🖤 CAPÍTULO 79 🖤

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🖤Alicia:

       Não consegui dormir. Esperava e ansiava o momento em que Dylan abriria a porta do meu quarto, gargalhando e explicando que tudo tinha sido uma pegadinha de mau gosto dele. Aquilo não aconteceu.
Meus pensamentos pareciam uma tempestade, me atormentando a todo segundo. E se não tivesse tido tanto trânsito e chegássemos ao restaurante um minuto antes? Ou se o trânsito fosse maior e chegássemos um minuto depois? E se, ele não tivesse tido a ideia de colocar a moto no estacionamento? Melhor de tudo, e se ele nunca tivesse ganhado a moto no Natal? Por que eu tinha decidido ir justo naquele restaurante? Por que a porra daquele anúncio foi aparecer justo naquele dia? E se eu tivesse contado que estava grávida antes? Como ele reagiria? E a que mais me atormentava: E se eu não tivesse sentido enjoo e descido da moto? Será que eu morreria junto? Ou será que o impacto iria ser distribuído por nós dois e estaríamos vivos?
Pelo jeito, nunca teria resposta para aquelas perguntas.

     Chorei a noite toda e tive que me obrigar a levantar no dia seguinte, porque minha vontade era de ficar o resto da minha vida debaixo do edredom.

     Me olhei no espelho mais uma vez, tentando decidir se tirava ou não o meu piercing. Estava completamente destruída. Meus olhos estavam vermelhos e levemente inchados, parecia que dois pernilongos haviam decidido picar eles. Meu corpo todo doía. Literalmente tudo. E, não conseguia fazer nada a não ser me olhar no espelho e acariciar o pingente.

       - Ali? - ouvi duas batidas na porta, para em seguida, ser aberta e Talyane entrar - Eu trouxe uma vitamina, tem banana, mamão, maçã, aveia...

      - Não quero. - interrompi.

       - Ok. - ouvi seus passos de um lado para o outro - Está pronta? Já estamos indo.

       - Pareço pronta? - a olhei, sentindo o aperto em meu peito aparecer novamente.

       - Não. - tentou sorrir. Seus olhos também estavam inchados. - Você podia colocar algo azul, você ama azul.

       - E você sempre implicou com isso. Acho que no final, nem tudo é azul como eu gostaria que fosse. - olhei para a blusa preta que vestia. Era do Dylan, desde o dia que tomamos banho juntos e depois passeamos de moto, não havia devolvido. E, agora, simplesmente não conseguia tirar, a única coisa que consegui, foi colocar um short jeans para não mostrar minha calcinha para todo mundo - Vou assim.

       - Alicia... - balançou a cabeça um pouco incerta.

       - Vamos. - respirei fundo, saindo do quarto.

       - Se quiser conversar, estou aqui. - ouvi sua voz.

       - Não quero conversar.

       Desde que acabei soltando na frente de todo mundo que estava grávida, não paravam de me oferecer comida. Parecia que era a maneira que achavam de se manter sãos, para não pensar em morte e, sim, na vida dentro da minha barriga. Acho que me apeguei um pouco a isso também, mesmo sem saber se escolheria ter aquele bebê. 

      As perguntas se tornaram ainda mais frequentes em meus pensamentos, quando chegamos ao velório e me sentei distante do caixão, em uma espécie de mureta, perto de algumas flores. 

       Thaís e André estavam sentados ao lado do caixão, passando a mão sobre ele e chorando. Meus pais se juntaram a ele, tentando consolá-los, mesmo sem conseguir consolar a si mesmos. Rodrigo e Talyane não estavam tão perto, mas Tay não parava de chorar abraçada com Rodrigo. Não conseguia chorar naquele momento, parecia que todas minhas lágrimas haviam sido gastas de madrugada. Porém, algo me dizia que precisava chorar, talvez ajudaria aquela dor passar. Mas, não dava. Nada parecia real no momento. Por isso, me recusei a me aproximar do caixão. Ainda conseguia ter esperanças que por alguma brincadeira idiota do destino, confundiram o Dylan e o meu Dylan não estava morto. Precisa acreditar naquilo, então, não iria me aproximar do caixão para ver meu Dylan deitado e sem vida, porque se isso acontecesse, não teria como dar esperanças a mim mesma.

