A VOLTA PARA CASA

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Fez três dias que Açucena voltou para a sua casa. Thereza tentou de todas as formas fazer com que ela ficasse, entretanto, ela compreendeu que sua filha tinha uma vida antes dela aparecer.

Fui junto com elas até à casa de Açucena, que é muito modesta e pouco segura. A vila também é bem simples. Fica na praia do Xaréu. Em contrapartida, a praia é belíssima, águas verdes, areia clara e piscinas naturais.

A alguns passos de sua porta.

Entendi perfeitamente a saudades que ela está sentindo de sua casa.

A casinha cor-de-rosa, tem um quarto, sala, cozinha e banheiro com uma varanda toda cercada na frente. É bem pequenina, mas toda arrumadinha.

— Que linda sua casa, minha filha — Thereza comenta, percorrendo o seu pequeno espaço. Ela tem muito de você, seu jeitinho representado nela.

— Sei que ela é pequena, mãe, mas aqui me sinto em casa. — Diz, abrindo as janelas para arejar o ambiente.

— Só fico com medo da sua segurança, ela não me parece muito segura.

— Aqui somos todos conhecidos, mãe. Um cuida do outro e por ser a professora, tenho mais prestígio na comunidade. — Resolvo intervir.

— Nós entendemos você, Açucena, porém, podemos melhorar as janelas, portas e ferrolhos para que suas duas mães fiquem mais tranquilas, já que você quer mesmo voltar para casa. — Ela me olha e não discute.

— Tudo bem, doutor Leonardo, podem arrumar, só não quero viver numa prisão. — Por que será que ela voltou a me chamar de doutor? Também estou achando ela um pouco hostil. Fico encucado. Thereza também percebe a sua agressividade.

— É só para ficarmos tranquilas, meu bem.

— Tudo bem, não tenho muita opção mesmo. — Sorri para sua mãe e me ignora totalmente. Fico chateado e me afasto, deixando que as duas resolvam como serão feitas as mudanças.

Isso aconteceu há alguns dias e agora estou aqui em sua porta, que parece um pouco mais segura. Thereza enviou um batalhão para cá e em vinte e quatro horas todas as janelas e portas foram trocadas, colocando umas com grades e modernizando o sistema de fechadura da porta.

Bato palmas e ela abre a porta vestida com um biquíni e um shorts de rendinha por cima. Não resisto e observo atentamente de cima a baixo o conjunto todo. Ela enrubesce. Também, fui bem descarado, nem disfarcei.

— Olá, doutor Leonardo.

— Gostaria de saber em que momento voltei a ser o médico e deixei de ser o amigo? — Pergunto na lata, incomodado com esse desprezo.

Ela fica sem graça e mente descaradamente.

— Imagine, nada mudou. É que às vezes esqueço que mudamos de status. Se veio até aqui é por que precisa de algo, estou certa?

— Senti saudades das nossas conversas. — Resolvo ser direto e isso a faz abrandar o que está acontecendo e que para piorar, ainda não descobri.

— Estou saindo para caminhar na praia. Quer me acompanhar? — Açucena pergunta e sorri para mim, encorajando-me a aceitar, mostrando assim um sinal de trégua.

— Com certeza. Não estive nessa praia ainda e ouvi falar que é belíssima. — Assim, começamos a caminhar na areia bem pertinho de onde a água bate. A princípio ficamos em silêncio e espero ela dar o primeiro passo.

— Leonardo... — Escutá-la me chamar assim, aquece meu peito.

— Estou aqui.

— Às vezes sinto um aperto no coração, quando lembro os momentos que vivi nas mãos daquele tarado lunático.

— Isso é normal, Açucena. O momento pós-traumático é o mais difícil, por isso deve ser tratado com seriedade. Você tem ido ao psicólogo?

— Sim, não falto as sessões impostas, mas não é igual conversar com você. Parece que criei uma conexão diferente, talvez por você ter me resgatado daquele momento. É inexplicável.

— Fico feliz por ser importante para você. Eu sinto também esse elo forte entre nós e saiba que estou disponível em qualquer momento que queira desabafar. — Encorajo-a se abrir comigo. Olho para ela, incentivando a colocar suas inseguranças para fora.

— Às vezes não acredito que me deixei envolver com aquele homem. Não percebi o seu desvio de conduta... — Olho de novo para ela, mas ela mantém o olhar longe.

— A maioria das vítimas não enxergam nada, porque eles são dissimulados, criam um personagem e acreditam nele. São pessoas que para envolver a vítima, conseguem manter seus sentimentos completamente controlados.

— Sim, acreditei mesmo quando estava no cativeiro, no começo, achei que ele tinha um carinho por mim. Só quando ele começou o abuso é que percebi seu estado doentio. — Lágrimas começam a rolar em seu rosto e minha vontade é de acabar com esse bandido que fez todo esse estrago nela. Ela começa a desabafar e apenas trago-a para meus braços para que se sinta amparada.

— Em alguns momentos ainda me sinto suja. Preciso correr para lavar meu corpo, como se ele estivesse impregnado em mim. — Voltamos à casa dela e o sol está se pondo lentamente.

— Açucena, esses sentimentos serão superados. É tudo muito recente ainda. Procure focar em momentos bons que você viveu, até mesmo depois disso. Você descobriu que seus alunos te amam. É uma guerreira e deve agir como uma. — Ela olha para mim e sorri.

— Você é melhor que minha terapeuta, Leonardo. Meu peito fica mais leve quando converso com você.

Acho melhor deixar o momento ainda mais leve.

— Pega a visão, garota, o que você acha de pagar essa sessão com uma comidinha caseira?

— Sabia que essa visita não era desinteressada. Peguei no barco hoje, um sururu fresquinho e fiz um caldo. Já comeu caldo de sururu, doutor?

— Ainda não, professora. É bom? — Se for igual à cozinheira, vou me deliciar.

— Isso você vai ter que me contar. Venha, vamos entrar. — O jantar transcorre de maneira muito agradável, não entramos em assuntos tristes. Conversamos sobre nossas profissões, momentos hilários dela, enquanto comemos e bebemos umas cervejas.

Ao me despedir, faço um esforço sobrenatural para não deixar aqueles lábios vermelhos, aquela boca carnuda, inchada de tanto beijar. Ela me atraiu a noite toda. Pena que o meu lado profissional falou mais alto. Tem horas que gostaria de mandar para o espaço esse meu lado centrado.

— Tem certeza que está bem para dirigir? Posso arrumar o sofá para você.

— Estou bem. Bebi pouco e foi antes de me empanturrar de sururu. — Estou fechando o portão da casa dela e não resisto.

— Seria muito perigoso se eu ficasse, Açucena.

— Por que, Leonardo? — ela pergunta na maior inocência.

— Não iria conseguir ficar a noite inteira no sofá, sabendo que todo o seu corpo gostoso estaria a poucos passos das minhas mãos e da minha boca. — Pisco para ela, entro no carro e saio. Olho pelo retrovisor e vejo Açucena boquiaberta, olhando o carro se distanciando.

Agora ela sabe que eu não sou indiferente aos seus encantos.

VEM CUIDAR DE MIMWhere stories live. Discover now