuir todo o amor perdido de minha mãe. Conversarei com meus pais e sei que eles entenderão minha decisão. Eu fui amada, porém a Thereza não pôde amar. Devo isso a ela.

Também sinto que estou melhorando do sofrimento que passei. Sei que sou forte e que vou superar o que vivenciei. Tenho muitas marcas físicas e psicológicas, mas aprendi que tenho que dividir com outras pessoas a minha dor, para que ela se cure mais rapidamente.  

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