6. Noite traiçoeira☎️

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  O anoitecer costuma ser meu pior inimigo. É onde a ansiedade dá a palavra final ao corpo inteiro que é hora de se afogar na imensidão de pensamentos. É onde você sente medo de suas próprias atitudes e a incapacidade de superar se torna expansiva. O sono brigou comigo, hoje, me dizendo que devo ficar sozinho.

  Rolar de um lado para o outro é o pior exercício das madrugadas, tão pior quanto o pesadelo. Só não entendo como essa imensidão veio morar bem dentro de mim, essa bagunça que me deixa frustrado e sem forças para arrumar. Todos os ponteiros parecem parar naquele exato momento em que minha mente está entrando em conflitos barulhentos. Que droga!

  E lá vai ela viajar para o momento que nunca viveu e nem sequer sabe se vai acontecer, mas almeja. Ah, se almeja! Pegou outro avião e decolou até o dia em que tudo vai ficar bem; se bem que esse lugar é bem longe do meu ponto de vista, porém ela está lá. Depois, a visto dentro de um jatinho, mostrando uma cena em que Al volta ao Brasil e me deixa para trás, sofrendo como cachorrinho sem dono. Já até sei minha cena dramática que farei quando esse dia chegar.

Irritado, levantei da cama e abri a janela do meu quarto. O condomínio era cercado por uma floresta não muito grande, em uma parte dava para contemplar um pedacinho da cidade.

— Deus, sei que o Senhor existe e que és Misericordioso, embora nunca tenha parado para conversar contigo a respeito da minha vida, mas mamãe sempre me disse que é bom desabafar. Eu só queria que me fizesse entender como uma garota consegue acelerar o ponteiro do relógio, pois quando estou com ela, não consigo ver ansiedade passar. O que o Senhor está querendo dizer com nossa aproximação? Tudo bem, soa ridículo para mim que me responda  com palavras. Só... — suspirei. — Não permita que Al fuja de mim. Estou cansado de viver sozinho. Estou cansado da minha vida de aparências.

  É possível estar totalmente cansado e ainda assim não conseguir dormir? Pois é, é isso que a ansiedade faz.
Voltei para cama me enrolei na coberta a espera do sono. Não sei como aconteceu, mas o barulho do tic tac ficava cada vez mais alto, cobri meu rosto e tapei os ouvidos. Atitude inútil diante de um barulho estridente.

O tempo é curto, filho.

Tic tac, tic tac, tic tac, tic tac...

— Você não pode me deixar, Al.

— O relógio nunca girou ao redor de você, Theodore.

Tic tac, tic tac, tic tac, tic tac...

— Super heróis também fazem sacrifícios.

Tic tac, tic tac, tic tac, tic tac...

— Não! — abri os olhos. Senti as gotas do suor pingando sobre o colchão. Teresa me encarava um tanto aflita.

— É melhor tomar o remédio. — levanta da poltrona e me entrega o copo d'água. — Acho que se eu interrompesse, seria pior.

— Que horas...

— Não se preocupe. Dá tempo de ir para o trabalho ao menos que não queira.

— Preciso cumprir minha última semana, mamãe. Nos próximos dias terei descanso e acredito que não devo me preocupar com a ansiedade.

  Tomei o remédio e levantei, logo me joguei de baixo do chuveiro ainda com roupa.  Estava totalmente molhado de suor e agoniado com aquilo. Ao sair do banho com a toalha enrolada na cintura e secando meu cabelo com outra, avistei mamãe no mesmo lugar, me encarando com um olhar preocupado.

— Filho, acho que deveria procurar um psicólogo. Meu amor, terapia nunca é ruim.

Suspirei, entrando no closet.

— Eu sei, mãe. Eu só luto tentando me convencer de que não há problemas comigo. Prometo pensar mais sobre este assunto, porém garanto que minhas férias me ajudarão a esquecer meus traumas.

(...)

O fardo parecia escorregar de minhas costas ao saber que resta alguns últimos ajustes para entrar de férias e esquecer as pressões.

Agora estava conversando com a anjo. Ela, também é uma mulher divertida, espontânea e sua voz me salva de tantos perigos.

— [...] Então, tive uma noite bastante conturbada, anjo. A ansiedade é um saco! Tudo isso começou depois que chamei Al para viajar comigo.

Resta chegar o dia vinte para sabermos o que será dele, mas é importante que procure ocupar seu psicologico com outra coisa.

— Missão impossível quando se em todos os lugares ela está, agora. Você acredita que até Deus está aliado a ela? Até com Ele tenho falado a respeito da baixinha atrevida. — disse, com um sorriso bobo no rosto. Anjo ficou quieta do outro lado da linda. Percebi suas mudanças de reações quando digo algo; anteriormente, ela ria. Será que está com ciúmes?

Sabe como é o nome disso, sweetheart?

— Prefiro não titular, anjo. Talvez a consequência desse sentimento pode ser trágico. O tempo irá dizer o que nos resta. — falei, tristonho.

Aposto que deseja que o tempo se alie ao que está pensando. Não o force, sweetheart. Deixe Deus trabalhar a seu favor.

— Tudo bem, anjo. Prometo que irei te atualizar daqui para frente como estão sendo minhas férias. — assegurei.

Gostaria muito de poder saber, mas também vou tirar férias e vou viajar.

— Sério?! Não tem mesmo como me passar seu número? Gostaria tanto de manter o contato com você. Sabe, não sei o que me aguada nessa viagem.

Olha... Irei lhe passar um e-mail, mas não é meu, daí você vai me atualizando e sempre que conseguir, te respondo.

  Assenti e anotei com calma o que ela havia falado. Eu não poderia passar as férias sozinho, sem a companhia de pessoas que me fazem esquecer a ansiedade. Não que Teresa seja uma companhia ruim, mas ela é muito emotiva, ela não tem peito para encarar a minha realidade.

  O que resta do meu amanhã? Ter a certeza de que nunca mais encontrarei alguém que faça com que o ponteiro do relógio espere?

   No fim do expediente, Leopoldo veio me buscar e no meio do caminho avistei um outdoor. Nele havia a propaganda de ternos que havia feito à algumas semanas atrás. Meu sorriso estava apropriado para uma foto, mas ninguém sabe o que aconteceu por detrás dele. Ninguém sabe que eu luto contra o tempo e que a vida parece andar do lado avesso.

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"Deus, dobrei os meus joelhos
pra falar de amor..."

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188 - A DONA DA VOZWhere stories live. Discover now