V i n g t - d e u x

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O sofá da casa da minha mãe, mesmo que mandado para a lavanderia diversas vezes, ainda mantinha preso em si o cheiro de camomila. O sabor do chá preferido dela. O cheiro impregnado era resultado da constância teimosia da mulher em se sentar rápido enquanto com uma grande xícara de chá em mãos.

Aquele sofá, junto com outras mil lembranças, crescia em meu peito a saudade de sentir o cheiro que a paz do lugar exalava. Paz não tinha cheiro, o que tornava a experiência ainda mais única.

Eu não saberia explicar se caso tentasse, mas em uma resumida tentativa, para mim o cheiro da paz era tudo aquilo. Estar ali, na sala que cresci, deitada no sofá de camomila, comendo o cereal lucky charms direto da caixa e passando horas assistindo programas de variedade que nada agregava em minha vida além da emoção de um bom barraco entre famosos.

E tudo isso em uma tarde chuvosa onde os únicos barulhos eram o da TV, da chuva no telhado e do silêncio da paz. Esse era o melhor cheiro que eu poderia sentir.

Fui em busca disso quando bati na porta de mamãe noite passada. Desejei que ao abrir a porta fosse recepcionada por ela e papai. Queria os dois ali, eu precisava dos dois ao mesmo tempo. Mas quando mamãe me puxou para um abraço logo assim que percebeu que sua filha não estava nos seus melhores dias, eu voltei a me contentar em ter a presença de cada um separadamente. E naquele momento não acho que teria pessoa melhor para me segurar em seus braços do que ela.

Mamãe não perguntou nada. Suas palavras de consolo foram seus braços me mantendo em um abraço quente e reconfortante até que eu pegasse no sono. Roubei o lugar de Kevin, meu padrasto, e dormi na cama de mamãe, abraçada a ela e choramigando no meio da noite, assim ela firmou que eu fiz.

Quando naquela manhã acordei com os olhos doloridos e inchados. O que restaurou alguns por centos da minha vitalidade foi o barulho de chuva. Fiquei por exato dez minutos sentada diante da janela, amando assistir cada gota escorrer no vidro. Amando ser embriagada pelo cheiro de terra molhada. O cheiro categórico da chuva.

Até que minha mãe apareceu, me arrastando para a mesa do café da manhã. Onde Kevin e Charlie, filha de Kevin e agora minha meia-irmã, estavam. Mesmo que não fosse meu pai sentado no lugar que Kevin ocupava, empolgação me envolveu enquanto compartilhava com eles aquela sagrada hora. Isso de acordo com Kevin, e sua crença de que sem seu café da manhã ele poderia facilmente se transformar em um monstro.

Teve alguns minutos que eu apenas parava no tempo, observando eles interagirem. Vez ou outra eles acabavam chamando-me para participar de algumas discussões. Como por exemplo, se quem colocava leite na vasilha antes do cereal era ou não psicopata. O resultado foi de três a um. Mamãe era a psicopata.

Quando mais tarde naquele mesmo dia, algumas horas depois do jantar, Charlie e mamãe estavam em um estado caótico de euforia feminina, andando de uma lado para outro da casa. Mamãe procurava seu outro par de brinco, enquanto Charlie estava a ponto de explodir se caso não conseguisse fazer um penteado descente. Acabo me envolvendo na bagunça. A primeira que me ofereço para ajudar é Charlie.

— Tem certeza de que não quer ir com a gente? — Kevin perguntou do outro sofá enquanto eu com Charlie nos mantinhamos sentadas no sofá maior. A luz da sala era mais clara que a dos quartos, razão pela qual penteava os longos cabelos de Charlie ali. — Posso conseguir comprar um ingresso para você. Não deve ter esgotado — Murmurou ele já pesquisando no celular. Nego com a cabeça.

— A menos que Ed. Sheeran esteja cantando, eu não piso em ópera nenhuma. 

— Eu também iria nessa — Disse Charlie baixinho. Charlie era uma garota de apenas treze anos. Olhar para ela fazia me lembrar do meu eu de treze anos. Tirando os meus ataques de raiva incontroláveis, eramos bastantes parecidas. Certo, ela era muito mais amigável e doce do que eu um dia já fui.

1 4 3 • jjkOnde as histórias ganham vida. Descobre agora