Capítulo 11 - Presente

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Pisco, confusa, enquanto duas lágrimas terminam de rolar por meu rosto. Uma luminosidade pálida atravessa as janelas junto ao chilrear dos pássaros... Sendo que segundos atrás tudo era escuro e Alexander acariciava meus cabelos, cantando para afastar os pesadelos.

"Não te desesperes e nem esmoreças

O amanhecer vem vindo antes que percebas."

Os últimos versos da cantiga popular ainda ressoam, cálidos, no tom suave de tenor lírico — tão mais claro e vivo do que o eco do "bom-senso" gravado no fundo das lembranças. Mas algo me puxou desse mundo calmo. Um som ritmado e insistente como...

Uma batida na porta.

Ainda desnorteada com a saída abrupta do sonho para a realidade, desvinculo minha mão de Hector e me sento na cama. Ele solta um resmungo ininteligível e se vira, jogando um braço sobre os olhos enquanto outro permanece sobre o travesseiro.

Outra batida na porta.

Em geral, minhas camareiras batem cinco vezes. Se não dou qualquer resposta — destravando a porta — elas usam a chave reserva. Não sei em que batida já estão, mas o som insistente faz Hector se remexer novamente e jogar um travesseiro sobre a cara.

Para alguém que não conseguia dividir a cama, ele conseguiu entrar num sono mais pesado que o meu... mas isso não é algo tão difícil, bufo para mim mesma.

Queria ter um sono imperturbável assim, permanecer na penumbra ouvindo a cantilena de Axl... Talvez, se eu pegar o porta-joias musical que Hector me presenteou anos atrás — que toca justamente a melodia da cantiga popular — e fechar os olhos, consiga voltar a...

Mais uma batida.

Solto o ar, exasperada, e me arrasto até a beira da cama. Tateio a parede atrás da mesa-de-cabeceira e destravo a porta remotamente. Aproveitando a proximidade, puxo o porta-joias comigo, e faço uma careta quando a caixinha de Axl, o piano de polegar e as sementes chacoalham — dessa vez, entretanto, não perturba Hector.

Recostada na cabeceira com olhos fechados, abraço a caixa junto ao peito sem dar corda, cantando a melodia apenas em meu coração.

O peso de exaustão e estresse do baile aliviou um pouco após algumas horas de sono sem pesadelos, mas as lembranças de ontem estão à espreita — e nem a música é capaz de varrê-las para longe. Tampouco posso me trancar no quarto o dia inteiro, mesmo sendo meu dia livre, só para não encarar meus pais... ou qualquer pessoa que tenha presenciado o vergonhoso descontrole. Não posso me esconder para sempre.

Já fugir...

— Bom dia, princesa. Brigitta está trazendo o desjejum. Quer que prepare o banho ou vai usar a cascata? — Rosa cumprimenta, parando ao meu lado.

Suspiro, reabrindo os olhos.

— Bom dia... que horas são? Está batendo há muito tempo?

— São nove e meia, mas como me avisaram que hoje está dividindo o quarto com seu noivo, achei melhor esperar que destravasse a porta.

Rosa está com a serenidade profissional costumeira e não faço ideia se ela sempre soube do noivado, se teve tempo para se recompor ao receber a notícia ou se ela simplesmente já alcançou tal iluminação espiritual que nada mais vindo de mim é capaz de perturbá-la.

Considerando que ela foi minha babá, acredito que seja o último caso.

— Os dois, acho. Comece a encher, por favor.

Rosa desvia os olhos âmbar e analíticos de Hector — que ainda cobre o rosto com o travesseiro — e assente para mim.

Devolvo a caixa para seu lugar e inspiro fundo um par de vezes até reunir coragem de sair da cama e começar o dia.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now