PROVANDO DO VENENO

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Quando chego ao consultório, depois dos dias de descanso com Açucena, começo a pensar em como irei abordar a Mayara, sem que ela tente sair pela tangente.

Recosto em minha cadeira, tentando estudar uma abordagem em que ela não consiga negar ou mesmo tentar me enganar mais uma vez, e de repente tenho um estalo. Sou ginecologista e como médico ginecologista quero ser o primeiro a escutar o coração do meu filho.

Boa, Leonardo! Dessa maneira, estarei dando a chance de ela mesma contar a verdade, e talvez assim fazer com que nosso lance não tenha sido em vão e eu não tenha errado tão feio em julgar a mulher que estava todo esse tempo ao meu lado.

Passo a mão no telefone e ligo para ela. Ela atende o telefone com voz de sedução.

— Oi, doutor, pensei que tinha me esquecido.

Oi, gata, estive uns dias fora fazendo um curso de especialização, porém, já estou de volta. Vamos sair hoje? Quero conversar com você e acertar os ponteiros sobre o nosso bebê.Olha eu, sendo mais falso do que nota de três reais. A que ponto cheguei, mentindo por necessidade.

— Também acho que precisamos conversar. Onde você quer me encontrar? Naquele hotelzinho? — pergunta,ainda com a pretensão de dormir na minha cama. Respiro fundo, tentando me acalmar, para não dar pistas do meu sentimento de desprezo por ela.

— Passa aqui no consultório, tenho paciente até o último horário e depois podemos escolher um restaurante aqui perto.

Tudo bem, Leo. Passo aí assim que acabar meu plantão. Beijos nessa boca gostosa. — Mesmo fingindo, não sou capaz de retribuir o agrado. É demais para mim.

— Até mais, Mayara. — Desligo o telefone e passo o dia inteiro preparando a armadilha e, ao mesmo tempo, incomodado com todo esse circo. Espero que ela seja inteligente e perceba que a melhor saída é falar a verdade.

Depois da minha última cliente o telefone toca.

— Sim, Bia?

— A senhorita Mayara chegou.

— Pede para ela entrar, Bia, e pode ir embora. Não tenho mais paciente hoje.

— Obrigada, doutor, bom descanso para você. — Quando ela entra trajando um vestido vermelho, curto, que mal cobre os seus seios enormes, fico me perguntando o que vi nessa mulher? Reparo, pela primeira vez, o quanto ela é vulgar. Não me lembro de ela ser assim lá no começo da nossa relação.

— Oi, Leonardo, demorei?

— Não, minha última cliente saiu agora há pouco. Foi o tempo de arrumar a sala para mais um exame — digo e ela me olha interrogativamente.

— Você acabou de falar que atendeu a última. Tem ou não tem mais paciente? — Olho dentro dos olhos dela e sorrio pela primeira vez. A expressão alegre está apenas externamente. Por dentro estou bem chateado, sentindo-me usado e enganado.

— Tenho sim. Quero ouvir o coração do nosso filho agora. Você é a minha mais nova paciente, Mayara. Você falou que está grávida de dois meses, então o seu pré-natal já está atrasado. — Assisto de camarote a sua transformação. Sua fisionomia que estava totalmente sedutora, começa a se modificar lentamente até a sua pele parecer um boneco de cera, de tão pálida. Vejo seu corpo tremer e ela apoiar as mãos na cadeira à sua frente.

— Leonardo, não estou preparada para fazer um exame ginecológico. — É sua primeira tentativa de escapar.

— Está sim, Mayara. Está pronta para abrir as pernas para mim, então tem condições de fazer o exame. Quero ver se está tudo bem com a mãe do meu filho, ou filha se for uma menina. Qual será o sexo, hein? Já tem uma opinião sobre o sexo do nosso bebê? — Não quero expressar raiva, mas minha voz sai um pouco alterada quando pergunto.

— Eu não quero fazer esse exame agora, Leo. Já está tarde, estou cansada e com fome. — Ela caminha até a minha cadeira, quase enfiando os peitões na minha cara.