       Meu celular não parava de vibrar, sabia que devia ser mensagens dizendo o quanto sentiam a minha perda. Odiava aquilo. Muitas das mensagens, não fazia ideia de quem vinham ou como haviam conseguido meu número, ou seja, deviam ser apenas pessoas curiosas que falariam que sentiam muito e depois perguntariam o que havia acontecido. Não iria perder o meu tempo respondendo aquilo. Não iria perder meu tempo com nada daquilo, ainda que tivesse várias mensagens de pessoas que eu sabia que realmente se importavam, como Amora e Daniel. Por isso, pedi para Abigail não deixar as pessoas que não conhecia virem me abraçar e falar que entendiam a minha perda, porque ninguém dali entendia. Não se entende uma dor que não te pertence.

      Grace e Ben foram os únicos que me esforcei para abraçar.

       Quando o velório chegava perto do fim, Abigail se levantou para olhar o caixão. Tentei não prestar atenção naquela cena, muito menos no que acontecia à minha volta. Fechei os olhos e me lembrei de nossos momentos juntos, do seu sorriso, das covinhas perfeitas que se formavam em suas bochechas, seus olhos escuros, sua boca, seu toque, a forma em que arqueava a sobrancelha. Não queria perder nenhum detalhe. Porém, logo as lembranças começaram a se misturar com as imagens de seu corpo no chão, seu grito de dor, a forma como ele falou que achava que não voltaria para casa...

       Abri os olhos, sentindo minha respiração acelerada e me levantei, andando de um lado para o outro e passando a mão em meus peitos, como se aquilo fosse acalmar meu coração. Sabia que teria que ver o caixão logo, pois em poucos minutos iriam levá-lo para ser enterrado e não estava preparada para isso. Podia ver diversos caixões, mas, não podia ver o Dylan em nenhum deles. Meu coração se acelerava cada vez mais, tentando segurar a esperança que podia me aproximar e não seria ele. Não podia ser ele.

       - Alicia? - senti alguém me tocar e soltei um grito baixo pelo susto - Desculpa.

       - Aham. - murmurei, olhando para Abigail - O que?

       - Você precisa se despedir. - lágrimas voltaram a cair de seus olhos - Já estão querendo... você sabe.

       - Eu não posso. - abracei meu próprio corpo - Eu não posso. 

       - Alicia, você pode. - pegou em minha mão - Eu vou estar com você o tempo todo, assim como seus pais.

       - Não posso ver ele lá dentro. - senti meus olhos encherem d'água, mas tentei mantê-las ali - Não é ele. - engoli em seco - A última vez que o vi, ele estava com dor e sangrando, mas estava vivo... ele estava vivo, a vida não devia sair de alguém assim. - segurei o pingente - Ele estava vivo e falou que me amava.

       - Vamos. - começou a me puxar levemente em direção ao caixão - Ele sempre vai te amar.

       Mesmo um pouco relutante, me aproximei lentamente.

       Assim que o vi deitado naquele lugar, senti o fôlego faltar em meus pulmões e meu peito doer. Estiquei a mão para passar em seu rosto, mas a puxei novamente, para respirar fundo e enfim, acariciar seu rosto pálido e gelado. Não era o mesmo Dylan, seu piercing não estava ali, até sua boca que costumava ser rosada não era a mesma. O meu Dylan não estava mais ali. Cobri meu rosto e comecei a chorar, sentindo meu coração se quebrar em pedaços novamente. Minhas pernas perderam a força e me sentei no chão, abraçando meus joelhos. Tentei me controlar e pensar que não era aquilo que ele iria querer, não era aquilo que eu iria querer se estivesse naquele caixão. Mas aquilo só piorou, tornando meu choro cada vez mais alto e compulsivo.

      Eu nunca mais veria seus olhos escuros.

      Nunca mais veria seu sorriso, nem suas covinhas.

      Nunca mais sentiria seu toque...

       Achava que o pior dia da minha vida havia sido quando meu vídeo íntimo foi publicado. Estava muito enganada. O pior dia de nossas vidas só é o pior até sermos atropelados por outro pior. 

Nem tudo é azulWhere stories live. Discover now