Capítulo 2 - Proposta

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— Não estou com tempo para falar com você. Nem paciência.

Thereezee, ou qualquer outro nobre irritante, decerto teria uma embolia se me visse falando assim com o Príncipe-Regente.

Mas aturar Escórpio é o que menos preciso agora, quando meu interior ferve a indignação e sinto vontade de gritar.

— Não diria isso tão cedo. Especialmente aqui. — Ele não se move; o ombro direito apoiado numa das pilastra-estante a meio caminho da saída, segurando um livro botânico de cabeça para baixo. Os olhos escuros, porém, erguem-se para além de meus ombros, e então para os lados e para cima: apontando as estantes aos nossos lados e o mezanino. — E não quando quem mais tem a perder é você.

No tempo em que estive no gabinete, a biblioteca se esvaziou um pouco, mas ainda há uma ou outra cabeça visível, além dos guardas. E bem sei o quanto essa gente tem um ouvido afiado para escutar conversa alheia e uma boca rápida para espalhar tudo de forma distorcida pela corte.

O que é mais um ótimo motivo para ignorar Escórpio e sair daqui.

— Poupe seus enigmas e ameaças veladas para outra pessoa. Tenho mais o que fazer — bufo de exasperação.

Mal tenho tempo de me virar e dar dois passos.

Uma garra se fecha ao redor de meu pulso esquerdo e me puxa de volta, praticamente me arrastando para entre duas estantes. Tão rápido que não consigo reagir a tempo – e quando me dou conta já estou ao lado do corredor, com Escórpio diante de mim.

O atordoamento se desvanece e inflama o borbulhar indignado em meu peito.

— Que inferno se passa na sua cabeça?! — sibilo, olhando rapidamente para os lados. Estamos num corredor mais estreito, que é caminho para as escadas circulares que levam ao mezanino. Se alguém passar por aqui...

— Tem algo que quero discutir com você.

Tento puxar o braço e fugir pela direita, mas ele segura com mais firmeza e apoia o outro braço na prateleira atrás de mim, fazendo uma cerca sem me tocar. Bufo exasperada.

— Pouco me importa. Não te-

— Não tem tempo? Está um pouco repetitiva hoje, não acha? — provoca, arqueando uma sobrancelha loira, num tom pouco mais escuro que a platina de seus cabelos encaracolados, mas que ainda assim parece sumir na pele tão branca. — Por acaso eu sei que está sem tempo. Não é hoje que anunciam seu noivado?

Escórpio ergue apenas uma ponta dos lábios, num arremedo de sorriso desdenhoso – o único tipo que ele tem.

Abro a boca e então torno a fechar, sem conseguir emitir qualquer resposta, a respiração suspensa. Por um segundo, o calor borbulhante é substituído por gelo, que se instaura em minha barriga. Não teria como... Ele também é príncipe. Mesmo que na época fosse o terceiro na linha de sucessão, ainda estava próximo demais da coroa – tanto que agora é o herdeiro, faltando poucas semanas para sua coroação.

A constatação me devolve o ar – embora a pedra de gelo no estômago permaneça. A impossibilidade de o noivo ser Escórpio, não muda o fato de estar noiva sem saber de quem.

— Não vejo como isso pode ser da sua conta — retruco por fim, tão baixo quanto possível, verificando novamente os arredores.

Falar com Escórpio diante de todos, sabendo que cada mínima atitude de animosidade será julgada, só não é pior do que ser flagrada conversando com ele aos cochichos entre duas estantes afastadas na biblioteca...

Só de imaginar a possibilidade de que possam espalhar que estou em algum tipo de relacionamento com Escórpio – ou mesmo a ideia de ter qualquer envolvimento com ele nesse aspecto – faz uma careta involuntária se formar. Há quem suspire por ele na corte e sonhe em ter sua atenção; mas, para mim, até imaginar ter algo com ele nesse sentido é apenas... não. O remoto grau de parentesco é apenas o menor dos problemas.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now