JUÍZO FINAL

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Estou no meio da aula de jazz, louca para que ela acabe e assim possa encontrar o homem da minha vida, quando o Richardson, um aluno problemático da aula de hip-hop, entra correndo pelos fundos e vem conversar comigo.

— Professora Açucena? — ele me chama baixo, parece nervoso.

— Pode falar, Richardson, o que está acontecendo?

— O Rafa, professora, caiu naquela valeta que fica próximo da casa dele e se machucou feio. Ele pediu para vir te buscar, porque não tem ninguém na casa dele. Corre professora, eu acho que ele está morrendo.

Nem penso direito, coloco a sandália no pé. Peço para as crianças não saírem daqui e sigo o menino pela porta dos fundos rumo a valeta que fica a umas cinco quadras da ONG. Quando chegamos, não há ninguém no lugar, apenas pegadas de barro até à próxima casa.

— Ele deve ter ido para aquela casa — Richardson comenta.

— Vamos lá. — Corremos até à casa, e como a porta está aberta entramos. Vimos, em um canto, o Rafa amarrado e amordaçado.

— O que está acontecendo aqui? — pergunto para o Richardson, mas uma voz aterrorizante responde.

— Achou que estava livre de mim, princesa? — Quando olho para trás, vejo que ele fecha a porta e passa o ferrolho.

— Solte essas crianças, Cleomir. Elas não têm nada a ver com isso. Isso é entre nós — respondo, fazendo uma varredura visual em busca de alguma coisa ou alguma ideia do que fazer para nos ajudar a sair dali. Coloco o menino atrás de mim.

— Como a princesa está mudada. Está até respondendo para mim. Deve ser aquele médico metido a besta que vive colado em você, que melhorou a sua autoestima. Ou aquela mulher que você chama de mãe que está te dando poder. — Ele passa a mão na cintura e mostra que está armado. Mesmo assim ainda imploro.

— Cleomir, solta as crianças. Eu irei com você para onde quiser ir. — Vejo-o refletir e imagino que talvez ele soltará os meninos.

— Não. Dessa vez, teremos plateia e testemunha da nossa união. — Estremeço quando ele fala isso. Não estou acreditando que irei passar novamente por toda a violência sofrida no passado. Descontrolo-me por um momento, porém, dessa vez, tenho que lutar pelos meninos que estão aqui comigo.

— O que pretende, então? Estamos numa vila no meio do mato e não vejo muita opção de locomoção — digo, e lentamente, chego perto do Rafa e tiro sua mordaça.

— Se ele abrir a boca eu mato os dois, está entendendo? — Cleomir esbraveja, ensandecido. Eu tenho medo, mas sei que de alguma forma sou importante para ele, sendo assim não me fará mal. Aliás, conto com isso para tentar resolver a situação.

— Ele não vai gritar. Fiz isso para ele respirar melhor. Fique calmo, não vamos reagir — afirmo, tentando ganhar tempo, até pensar em algo melhor, ou quem sabe alguém apareça para nos salvar, pensando assim decido entrar no jogo dele. Já, o bandido, não para quieto. Está bem alterado e visivelmente em crise. Leonardo e minha mãe, com certeza, já sabem do meu sumiço. Eles também devem chegar à conclusão que estou perto. Acredito que logo aparecerá alguém para nos salvar. Como poderia sequer imaginar que ele usaria meus alunos para me atrair? Fui uma tola, nem pensei que poderia ser uma armadilha. Pensar que um dos meus alunos estava em perigo foi o suficiente para agir sem imaginar quem estava por trás de tudo.

— Vamos, levantem e vão para a porta dos fundos. Você moleque, ajude o idiota amarrado. Vamos sair logo daqui. — Os meninos saem primeiro e eu logo atrás deles. O monstro fala em meu ouvido:

— Não vejo a hora de tirar suas roupas, princesa. — Sinto nojo, mas não esboço nenhuma reação. Preciso guardar forças para lutar com ele, se preciso for. De uma coisa eu sei, ele não vai tocar em mim novamente.