— Deixa isso para outro dia, vai. — Eu levanto da cadeira e vou próximo ao biombo que separa os ambientes.

— Faço questão desse exame, Mayara. Preciso saber como está a sua gravidez. A não ser que você esteja escondendo alguma coisa de mim, você está escondendo algo de mim, gata? — Ela força um sorriso.

— Escondendo o que, doutor? Estou bem. O doutor Cristiano já me examinou. — Diz, pelo jeito resolve apelar e coloca outro colega no meio da sua mentira. Não imaginava que ela poderia ser tão ardilosa.

Ahh... o doutor Cristiano te examinou? E o que ele constatou? Que você está grávida de gêmeos? — Acabo perdendo o resto de paciência que tenho.

— Não estou entendendo essa agressividade, Leo. Não gostou que ele tenha me atendido? — pergunta, ao passar por mim nervosa e senta na cadeira

de paciente.

— Está com ciúmes? — Sorri para mim.

— Zero ciúmes, Mayara. Para ter ciúmes a pessoa precisa ter sentimentos pela outra e no momento o único sentimento que tenho é decepção.

Caminho de volta a minha mesa, abro a gaveta e pego os exames. Praticamente jogo-o na mão dela.

— O que é isso? — Pergunta ao pegar o papel e olha para mim. Vejo medo em seu olhar, somente nesse instante ela percebe que acaba de perder o que, na verdade, nunca teve. Abre o envelope com as mãos trêmulas e vê o resultado.

— Que coisa feia você fez, gata. Enganar uma pessoa que desde que a conheceu, te tratou bem, deu atenção. Claro, dentro do nosso combinado, eu nunca a enganei, sempre deixei claro que era só sexo. — Balanço a cabeça em desaprovação.

— Eu posso explicar, Leonardo. — Diz, começando a chorar. — Perdi nosso filho há dois dias. Eu ia te contar hoje. — Soco a mesa e grito. Ela fica assustada.

— CHEGA... Chega, Mayara. Eu odeio mentiras e você é a mulher mais mentirosa que eu conheço. Os exames estão aí, você nunca esteve grávida. Além disso, o doutor idiota ouviu uma conversinha entre amigas atrás da porta. O doutor idiota não é tão idiota assim e aí está a prova. Negativo, exame negativo para gravidez. Parabéns, Mayara, você quase conseguiu me enganar. — Ela levanta e tenta me abraçar, empurro-a para longe de mim. Tento me manter sob controle, porque nunca ergui a mão para uma mulher e hoje não será a primeira vez. Apesar de ela merecer uns belos tapas de punição.

— Para encerrar nossa amizade, quero deixar algumas coisas bem claras. Eu nunca te prometi nada, era um acordo satisfatório para ambos. Amizade e sexo. Nunca foi amor, amor tem que ter verdade, tem que fazer a pele arrepiar, tem que sentir uma alteração nos batimentos quando vê a pessoa. Você nunca provocou isso em mim.

— Eu te amo, Leo. — Choraminga aos prantos.

— Eu amo outra mulher, mas isso você já sabe. Agora sai daqui que não quero mais olhar para você. Além de mentir para mim, você queria matar um filho que nunca existiu, isso não é normal. Como seu amigo, que um dia achei ter sido, sugiro que procure urgentemente uma terapia. — Ela levanta os olhos e me encara com ódio.

— Tudo isso por causa daquela professorinha de quinta. Se não fosse ela, nós estaríamos fodendo agora.

— Se não fosse ela, seria outra, porque você nunca passou de uma foda. Faz um favor para você mesma, se manda. Se me encontrar no hospital, peço que não me dirija a palavra. — Sentencio, exasperado, ela pega suas coisas e sai sem olhar para trás.

Acabou...

Não fico feliz, porque apesar de não a amar, não queria que fosse assim. Espero que ela procure ajuda profissional, pois está visível o seu descontrole emocional.

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