D i x - n e u f

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Respiro fundo, inalando sem intenção o pó acumulado nas caixas de papelão. Longos dez segundos se passaram comigo tentando controlar um terrível ataque de espirros.

Desço da cadeira que havia me arriscado subir apenas para pegar nas caixas de papelão em cima do guarda roupa. Com os pés firmes no chão me permito soltar um último espirro, um capaz de impulsionar meu corpo para trás. Decidida a não levar mais nada que estivesse em cima do guarda roupa e seu longo histórico de pó acumulado, eu volto para cozinha. O lugar ao qual não deveria ter saído desde o início.

— Você deveria ter vergonha na cara de me ligar à essa hora e pedir ajuda para fazer biscoitos. Biscoitos, Rosellyn!

O silêncio no apartamento era tomado por uma voz esganiçada que só ficava pior pelo fraco sinal de internet que dificultava amizades de longa distâncias. Como se não tivesse a deixado falando sozinha por dois minutos, volto para frente da tela do celular. Ela estava tão distraída quanto eu, enquanto organizava suas roupas.

— São exatamente onze e meia. Eu não sei fazer biscoitos, e eu preciso fazer isso antes que Talles e Kris voltem. Além de que você também estava acordada quando liguei, então não tem problema.

— Existe Google, e você deveria estar dormindo, Rosellyn, irá trabalhar amanhã cedo.

— Depois dos catorze anos dormir antes das quatro da manhã se tornou um desafio, o qual nunca consegui concluir. Mas já que estamos falando de responsabilidade, você sim, é quem deveria está dormindo, senhorita Tânia.

— Esse Júpiter que tenho na barriga não me permite dormir — apontou a câmera do celular para a barriga.

— Esse Júpiter é seu filho.

— E eu quero que ele saía de mim o mais urgente possível — Ela se ajeitou na cama, se irritando por não conseguir uma posição favorável a sua barriga de oito meses. — Ontem deixei cair uma caneta, fui pegar e quase que não levanto mais. Yuri precisou me ajudar — imaginei a cena e não consigo controlar um sorrisinho malvado.

— E onde está Yuri? Pelo jeito você está sozinha no quarto — Volto à minha tarefa de enrolar bolinhas de massa de cookies e coloca-las na forma. Ridiculamente aquilo estava sendo mais difícil do que deveria.

— Está tomando um banho relaxante de banheira. Hoje o dia foi traumatizante para ele — minutos atrás ela revelou que naquele dia em ocasião eles resolveram assistir a experiência de um parto natural para que pudessem se preparar. Obviamente não foi a melhor ideia, Yuri desmaiou. Não o culpo, eu também desmaiaria.

— Hey, faça uma surpresa a ele. Vá tomar banho com ele — sugiro. Tânia revirou os olhos.

— Vou esmagar o coitado — eu sorri, amando o quanto seu mau humor de grávida podia me livrar de qualquer pensamento extra.

— Ainda é difícil acreditar que você está grávida do Yuri — Eu disse olhando feio para o que deveriam ser bolinhas de biscoito.

— Meu marido é lindo! Claro que eu teria um filho com ele.

— Ele comia ranho na quinta série — me mostrou o dedo do meio. Indo contra sua regra de que sinais físicos de violência seriam proibidos em sua casa. Rindo eu volto a provocar. — O amor é cego, eu entendo.

— Rosellyn, você é uma idiota — ela sorriu, até soltar um gemido cansado de quem carregava na barriga trinta quilos. — Ah, como isso é difícil.

— As tentativas de fazer foram mais fáceis — uma careta fofa de malícia se desenhou em seu rosto. Me pergunto como conseguiu ser fofa mesmo sorrindo para algo malicioso. Talvez a gravidez a tenha deixado fofa sem intenção.  — Beleza, já coloquei a massa na forma — mostrei a ela minhas pequenas aberrações que nomearia de horribiscoitos.

1 4 3 • jjkWhere stories live. Discover now