Capítulo 17

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Charles

Planejei uma tarde especial com Blair depois de tudo que aconteceu na noite passada.

Pensei que poderíamos passear por um parque ou ir a um restaurante. Acredito que seja o tipo de coisa que humanos fazem quando sentem algum tipo de afeto.

Acho um tanto desnecessário, mas essa humana viu todas as minhas formas e ainda me quer. Sinto que posso fazer algo para agrada-la.

Afinal, fui capaz de me controlar em situações piores. O que poderia dar errado num mero passeio?

...

Infelizmente, serei obrigado a voltar ao inferno para avisar ao conselho que passarei mais algum tempo longe, pois a última coisa que preciso agora é que mandem seus capangas me localizarem outra vez.

Sempre usei qualquer desculpa para ficar distante do lugar onde cresci e fui criado. Detesto todos que vivem lá e nunca me senti realmente em casa.

Ouvi tantas histórias de como acreditam que o inferno se parece.

Acham que é cheio de fogo por todo lado, predominantemente vermelho, e um lugar onde pessoas ruins vão após a morte para que paguem eternamente por seus pecados.

Não é nada disso. Na verdade, é um belo mundo, apesar de escuro e sem vida. Se existe alguma cor predominante, acredito que seja o preto. Não tem nenhum fogo, mas é extremamente quente. Um ambiente que condiz com nossa temperatura.

E sim, pode-se dizer que punimos humanos, mas não por seus pecados em vida. Não damos a mínima para isso, aliás. É simplesmente por puro prazer e diversão.

Nossa raça sabe que é superior a raça humana em todo e qualquer aspecto. Eles não são páreos para nós e, por  conta disso, passam a existir para nos servir depois que vem parar em nosso mundo.

Outra coisa que acreditam é que existe um tipo de "diabo rei" e que ele é o dono de tudo, mas não é bem assim.

Existe uma trindade composta pelos três demônios mais fortes.

São eles: Kendally, Hades e Lúcifer.

Eles decidem tudo e dão o aval para qualquer atitude tomada pelo restante de nós.

Até hoje não entendo o motivo de Lúcifer ser o mais conhecido entre os humanos.

Mas para explicar como essa trindade foi formada, é preciso contar toda a história de nossa existência.

***

Há milhões de anos, existia apenas uma raça: a raça dos celestiais. Eles eram imensuravelmente poderosos e viveram em total harmonia por milênios.

Um dia, decidiram criar mais vida num mundo que, para a maioria deles, ainda era vazio demais.

Então, criaram uma raça que decidiram chamar de "humana".

Uma raça fisicamente semelhante a deles, mas sem a maioria de suas habilidades e, na teoria, completamente fraca.

Com o passar do tempo e do convívio, alguns celestiais acabaram se apaixonando e se envolvendo com humanos. Do amor entre essas raças, surgiram novos e poderosos seres: os semi-celestiais.

Muitos dos celestiais condenaram essa nova raça, criada dessa mistura, e alegaram ser um risco. Foi quando a guerra começou.

Uma guerra que perdurou por milhares de anos, entre celestiais que defendiam a raça humana e os que queriam acabar com ela.

Os celestiais odiosos aos humanos estavam prestes a vencer, haviam conseguido dar fim a quase todos os semi-celestiais e metade da vida humana.

Então, seus iguais que abominavam todo aquele ódio, numa última cartada e num ato de sacrifício, deram fim a existência de sua própria raça, usando todo poder que possuíam para se dividir e se transformar em dois mundos, paralelos ao mundo humano, para que assim, pudessem salva-los.

Conhecemos esses mundos hoje como céu e inferno, onde habitam os anjos e os demônios, respectivamente. Eternos rivais e descendentes dos celestiais.

No inferno, somos ensinados que humanos são inferiores e criados apenas para nos servir e dar prazer.

No céu, aprendem que os seres humanos devem ser respeitados e protegidos como toda vida existente.

Patético, levando em consideração que eles mesmos se matam aos montes todos os dias.

Anjos e demônios são praticamente da mesma raça, eles são tão fortes quanto nós, mas temos crenças diferentes e por isso somos inimigos mortais.

Lúcifer e Hades são os únicos semi-celestiais conhecidos e os seres mais fortes até hoje vistos. Dizem que existem outros como eles, mas ninguém sabe se é verdade.

Apenas Kendally não é uma semi-celestial, mas é suficientemente forte, comparada ao restante de nós, para fazer parte da trindade.

Ainda sim, existe uma regra clara e do conhecimento de todos:

Qualquer demônio que consiga derrotar algum deles, poderá tomar seu respectivo lugar na trindade.

Alguns poucos tentaram. Todos morreram.

As decisões consideradas menos relevantes, são direcionadas ao conselho chamado de "Vonder". Esse conselho é formado por, pelo menos, meia dúzia de demônios confiados por Lúcifer, Hades e Kendally.

Para que algo seja direcionado à trindade, o assunto deve ser de suma importância, num nível que possa, de alguma forma, alterar o curso do nosso mundo. Fora isso, tudo fica nas mãos do Vonder.

***

Quando cheguei na corte, encontrei Dan, o braço direito de Lúcifer e demônio mais forte dentre o conselho, com uma demônia em sua cama. Revirei os olhos.

- Saia. - ordenou sem olha-la ao notar minha presença. Ela se levantou e saiu.

- Você não muda, não é? - questionei, sentando-me numa poltrona, após encher um copo com Kiu.

- Mudar para que? - arqueou a sobrancelha e veio em minha direção, com uma toalha amarrada na cintura. Tomou o copo de minhas mãos e sentou-se no sofá à minha frente. Respirei fundo, enchendo outro copo. - Quanto tempo não o vejo... qual é o motivo da visita repentina?

- Vim avisar que passarei mais algum tempo longe e não quero suas marionetes atrás de mim.

- Por que some por tanto tempo, Charles? - me encarou. - Se ficasse, eu poderia te ensinar muito e te colocar no conselho. - sugeriu. - Vejo futuro em você e tenho certeza que Lúcifer, Hades e Kendally concordam comigo.

- Tenho coisas melhores para fazer e não me interessa em nada entrar nesse grupinho idiota. - Dan sorriu presunçoso.

- Ao menos me conte o que há de tão interessante no mundo humano que o faz passar mais tempo lá que no seu próprio lar?

- Isso aqui não é meu lar.

- Sabe que não pode fugir de suas origens para sempre.

- Tanto faz. - me levantei, sem paciência para ouvir a mesma baboseira de sempre. - Estou indo.

Décadas atrás, Hades veio pessoalmente me recrutar para fazer parte do Vonder e eu recusei, mas eles nunca desistem. Não entendo o motivo dessa insistência comigo, afinal, entrar para essa porcaria de conselho é a meta da vida de quase todos os demônios.

- Tudo bem, apenas não esqueça que é proibido relacionamento com humanos. Mas você não seria tão estúpido, não é? - questionou. - A última coisa que gostaria, seria ter que puni-lo. - controlei minha raiva e caminhei em direção a porta. - E quando se enjoar dessas humanas nojentas, tenho as melhores demônias para apresentar.

Fechei a porta e fui embora ouvindo sua risada maléfica.

Mesmo após todos esses anos, ainda não o suporto, nenhum deles, e odeio ter que dar satisfação. Um dia darei um jeito de me livrar desses imbecis.

*Ps: Kiu é uma bebida que só existe no inferno. Algo como um whisky dos demônios.

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