BUSCA INCESSANTE

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Assim que o caixão de meu pai desce pelas cordas túmulo adentro, viro as costas sem derramar uma lágrima sequer e peço para o meu motorista me levar até o escritório do novo detetive que contratei há alguns meses. Foram vários detetives ao longo de vinte e quatro anos.

Espero ansiosamente que ele tenha alguma pista do paradeiro da minha filha, que foi tirada de mim, dos meus braços, pelo insensível do meu progenitor, agora morto e enterrado.

Tinha dezoito anos quando engravidei de um rapaz longe dos padrões do sobrenome Avellar. Família Avellar tem uma conexão direta com a política desde a época do meu bisavô. Todas as gerações de lá para cá estão envolvidas em altos cargos políticos, só que nunca quis isso para mim. Era uma inconsequente, vivia desafiando a família. Nem pensava em meus atos quando conheci Simon, um alemão lindo, daqueles de parar o trânsito, loiro, alegre e divertido que saiu fugido do seu país e de sua família nobre, por ter desrespeitado as leis.

Não foi sua beleza que me atraiu. Senti uma sintonia com ele na mesma hora por sermos dois seres fora da caixinha perfeita da sociedade. Duas pessoas bem nascidas, bonitas e infelizes com suas alternativas. Resolvi ajudá-lo a sobreviver em Recife. Dessa amizade repentina e dessa convivência diária surgiu uma atração e quando dei por mim, estava grávida. Sei que inconscientemente, fiz tudo isso para desafiar o senhor Avellar. Não me cuidava quando transávamos.

Meu pai enlouqueceu quando descobriu, despachou o rapaz de volta ao seu país, trancou-me em casa e quando minha filha nasceu disse olhando nos meus olhos:

— É uma menina, Thereza. Olhe bem para ela, pois será a única vez que você verá essa bastarda. Vou me encarregar pessoalmente para que você nunca a encontre. —Simplesmente levou minha menina embora e cumpriu sua palavra até o dia de sua morte. Eu sabia que ele era cruel, mas não tinha a mínima ideia de até onde iria a sua maldade.

Minha vida perdeu o sentido naquele instante. O amor nunca mais conseguiu entrar em meu coração. Virei uma pedra, não tinha mais reação. Entreguei-me a prostração e fiz tudo o que me foi imposto. Casei com um candidato a governador do estado, que ganhou e reinou por vários anos até o seu falecimento prematuro em um acidente rodoviário. Meu pai e ele queriam herdeiros, mas fiz o necessário para frustrar esse êxito. Queria minha menina de volta e a teria de volta nem que passasse o resto da minha vida em busca do seu paradeiro.

Saio da agência de detetives, mais uma vez, desacorçoada. Há muito tempo, eles buscam alguma pista e nada é achado. Peço ao meu motorista para ir até à casa dos meus pais. Preciso tomar algumas decisões em relação aos empregados da casa que trabalhavam diretamente para ele. Com certeza, minha mãe não estará em condições de definir nada, aliás, nunca esteve. Sempre foi uma foca adestrada e só obedeceu às ordens do senador a vida toda.

Chego à mansão dos Avellar e toda vez que entro nela, sinto um arrepio sinistro, lembrando de tudo que vivi naquele período e especificamente naquele dia. Tento desfazer o mal-estar, pois preciso agilizar e finalizar os problemas da casa para voltar para meu canto.

— Que bom que você está aqui, minha filha. Estou me sentindo tão sozinha... — Minha mãe estende os braços para mim e rapidamente me desvio.

— Claro que sim, afinal viveu como uma sombra do senhor Avellar. Nunca teve vida própria. — Caminho até à lateral do sofá em que ela está elegantemente sentada, observando sua fragilidade diante do acontecido.

— Não fale assim com sua mãe, Thereza. Você não está vendo que estou sofrendo? — Ela olha para mim com lágrimas nos olhos, e fico com pena dela.

— Sofri todos esses anos com os mandos e desmandos de meu pai e você nunca foi solidária. — Percebo o seu corpo enrijecer e ela fala com rispidez:

— Eu já te disse mil vezes que não sei onde está a sua menina. Esquece isso de uma vez. Talvez seu pai a tenha matado. Você não diz que ele era um monstro? —
Sempre que ela fala assim comigo, sinto o sangue ferver em minhas veias e altero o volume da voz.

— Você nunca entendeu, nunca. Vou revirar todas as coisas dele e vou encontrar uma pista, ele deve ter deixado algum ponto solto. Não adianta conversar com a senhora, fique aí com o seu luto, enquanto resolvo os problemas da sua casa. Onde estão Eurico e Assunção? — pergunto, sem paciência nenhuma. Eurico era o braço direito de meu pai e fazia sabe se lá o que, para ajeitar as suas mazelas. Assunção era seu motorista particular, um homem honrado, porém, muito quieto e discreto. Nem conheço o som da sua voz.

Chamo ambos no escritório e os dispenso, explicando que vão receber todos os seus direitos com uma bonificação e uma carta de recomendação. Eurico, como sempre muito frio, agradece e sai. Já Assunção, pergunta se pode trocar umas palavras comigo. Acho estranho, nunca me dirigiu a palavra.

— Gostaria de pedir desculpas por não contar o que sabia esses anos todos. — Meu coração parece saltar pela boca. Fico muda e sem reação.

— Eu tinha muito medo do senhor Avellar, ele descobriu que ouvi várias conversas sobre o paradeiro de sua filha e me ameaçava. Na verdade, não sei muita coisa, mas qualquer pista sei que ajudará a senhora. — Não acreditei que finalmente iria descobrir alguma coisa sobre o destino da minha filha. Chego a perder as forças das minhas pernas, apoio as mãos na cadeira do meu falecido pai, achando que não aguentaria ficar em pé.

— Fala logo homem ou vou enfartar aqui mesmo. — Estou desesperada por qualquer informação, mínima que fosse.

— Eu o ouvi falando ao telefone com algumas pessoas de Jaboatão dos Guararapes. Também escutei o nome de uma mulher, Lúcia Silveira. Parece que ele mandava dinheiro vivo todo mês para ela. — Meus olhos lacrimejam, minha boca fica seca e meu coração não cabe no peito. Depois de muitos anos, só a ideia de localizar onde ela está, faz-me gritar de esperança.

— Essa é a melhor pista que tenho até hoje, Assunção. Tente se lembrar de mais alguma coisa e me telefone imediatamente. Vou agora mesmo ligar para a agência de detetives que procura por ela há anos. Muito obrigada por isso, sua informação vale ouro para mim. Será bem recompensado. — Sem nenhum pudor, abraço o homem que me fez ter expectativa de dias melhores.

— Não quero dinheiro nenhum, dona Thereza. Quero dormir tranquilamente. Espero mesmo que a senhora ache sua criança. Perdoe-me por esperar tanto tempo para dizer alguma coisa. Seu pai não era uma pessoa capaz de perdoar uma traição, não podia arriscar a vida da minha família.

— Eu também, Assunção, eu também. Quanto ao meu pai, sei muito bem o que ele era capaz de fazer. — Saio do escritório, passo pela minha mãe na sala e nem lhe dou oportunidade de falar alguma coisa. Largo tudo para trás, ligo para o detetive no caminho de casa, arrumo umas roupas na mala e vou para Cabo de Santo Agostinho, onde tenho uma casa de veraneio, ficar mais perto da minha menina. Meu coração está cheio de esperanças, é a primeira vez em anos que o sinto açoitando no meu peito. 

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