EM DIREÇÃO AO INEVITÁVEL

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  ♥ Valentina Becker ♥


O vestido que Marcelo escolheu é mais bonito do que qualquer coisa que já coloquei no corpo. Longo, em preto e branco com uma fenda profunda numa das pernas, decote ombro a ombro, tem um tecido leve que modela bem a cintura e de excelente qualidade. O tipo de roupa que eu veria facilmente em alguma atriz hollywoodiana. Arlete está me ajudando com o zíper lateral, e quando ela termina eu me viro para ela e digo:

— Ele tem planos para hoje, preciso da sua ajuda...

— Eu sinto muito querida... não sei como te ajudar nisso.

Sorrio e então lhe dou instruções e reforço.

— Depois de feito o que foi instruída, preciso que fique por perto, pois posso te necessitar, o restante eu me encarregarei.

Ela me abraça e concorda com o meu pedido. Recuperei a minha amiga, que se tornou minha aliada.

Ela se vai e finalmente fico sozinha. Sou acometida pelo nervosismo intenso. Minhas mãos tremem, me sinto suando dentro da roupa apertada e perfumada, meu ar se esvai dos pulmões e quero apenas me enfiar de volta embaixo das cobertas, ficar lá, escondida, até me convencer de que nada disso é real. Olho para a cama e me lembro de Marcelo me tocando... Penso no que estou fazendo e me sinto tão culpada que posso morrer. Estou quente e com raiva, meu corpo me trai com tanta facilidade...

Não, digo em pensamentos fechando os olhos para o meu próprio reflexo, eu preciso me controlar. Tenho que agir certo, minha liberdade depende disso...

Estou em frente ao espelho encarando alguém que não parece ser eu.

Então, no meio do meu exercício mental, a porta se abre a alguns metros de distância. Abro os olhos e vejo a silhueta de Erik vindo na minha direção. Percebo seu olhar sobre meu corpo, admirando o vestido e meus cabelos ondulando pelas costas numa cascata loira que já começa a adquirir o tom gradual de chumbo devido à descoloração severa.

Ele parece estar apreciando a visão, chega perto o suficiente para se juntar à figura no espelho. Fico surpresa em vê-lo em meu quarto, depois de semanas o evitando. Me faz esquecer que há poucos minutos estava lutando para manter o controle. Ele está tão bonito...

— Você vai estar lá? — pergunto, esperando que a resposta seja sim.

— Vou. Marcelo pediu para te avisar que te quer lá embaixo em dez minutos.

Continuo olhando para Erik, está com um terno preto padrão de guarda-costas e não com suas roupas táticas. Seus cabelos estão bem penteados, sua barba cobre o maxilar bem desenhado e a boca masculina de lábios finos...

— Estou com medo, as coisas vão ficar cada vez mais complicadas agora — confesso, me virando para ele. — Ele não chegou a dizer com todas as palavras, mas eu sinto que vai acontecer essa noite. — Erik baixa o olhar e a falta de negação dele me dá a certeza de que estou certa, e que ele sabe também o que me espera no final desse jantar. — Eu não quero esse homem...

— Eu sinto muito, Valentina. Se eu pudesse impedir, faria sem pensar, mas isso custaria muito. A nós dois. — O pesar no olhar dele me machuca. Penso em meu plano, tento imaginar o que Erik acharia do que estou fazendo, se ele se juntaria a mim...

— Sinto que se fizer isso, ele vence — digo contendo as lágrimas. — Você mesmo disse que não dá para controlar, hoje à noite ele vai tirar de mim a única parte que ainda me pertence.

— Por que está pensando assim?

— Porque não tenho certeza se não vou gostar...

Erik para por um segundo, tentando traduzir minhas palavras. Meu maior medo é deixar meu corpo se liberar com aquele homem odioso e não conseguir mais parar.

— Lembro que você me disse que poderia ser bom até com alguém que você odeia — digo. — Eu não quero que seja bom com ele.

— Valentina... — diz com voz terna colocando as mãos em meus ombros, há cuidado em seu semblante, amabilidade, embora esteja por baixo da decepção. Ele é tão diferente de Marcelo, tão seguro, tão bom... Forte e gentil comigo como ninguém mais nessa casa poderia ser. Erik e a governanta são os únicos aliados que me restam aqui dentro, e me sinto sozinha demais, desamparada e com medo das coisas que terei que fazer não apenas por Marcelo, mas por mim mesma se um dia quiser fugir desse pesadelo.

Sem me importar, avanço e o abraço, enterrando o rosto em seu peito. Está mais cheiroso do que me lembro, portanto, me permito sentir o aroma vindo de suas roupas, aproveitar o calor de seu corpo. Suas mãos se abrem sobre minhas costas ainda nuas, passando por baixo do cabelo e relaxando meus músculos num toque quente e áspero.

— Por favor, fique comigo... — Peço.

— Eu vou estar do seu lado o tempo todo.

Deixo-me inebriar por seu cheiro, sua proteção. Quero tocar sua pele, mas o terno não permite, então apenas deslizo os dedos por baixo da lapela, ainda impedida pela camisa branca de linho. Vejo Erik retesar, sua palma desce um pouco mais por minhas costas... Quando me lembro de seus quadris encaixados nos meus sobre o sofá de Marcelo, novamente me sinto quente, porém de outro jeito. Ao contrário do toque do Clark, a excitação que sinto é bem-vinda. Se ele ao menos desconfiasse...

— Valentina... Não faça isso — pede com voz rouca, então me afasta com gentileza. — É perigoso demais... Eu não quero estragar tudo para você.


Então a realidade novamente se abate sobre mim, dolorosa e irrefutável.


— Tem razão... — digo me distanciando mais um passo. — E você não vai estar aqui o tempo todo.

Com um único fôlego, me examino outra vez no espelho. Dando-me por satisfeita, pego a pequena bolsa clara e me coloco a caminhar para fora do quarto. Armando-me de uma coragem que eu não possuía de verdade, coloco um pé na frente do outro em direção ao inevitável que me espera ao pé da escadaria, mais deslumbrante do que nunca, e com um sorriso admirado na minha direção.

♣ ♥ ♠ ♦ Contínua no próximo capítulo. ♣ ♥ ♠ ♦

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