♾ EPÍLOGO ♾

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♾ 5 anos depois:

      Desliguei o chuveiro e me embrulhei na toalha, saindo do banheiro. Me dirigi até a cama, onde havia separado a roupa que usaria, a escova de cabelo, hidratante corporal e a maquiagem, pois, praticamente, todas as outras coisas estavam em caixas e malas no andar de baixo. Comecei a passar o hidratante pelo meu corpo e, quando cheguei à minha costela esquerda e passei a mão pela tatuagem, senti um arrepio me percorrer. Me posicionei em frente ao espelho do guarda roupa para me observar e passei a mão pela tatuagem me lembrando do dia que havia feito, há dois anos. Era uma rosa azul em chamas, exatamente como no desenho de Dylan, porém, no lugar de seu caule, havia a frase "que seja infinito enquanto dure" formando o sinal do infinito. Abri um sorriso com aquela lembrança e acariciei meu pingente, para só depois vestir uma jardineira azul escura, pentear meus cabelos - que estavam na altura de meus ombros e sem nenhuma mecha azul, não sabia se algum dia teria vontade de fazê-las novamente - e fazer um delineado preto.

      - Pode entrar.  - falei, ao ouvir uma batida na porta - Colocou as coisas no porta-mala? - perguntei, quando Rodrigo entrou.

       - Sim. - respondeu - Posso levar o quadro?

       - Claro. - peguei o quadro em cima da cama e o entreguei - Empacotei ele todo.

       - Realmente. - começou a rir, olhando para o quadro enrolado em um papel marrom - Não precisava de tudo isso.

       - Vai no banco de trás, junto com as crianças. - fiz uma careta - Se eu tivesse achado uma caixa desse tamanho, iria dentro dela. - ouvi um gritinho e em seguida o barulho de algo caindo - Viu? Precisava empacotar.

       - É. - comprimiu os lábios - Já 'tá todo mundo te esperando lá embaixo.

       - Já estou indo. - abri um sorrisinho.

       Assim que ele saiu, peguei minha bolsa e guardei as maquiagens. Respirei fundo e caminhei até a escrivaninha, pegando a pasta que se encontrava ali e me sentando na cama. A abri, visualizando os desenhos e passando o dedo levemente sobre eles, sentindo meus olhos se encherem d'água. Já havia se passado tanto tempo, porém, ainda tinha a sensação dos acontecimentos serem no dia anterior. A dor não passou e acho que nunca vai passar. Bastava aprender conviver com ela.

       - Ainda não tive coragem de ir ao cemitério. - falei, olhando para o desenho - Acho que esses desenhos representam muito mais você do que um túmulo. Caralho.. eu nem acredito que você me ouve. - mordi o lábio inferior - Mas, me faz bem conversar. - sorri - Hoje, estamos nos mudando... terminei a faculdade de moda e recebi uma proposta de emprego em outra cidade, é em um ateliê, por enquanto, vou ser apenas uma assistente. Mas, minhas expectativas estão altas e conheço o meu talento, sei que vou me tornar importante. - respirei fundo - Daqui para frente, não vou conversar do mesmo jeito com você, porque tudo vai ficar muito corrido e porque eu sei que preciso parar de fazer isso. Falar com você, quer dizer, com seus desenhos me ajudou a seguir em frente e agora eu segui. - uma lágrima caiu em cima do desenho e me apressei para limpar - Isso não quer dizer que te esqueci, isso jamais vai acontecer. Você vive dentro de mim, na minha pele, no meu pescoço... - coloquei a mão sobre meu coração, depois em cima da tatuagem e, por fim, no pingente - Você sempre vai estar vivo em cada célula do meu corpo e fora dele também, nossos filhos são lindos e são... -abri um pequeno sorriso, mesmo com as lágrimas - Eles tem seus olhos, nenhum dos dois nasceu com os meus olhos, o que é muito injusto, porque vomitei e tive que carregá-los por nove meses. Os dois também tem o cabelo escuro exatamente como o seu, só a Diana tem covinhas e acho que ela também vai ser uma artista, ela não pode ver nada que já sai rabiscando, tive que trancar minhas coisas da faculdade dentro da gaveta e mesmo assim, tem desenhos nas paredes da casa. Já o Dylan, não desenha, estranho né? Ele odeia lápis de cor, mas gosta de tocar um mini violão que ganhou de aniversário. Enfim, eles se parecem muito com você e são perfeitos. Nunca vou te esquecer, cara de cu... nunca. - limpei as lágrimas e respirei fundo - Eu te amo e estou seguindo em frente por nós dois, isso não quer dizer que vou começar namorar ou algo assim, não estou preparada para isso e sinceramente, não me faz falta. É como se eu estivesse em um relacionamento monogâmico comigo mesma, entende? Não sei se algum dia terei outro relacionamento que passe de uma simples transa com alguém... Só consegui ter isso com você. - guardei os desenhos e fechei a pasta - Somos infinitos... e porra, você me fez borrar a maquiagem. 

