Q u a r a n t e

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Conclusão

Meu avô costumava dizer que os pequenos prazeres da vida são contemplados após um acontecimento trágico. Seja a morte de um parente, de um vizinho querido, do animal de estimação ou uma própria quase morte. É dito como lei que os humanos só prestam atenção nos menores prazeres quando se passa pela fria sensação de perdê-los.

Há um tempo atrás deixei de reparar o quanto amo o frio. A neve caindo em flocos perfeitamente desenhados é o que mais havia de comum em países que nevava, mas poxa, estamos falando de flocos de neves perfeitamente desenhados a partir de um triângulo equilátero. É como se pequenas fadas confeccionasse cada floco individualmente. Pelo amor de Deus, estamos falando da possibilidade da irmã da Tinker Bell existir.

Mas além da neve, também fazia alguns anos que eu não reparava nos olhos coloridos de Tânia. Havia um pouco de verde escuro entre o mel de seus olhos. Ou no cabelo castanho claro de Yuri, que nas pontas tomava o formato naturalmente de ondulações sutis. E não ironicamente dizendo, eu não havia percebido antes que Kris e Talles combinavam tão perfeitamente. Sendo um pouco assustador, eles carregavam até pintas parecidas no mesmo ombro.

Ter entendido que passei a apreciar pequenas e naturais coisas do cotidiano por causa de uma bala que ficou alojada em meu baço por quase uma hora, assustava. E muito. Mas ainda assim, mostrava o que foi necessário acontecer para que eu começasse a perceber que minha vida valia muito. Que eu estava deixando pequenas e gratificantes partes da minha vida passar sem mesmo tomar o tempo para apreciar.

— Sabe, você recebeu alta do hospital já faz dias. Tá livre para ir socializar — a voz suave comentou, enquanto o corpo que a carregava se sentava ao meu lado no degrau da escada de madeira.

Havia pensado sobre tantas coisas, mas não havia comentado sobre ele. Acreditei que não fosse necessário. Ele estava a todo e constante momento em minha cabeça, que no fim, estava sendo a única coisa a qual passei muito tempo prestando atenção.

Jeon Jungkook era o que roubou minha vida do restante dela. Ele havia chegado de mansinho, mas já causando grandes estragos em meu coração, e ali ele permaneceu. Não tornando meu amor pequeno diante de todo esse tempo, na verdade, assustadoramente assumindo, só se tornava maior.

Por ele passei por coisas a qual jamais imaginei que um dia passaria. Chorei, me desesperei, odiei, mas ainda o amei. Ainda o amo. Por ele eu fui capaz de enfrentar mais do que a minha vida pacata oferecia, e no fim acabei com uma bala no baço. No entanto, cada dor e problema se tornava pequeno na lembrança de suas lágrimas de desespero. Faria tudo novamente, se é o que quer saber.

— Está uma zona de guerra ali — aponto a área da churrasqueira, onde Tânia disputava com Kris quem ficaria com o último hambúrguer preparado por meu pai. — Não quero me arriscar a sair com um dente a menos.

O que aliás, foi o que quase aconteceu na minha tentativa de explicar para Tânia cada etapa do que me aconteceu durante esses três meses e meio. A recém mãe do grupo estava com os nervos a flor da pele, e minhas recém novidades não era exatamente o que ela esperava quando afirmei ter boas notícias.

— Eu sei o que está fazendo — acusou ele, girando o anel no polegar. O mesmo anel que eu carregava comigo na noite do armagedon. O anel que ele me deu no intuito de que eu o girasse, ao invés de me machucar com minhas próprias unhas.

— O que estou fazendo?

— Exatamente o que alguém que esteve próximo a morte faria. — Me olhou nos olhos, buscando minha coragem de desmentir suas palavras. Não acharia. Ele estava certo. — Eu fiz a mesma coisa, só que ao inverso.

1 4 3 • jjkOnde as histórias ganham vida. Descobre agora