Caminhamos por trinta minutos até uma casa no meio de outra vila, um pouco mais afastada da população. Meu sexto sentido percebe que tem outras pessoas à nossa volta. Escuto passos e ouço sussurros. Eles estão esperando a hora certa para não colocar nossas vidas em risco. Isso me dá um novo alento. Cleomir não percebe, porque está enlouquecido, vivendo no seu mundo louco. Só que ele tem uma arma, apontada para a cabeça dos meninos, e tenho dois jovens para proteger.

— Entrem aí. — Entramos na casa, que por ser um lugar pobre está bem equipada. Aqui deve ser o lugar em que ele esteve escondido por todos esses meses. Reparo que há grades em todas as portas e janelas. Sem chance de escapatória. O lugar está preparado propositalmente para dificultar uma fuga. Ele nos empurra para o quarto e amarra os dois meninos na grade da janela.

— Não amarra a boca deles. Eles não vão gritar — peço, gentilmente.

— Eu não amarrarei, se você se comportar — diz, sorrindo para mim, apaixonadamente.

— Vou me comportar, prometo. — Peço perdão a Deus por prometer uma coisa que não pretendo cumprir.

— Eu quero que você tome um banho, princesa. Não quero sentir em você o cheiro de outro macho. — Olho-o, tentando entender a sua cabeça.

— Tudo bem. Faço o que você está me pedindo — digo, enquanto me encaminho para o banheiro.

— Não feche a porta, princesa. Não confio em você. — Entro no banheiro e ligo a água. Preciso de todos os meus brios para tirar a roupa e entrar embaixo dela. Ainda bem que tem uma cortina que não me deixa ficar tão exposta. Talvez eu possa usar a sedução para conseguir tirar a arma dele. Seria uma tentativa louca, talvez funcione. Até porque não tenho mesmo muita opção. Não irei entregar a minha vida sem lutar.

Fecho o chuveiro e me enxugo. Vejo uma roupa em cima do vaso sanitário, padrão do transloucado. Visto somente a lingerie e tenho até ânsia de vômito, mas não posso amarelar agora.

— Estou pronta, Cleomir. — Saio enrolada na toalha. Ele me olha com desejo.
Eu continuo a representar.

— Nem coloquei o vestido lindo que comprou para mim. O que você acha de tomar um banho também. Está muito calor e se você quiser ficar comigo, vai ter que estar limpo. — Sorrio para ele. Automaticamente, ele fica excitado.

Que loucura é essa que estou tramando? Isso pode não dar certo, e assim ficarei à mercê desse tarado novamente. Peço ajuda celestial.

— Vai tomar um banho, Cleomir. — Abro um pouco a toalha, mostrando que estou com a lingerie que ele comprou. Ele fica maluco. Entra no banheiro e começa a tirar a roupa, joga no chão e coloca a arma em cima da pia. Abre a água e entra embaixo dela. Tão transtornado com o sentimento que tem de posse sobre mim, não pensou que ficaria totalmente descoberto. Eu também não pensei no risco que corria, entro no banheiro e seguro a arma na mão. Nunca tinha tocado em uma, porém, para defender meus alunos sou capaz de atirar, se for necessário. Corro até os meninos e me coloco na frente deles. Quando ele percebe minha armação, sai do banheiro parecendo uma onça que foi solta da jaula.

— Sua vadia. Eu acreditei em você, sua vadia — vocifera, tentando colocar uma roupa e avança sobre onde estamos. Aponto a arma em sua direção.

— Não chega perto, senão eu atiro — grito para ele.

— Então atira, princesa. Atira no seu homem — diz, enlouquecido, e avança para cima de mim, não consigo ver outra solução. Irei atirar.

Nessa hora a polícia adentra a casa. Avança sobre ele que cai no chão, sendo rendido. Quando vejo que ele não oferece mais resistência e já está algemado, solto a arma e desmaio. 

VEM CUIDAR DE MIMWhere stories live. Discover now