VIDA NOVA

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Meus pais ficaram orgulhosos da minha atitude com a minha mãe biológica. Acertadamente a minha escolha será bom para todos os envolvidos. Quero deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente, sabendo que fiz a coisa certa.

Não aviso ninguém que estou voltando para Cabo de Santo Agostinho. Apesar de me sentir um pouco receosa, crio coragem, pego um ônibus até lá e depois me dou ao luxo de pagar um táxi até o endereço que Thereza deixou com a minha mainha. Quando o táxi para em frente ao endereço, quase peço para ele retornar. É uma verdadeira mansão, grandiosa, imponente, muros altos com seguranças, fico até com medo daquilo tudo. Não me acho à altura de tudo isso.

— Bom dia, gostaria de falar com a dona Thereza Avellar — informo para o segurança da entrada.

— Qual seu nome?

— Diga para ela que é Açucena. — Assim que digo meu nome a postura do segurança muda e ele escancara o portão.

— Dona Açucena, pode entrar. Ela deixou ordens claras para quando a senhora chegasse. Acompanhe-me que te levarei até ela.

— Obrigada, e já vou logo dizendo que sou só Açucena. — Ele sorri para mim e mostra o caminho. Acompanho o segurança, olhando tudo com curiosidade quase infantil. É muito luxo, muita beleza, tudo perfeitamente em seu lugar. Entro na sala por uma porta gigantesca, só a sala é maior que a escola onde dou aulas.

Thereza vem descendo as escadas, provavelmente avisada pelos seus seguranças sobre a minha presença e quando nossos olhares se cruzam, sinto uma emoção imensa. Não consigo explicar o que acontece, mas o relógio parece parar naquele espaço de tempo. Nossos corações batem juntos como se estivessem no mesmo peito. A ligação de útero se faz presente ali. Ela me abraça e me sinto em casa. Tudo isso é muito estranho, essa enxurrada de amor, carinho e afeto gratuito me deixa incrivelmente impactada. Ontem ela não existia e hoje estamos aqui como amigas inseparáveis. Ela me olha nos olhos e consigo enxergar a sua alma.

— Você não imagina o quanto ansiei por esse momento, minha filha. São muitos anos querendo viver essa explosão de amor, esse sentimento sublime. Você está sentindo isso?

— Sinto um formigamento em cada pedacinho do meu corpo, como se todos os meus neurônios estivessem fazendo conexões nervosas. — Sorrio para Thereza, que segura meu rosto e fica me contemplando, apenas olhando, sem esboçar nenhuma reação. Acaricia meu rosto suavemente.

— Você é muito linda, minha filha. Essa pele clarinha e dourada com esses olhos azuis lembram muito seu pai, depois de uns meses morando aqui no Nordeste.

— Meu pai não é daqui? — Já que ela toca no assunto, quero descobrir um pouco mais de mim.

— Seu pai é alemão, Açucena, mas teremos muito tempo para conversar sobre isso. — Ela começa a me puxar para dentro da casa.

— Maria... Maria... — Thereza chama uma senhora que está vestida com um avental de cozinha.

— Veja, Maria, essa é minha garotinha. Até que enfim ela veio para mim. — A senhora sorri abertamente para mim.

— Já não era sem tempo, dona Thereza. Vou já preparar um banquete para o almoço e também vou fazer um suco de caju para vocês tomarem agora, que está fazendo muito calor hoje.

— Maria, pede para o Dimas levar a mala da Açucena até o quarto ao lado do meu. — Ela vira para mim — Você vai ficar comigo por um tempo, não é? — Thereza parece ansiosa, como se tivesse ganho uma boneca nova e não quer parar de brincar.

— Thereza, conversei com minha mainha e meu painho e vim de coração aberto para te conhecer, conhecer sua história e minha também. Você sabe que trabalho na escola e na ONG, e já me ausentei por muitos dias, então ficarei com você, mas preciso ajustar meus horários. Pode ser?

— Esse é o meu maior sonho, minha filha. Quero saber tudo que lhe aconteceu esses anos todos e quero partilhar a minha vida contigo. Deixe-me cuidar de você? — Abre os braços para mim e entro dentro dele. Sou bem maior que ela, mas dá tudo certo o encaixe.

— Preciso dos seus cuidados, Thereza.

— Venha, vamos tomar um suco. Conte-me como você está se sentindo. — Ela me leva para a cozinha e começamos a recuperar devagarinho, os vinte e cinco anos que perdemos quando fomos separadas.

— Estou me recuperando, dia após dia. O trauma é muito grande, mas sinto uma força enorme me empurrando para cima. Acho que vou ficar bem. — Por mais que tudo aqui cheire a riqueza, descubro que minha mãe é uma pessoa simples. Thereza me deixa bem à vontade, mostrando-me a casa e contando coisas do seu cotidiano, sem entrar em questões mais complexas. Pego-me sorrindo para ela, feliz em conhecer um mundo diferente onde, apesar do dinheiro não faltar, faltou um tanto de amor entre as pessoas.

VEM CUIDAR DE MIMWhere stories live. Discover now