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A primeira nota vermelha decorando meu boletim ainda me assombrava em noites chuvosas e calmas demais. Até então, antes de sua aparição traiçoeira e malvada, eu acreditava ser um prodígio. Inteligente o suficiente para passar em faculdades renomadas sem me esforçar mais que o necessário. Mas eu não era.

Chorei duas noites seguidas antes de entregar aquele desastre ambulante de notas aos meus pais. Um desespero ridículo me manteve apavorada pelos longos segundos em que os olhos de minha mãe passavam pela folha amarelada que escancarava minha péssima nota em matemática. Por fim, depois de toda espera agonizante, ela sorriu, causando em mim um alívio profundo. Pois naquele sorriso que me abria, eu não senti que estava irritada. Na verdade, as seguintes palavras dela me deixaram pensativa por dias e mais dias.

" É uma nota vermelha, meu amor. Não se cobre tanto. Ninguém consegue ser bom em tudo. Da próxima vez você irá conseguir, tenho certeza disso " Foi o que ela disse, acariciando minha cabeça e em seguida perguntando-me se eu queria biscoito com leite. Obviamente não recusei.

Mas enquanto a seguia até a cozinha, suas palavras ainda dançavam em minha mente. Ela afirmar ter certeza de que na próxima eu estaria mostrando orgulhosamente minha nota excelente em matemática, me fez acreditar que eu deveria, não importasse o que fizesse, conseguir aquela nota excelente.

Não consegui.

Quando no terceiro boletim, não só o vermelho em matemática me assombrava, junto dele estava o de Ed. Física, química e geografia. O quarteto do terror. Enquanto sentada em um canto escondido do internato, eu encarava com choro e ódio aquele boletim desaforento. Até que uma sombra engoliu meu pequeno eu rabugento. Talles me encarava do alto, com um sorriso de quem já esperava por aquilo.

Contei a ele o que acontecia. Expliquei todas as importantes razões de querer um boletim todo azul, mesmo minha mãe afirmando não ter problema algum ter algumas notas vermelhas de vez em quando. O problema era que aquela constância de notas ruins estava me frustrando. Eu queria voltar a ser a pequena Rosellyn que entregava aos pais um boletim todo azul. Uma Rosellyn contente e com uma confiança assustadora. Talles me afirmou que poderia me ajudar na busca do meu antigo eu.

Entretanto, nessa fase eu já não queria estudar. Todo aquele esforço incansável estava acabando com o pouco de felicidade que me restava. Nossos estudos não duraram mais que alguns dias. Então, Talles entendeu que eu precisava mais do que aquilo. Precisava de algo que fosse errado, mas que aos meus olhos fosse o meu socorro.

" Como você consegue aprender facilmente uma coisa errada, mas não consegue estudar? " foi o que Talles me questionou quando em meia hora eu havia criado meu primeiro boletim falso. Quis sorrir, afirmando ter tido um ótimo professor, mas sabia que ele não aprovava aquele título, até porquê ele nem mesmo aprovava ter me ensinado seus talentos obscuros. 

— Sinto cheiro de desastre — alguns anos depois lá estava eu, precisando novamente dele e de sua assustadora inteligência desconhecida por grande parte das pessoas que o conhecia.

— Epa! Talles, não é permitido voltar atrás após ter aceitado. Com todas as sílabas sendo perfeitamente ditas, você declarou: eu faço.

— As razões são bem óbvias. Dinheiro — disse ele, exalando em seu tom de voz o desapontamento. Me virei no sofá, ficando de frente para ele.

— Você ter aceitado ajudar significa mais do que pode imaginar — digo em sinceridade. E de fato, minhas palavras não eram apenas blefes de bajulação em procura de recompensa. A ajuda que ele estava disposto a oferecer naquele momento, era arriscada e envolvia muito além de um favor entre amigos.

1 4 3 • jjkOnde as histórias ganham vida. Descobre agora