Acerto de contas do passado.

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♠ Marcelo Clark ♠


Jackson Becker, o proeminente empresário que no passado se recusou a receber minha família de braços abertos em seu ciclo de parcerias é um dos suspeitos de ter financiado o ataque à minha casa, onde minha mãe foi morta.


Um dos possíveis colaboradores do dia em que me tornei um homem, e que comecei a me tornar o líder que sou hoje. O dia que nunca saiu da minha cabeça.


Os tiros, o desespero, e as rosas-brancas da minha mãe borrifadas com o sangue dela... E os de outras pessoas. Normalmente, pensar nisso me deixa puto, mas hoje, lembrar disso me deu uma ideia. Uma solução definitiva e efetiva que resolverá ao menos metade dos meus problemas, tanto do outro lado do mundo quanto deste lado.


— Você pode ir agora, John. Fez um ótimo trabalho.


— Não está pensando em...? — dizia, mas o interrompi apenas com um olhar. O homem então assente, não muito feliz e acata me deixando sozinho.

É prudente em me aconselhar, mas nunca me questionar e muito menos me desobedecer. Bebo mais um bom gole do Säntis Malt e dou a volta na mesa para me colocar em ação. Do cofre do quarto tiro um celular, antigo e sem touchscreen, como a maioria hoje em dia. Coloco a bateria e o ligo, pensando na ironia de ter achado que nunca precisaria tocar nele, mas aqui está, eu o encaro. O único contato salvo.

"Erik Ludwig".

Recordo-me do olhar assustado dele quando invadiram a nossa casa, de como o garoto loiro de apenas treze anos, como eu, ficou paralisado vendo a própria mãe morrer ao lado do pai.
Dezenas de Kalashnikovs manchando as roseiras de vermelho. Se eu não o tivesse puxado para dentro da casa, me arrastado com ele pelo chão, teria morrido na minha frente.

Aquele dia havia começado lindo e terminado sangrento, com nós dois encolhidos como dois animais indefesos no quarto do pânico, atrás da lareira do meu quarto. Nunca mais fomos os mesmos depois ouvirmos o canto das AKs.

Até onde eu sei, Ludwig agora é outra pessoa, e eu espero que ele ainda saiba o valor de uma dívida, pois eu estou prestes a cobrá-la.

Aconchegando-me à cadeira, coloco os pés em cima da mesa e aperto "chamar" nesse tijolo de celular. Atravessei o oceano para ficar quase vinte segundos esperando ser atendido, e quando faço menção de abaixar o telefone e desistir, a ligação se completa.

— Não pensei que ainda fosse ter essa velharia. — A voz do outro lado é muito diferente da que eu me lembrava.

O garoto com voz de pilha fraca por causa da puberdade agora soa como um homem feito. Voz grave, baixa e sem titubear.

— Não pensei que pudesse precisar, na verdade — respondo com um risinho. — Como está, Erik?
— Curioso. — É só o que diz, denotando de vez a mudança até mesmo de postura. Lembro dele como um rapaz tímido, mas aberto comigo e minha família.

Minha mãe o adorava, meu pai o desprezava quase tanto quanto fazia comigo. Ouço barulho externo na ligação, está na rua, presumo.

— Fiquei sabendo da sua... demissão — falei tentando não ser tão direto. Aquilo havia sido bem mais que uma dispensa.

Silêncio do outro lado.

— Espero que esteja tudo tranquilo e que...

— Você não me ligou depois de quase quinze anos para perguntar se estou bem, Marcelo.

— Tem razão. — Se é direto ao ponto que ele quer, então é o que terá. — Sei que anda levando uma vida bem tranquila por aí, e por tranquila digo uns quinze mil por ano que não conseguem nem pagar um carro.

— Prefiro motos. O que quer?

— Cobrar uma dívida. Aquela dívida, Erik.

Ouço um suspiro do outro lado e mais barulhos externos, algo como um ônibus parando perto com um silvo. O silêncio se estendeu até o ônibus partir.

— Você se lembra, não? As rosas... O quarto...

— Tento não lembrar de muita coisa.

— Preciso que faça algo para mim. Preciso que encontre uma pessoa e que a traga para cá. É de suma importância que isso seja feito por alguém em quem eu possa confiar e que seja apto para o serviço — digo sem pausas. — Um ex-KSK exonerado com desonra por um babaca bunda mole da alta hierarquia me parece perfeito para o trabalho. O ex-sargento Ludwig havia sido chutado do Kommando Spezialkräfte depois de uma operação contra a Strauss que deu em merdä e resultou na morte de todo o grupo de operações liderado por ele. O atual general de brigada — na época um major em ascensão — que comandava por trás dos panos, foi o maior responsável pelo fracasso, mas precisava de alguém para culpar. O coitado do Ludwig foi o idiota escolhido.

— O KSK exonerado ainda não trabalha para criminosos, lembra?

Como eu poderia me esquecer? Erik não me odiava, éramos amigos, fomos quase irmãos naquele tempo, mas ele odiava o negócio.

Odiava o jogo e o sistema com todas as suas forças, e agora, sendo traído por outro que julgava ser justo e limpo, com certeza sua mente estava bem mais endurecida que o normal.

— Não sou criminoso, não para você, meu irmão. Quero te ajudar apenas, e unir o útil com o agradável. E quem sabe poder ver essa sua cara alemã de novo. — Mais silêncio, mais sons da rua. — Isso e te presentear pelo favor com cinco milhões de dólares limpos, fora do custo da operação. Contanto, que seja apenas você.

— Entendi, você não pode pisar aqui sem levar um tiro na cara e quer que eu faça isso por você.
Então ele está a par da minha situação com os Strauss.

— Se quer colocar nesses termos...

— Você deve estar muito desesperado para me pedir ajuda.

— Estou. Completamente. — Forço uma voz emocionada e tensa. — Não tenho mais a quem recorrer e sabe que não teria ligado se não fosse importante.

Fico esperando segundos que parecem uma eternidade.

— Quer que eu cace algum dos seus inimigos entocado aqui? É isso? — pergunta ele, sua voz tem uma nota de desprezo agora.

— Não...

Tomo uma longa respiração antes de continuar a falar.

♣ ♥ ♠ ♦ Contínua no próximo capítulo ♣ ♥ ♠ ♦

Sem EscolhaWhere stories live. Discover now