       Me dirigi até o banheiro, lavei o rosto e refiz o delineado. Depois, peguei minha bolsa e a pasta, dei uma última olhada no quarto, praticamente vendo a minha própria lembrança de Dylan deitado em minha cama com um sorriso safado no rosto, suspirei e fechei a porta. Desci as escadas, encontrando meus pais, André e Taís, brincando e tentando fazer com que Dylan e Diana comessem morangos. Talyane estava sentada no sofá, acariciando sua barriga, enquanto Rodrigo fazia massagem em seus pés inchados. Entendia completamente o desconforto que Tay deveria estar sentindo, ainda mais pelo fato de estar no fim da gestação. Abigail me olhou com um leve sorriso e soltou a mão de Gustavo, seu namorado, para vir me abraçar.

       - Vou tentar te visitar sempre que der. - desfez o abraço - Mas, você sabe que agora as coisas estão um pouco complicadas com o meu estágio.

       - Eu sei. - sorri - Mas, eu também vou vim sempre que for possível.

       Comecei a abraçar todos naquela sala, falando que os amava e que voltaria o mais rápido possível. Quando cheguei em Talyane, acariciei sua barriga e me despedi de Manu, para depois, ajudar Dylan e Diana lavarem suas mãos para irmos para o carro. Pedi que ninguém nos acompanhasse para fora, pois ficaria muito difícil ir embora daquele jeito, então, mandei Dylan e Diana me acompanhar até o carro, o que foi extremamente difícil, porque parecia que formigas estavam picando o cu deles os fazendo correr ao redor do sofá. Thaís e André tiveram que pegá-los no colo e me ajudaram a colocá-los nas cadeirinhas dentro do carro. Não sabia como conseguiria sobreviver em outra cidade com gêmeos atentados e sem as pessoas que haviam me ajudado durante todos os 5 anos.

       Dei outro abraço em André e Thaís e entrei no carro, sem me dar tempo para pensar demais. Coloquei a bolsa e a pasta no banco do passageiro ao meu lado e comecei arrumar o retrovisor interno para ver as crianças melhor.

       - Diana! - repreendi, me virando e pegando o troféu de violão que ela estava prestes a bater na cabeça de Dylan - Onde você arrumou isso?

       - Aqui. - abriu um sorrisinho, apontando para o banco.

      - Mentira. - Dylan cantarolou - Ela pegô lá na sala dentro da caixa.

       - Ok. - coloquei o troféu junto com a pasta - Não pode bater no seu irmão com isso, entendeu?

       - Mais ele é feio. - enrugou o nariz.

       - Você é feia, cocozuda. - Dylan deu um tapa em sua perna, fazendo ela dar outro em sua cabeça.

       - Parem agora. - desci do carro, não teria como viajar com as duas cadeirinhas coladas uma na outra. Abri a porta de trás e arrumei a cadeirinha de Dylan perto da outra janela, fazendo cada um ficar em uma janela do carro e dei um beijo no rosto deles - Amo vocês, não podem bater um no outro, entenderam? - confirmaram com a cabeça, me fazendo sorrir e fechar a porta novamente, entrando no carro e dando partida.

      - A gente vai a Manu quando ela sai da barriga da titia? - Diana perguntou.

       - Vamos sim. - confirmei.

       - Po que da barriga da titia sai só um nenê e da sua sai dois? - Dylan só tinha quatro anos e me fazia perguntas que eu não sabia responder direito, não gostava nem de imaginar quando crescesse mais um pouco.

       - Porque a mamãe soltou dois óvulos e o papai fecundou os dois. - tentei explicar.

       - Que é ovus? - perguntou curioso.

       - A vovó faz mexido pra coloca no pão. - comecei a rir com a resposta de Diana.

       - Não, meu bem. - enruguei o nariz, parando no sinal vermelho - Não é isso, vamos deixar essa conversa para quando vocês estiverem maiores. - peguei meu celular e o conectei no carro - O que vocês acham da gente ouvir música até chegar?

       - Sim! - Dylan comemorou - Pb!

       - MPB. - corrigi, colocando uma playlist - Vamos ouvir MPB, então.

       Sorri quando a música começou tocar, pensando que não era uma mãe ruim, como pensava que podia ser. Eu até levava jeito para aquilo. Claro que não era uma mãe normal, porque não conseguia ficar ouvindo galinha pintadinha ou qualquer uma dessas músicas chatas de crianças, continuava sendo eu mesma, só que mãe. E, quando Eu sei - Papas na Língua começou tocar, olhei pelo canto dos olhos para a pasta e o troféu no banco ao lado, sorri e prestei atenção no trânsito à minha frente, sabendo que, literalmente, tudo podia acontecer. 

Nem tudo é azulWhere stories live. Discover now