PODER DA ORAÇÃO

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Os dois últimos meses foram mágicos. Açucena e eu vivemos quase um conto de fadas. Usamos todos os momentos livres para nos conhecermos melhor. Com ela morando tão próximo, nossas interações ficaram mais fáceis. Sua união com a mãe biológica também foi aprofundada e cada vez mais elas viam o quanto são parecidas e com sonhos em comum.

Na noite passada, fomos a um jantar formal, num evento beneficente. Açucena estava maravilhosa, num vestido social maravilhoso, que combinou com seu corpo e seu tom de pele. Fiquei enciumado quando todos os homens presentes ficaram de olho na minha garota. Ela nem percebeu, mas eu sim, e não saí do seu lado nem por um instante. A noite acabou na minha cama, comigo, tirando seu lindo vestido e conferindo que ela estava apenas com uma calcinha fio dental. Tentadora. Açucena desabrochou e começou a mostrar o seu poder de sedução. Por vezes ela enviava uma mensagem erótica quando estava no consultório, dificultando o meu trabalho. Numa dessas vezes, saí correndo do hospital, para apagar o fogo dessa garota. Mesmo com o perigo eminente do seu estuprador ainda à solta, estamos conseguindo seguir com a vida. Apenas o guarda-costas de Açucena nos faz lembrar diariamente dessa ameaça.

Quando chego ao hospital para um parto programado e estou me trocando para a cirurgia, ouço uma batida na porta.

— Entra. — Quando a porta se abre, vejo Mayara. Faço cara de desagrado e ela não se retira.

— Com licença, doutor Leonardo, posso dar uma palavrinha com você?

— Seja breve, vou entrar em cirurgia. — Fico de costas para ela e continuo a me arrumar.

— Eu gostaria que você me perdoasse pelo que fiz. Quando saí do seu consultório, me peguei pensando em meus atos. Fiz o que você me sugeriu e busquei ajuda psicológica. Hoje está fazendo dois meses que tenho sessões de terapia e estou conseguindo me entender melhor. Minha terapeuta insistiu que tinha que fazer as pazes com o passado para poder seguir em frente. Peço desculpas pelo que causei para você, Leonardo. Não quero esse climão no hospital, onde muitas vezes temos que trabalhar juntos. Sei que você está feliz com a Açucena e torço para que tudo dê certo entre vocês. Nunca fui de correr atrás de homem, talvez tenha mesmo me apaixonado de verdade por você. Será que pode, pelo menos, pensar nas minhas palavras e no meu arrependimento? — Olho-a admirado com as palavras que ela proferiu. Aqui está a mulher por quem me interessei quando cheguei.

— Fico feliz que possa ter ajudado você de alguma forma. Essa sim, é a mulher que conheci quando cheguei aqui. Sou um cara pacífico, Mayara. Aceito suas desculpas e espero mesmo que você encontre uma pessoa que te dê amor. — Ela sorri para mim e se volta para a porta.

— Obrigada, Leo, eu precisava mesmo disso. Não quero te atrapalhar. Tenha um bom dia — ela diz, e sai da sala, pego-me sorrindo.

É... a vida nos surpreende.

Surpreendente mesmo foi esse dia. Foram três partos, um atrás do outro. Graças a Deus, todos com finais felizes. Antes de dar o expediente como encerrado, faço uma visita para as mamães, que estão gozando de ótima recuperação. Passo na sala dos médicos, tomo um banho correndo, desço para o estacionamento e tenho um mau pressentimento quando vejo que os quatro pneus do meu carro estão furados. Pego o celular e ligo imediatamente para Açucena. No terceiro toque ela atende. Meu coração parece sair pela boca.

— Oi, amor. Já está com saudades? — diz ao atender.

— Muitas saudades, gata. Onde você está? — Para não a alarmar, invento algo.

— Você deu sorte, Leo. Acabei de dar aula de hip-hop e agora vou iniciar minha aula de jazz. Olhei o celular para ver se tinha alguma mensagem sua. Algum problema? — Acho melhor não falar nada. Talvez seja somente uma cisma minha. Se ela está na ONG, o segurança também está lá, portanto, está em segurança.

— Quem vai te buscar? Posso ir se você quiser. Estou saindo do hospital.

— Dimas já está vindo para cá. Você pode fazer um lanchinho para nós para quando chegar, estou com fome, amor. Pode ser?

— Não sei, mas acho que você está me usando. — Sorrio com a insinuação.

— Em falar em usar, Leo, usa aquela cueca branca que eu gosto. E me espera na rede. — Eu precisando ficar em alerta e ela usando seu poder de sedução.

— Uso. Não demora?

— É o tempo da aula, doutor. Te amo, Leo.

— Também te amo, Açucena. — Desligo o telefone com um aperto no coração. Volto para a recepção do hospital e peço para ver as câmeras de segurança do estacionamento. Aparentemente, parece um moleque de bicicleta, que desce, fura os quatro pneus, pega a bicicleta e vaza. Não dá para reconhecer porque estava com um boné e óculos. Parecia apenas um garoto endiabrado. De qualquer forma, aviso a Thereza.

Vou para casa, tomo um banho e começo a fazer uma comidinha para nós. Já estou ficando acostumado com a presença feminina na minha casa. O dia que ela não passa a noite aqui, demoro para pegar no sono. Olho no relógio e vejo que a aula dela está acabando agora. Mais uns vinte minutos e ela estará em casa. Atendo o seu pedido e coloco a cueca branca. Açucena e seus fetiches. Também fico esperando na rede. Após meia hora e ela não chega, resolvo ligar no seu celular. Toca, toca e ela não atende. Disco para o Dimas. Ele atende.

— Doutor Leonardo, temos um problema. — Meu coração atinge o limite máximo dos batimentos cardíacos.

— Fique calmo e explique o que está acontecendo, Dimas.

— Açucena estava dando aulas e de repente sumiu. Ela não passou na porta da frente, onde estávamos aguardando. Alguns alunos falaram que ela foi ajudar um deles que estava em perigo. Melhor avisar a polícia.

— Thereza já sabe?

— Ainda não. Ela vai me matar quando souber o que aconteceu. — Estou falando com ele, enquanto já visto uma roupa e pego minha maleta.

— Ela sabe que não é sua culpa. Fique calmo que eu vou trazer Açucena de volta. — Desligo o telefone e imediatamente ligo para a polícia, enquanto caminho para a mansão. Entro pela porta da cozinha e começo a gritar por Thereza. Ela desce as escadas. Sou direto.

— Açucena sumiu na ONG, Thereza. — Ela quase cai nos meus braços.

— Como assim, Leonardo? Tinha segurança e o Dimas já devia estar por lá. —Thereza é uma mulher forte. Já pega o celular e começa a dar comandos para os seus homens. Imediatamente aparece um carro na porta com um motorista que nos leva para a ONG. No caminho explico o que tinha acontecido comigo mais cedo e o pouco que sei sobre o sumiço dela.

Quando chegamos a ONG, a polícia já está aqui. Nenhum adolescente sabe explicar realmente o que de fato aconteceu. Eles sabem que Açucena largou a aula no meio, quando um tal de Richardson, dançarino de hip-hop entrou no meio da aula e conversou com a professora. Ela saiu desesperada pela porta dos fundos, pedindo que eles aguardassem por ela.

Realmente não sei nem por onde começar a procurá-la. Também não imaginava que Thereza Avellar, habituada a uma vida arriscada, conhecia muitas artimanhas e tinha o poder de achar minha amada onde ela estivesse.

— Ninguém vai tirar a minha filha de mim. Ninguém. Açucena está usando um localizador, Leonardo. Naquela tornozeleira que eu lhe dei ingenuamente. Só espero que ela esteja usando a joia.

— Eu sei, Thereza. Ela está usando a joia. Aciona logo esse GPS. Ela está correndo risco de vida. — Thereza pega o aparelho na bolsa e aciona, porém, deixa bem claro que é ela quem manda aqui.

— Eu não quero minha filha com nenhum arranhão, estão me entendendo? Agora, o filho da puta, esse vocês podem matar. — Thereza distribui ordens aos seus homens.

Começa a caça ao bandido estuprador e sequestrador.

Eu rezo, como via meu pai fazendo quando era mais jovem. Darei minha vida se preciso for, para que ela não sofra nenhum mal nas mãos desse vagabundo.

VEM CUIDAR DE MIMWhere stories live. Discover now