Capítulo 27 - Honra

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— É uma proposta tentadora.

Hector ri.

— Imaginei que diria isso, então-

— Mas não poderei aceitar — prossigo, franzindo a testa, incomodada com os olhares que sinto em nossa direção e em como os acontecimentos irão repercutir na corte depois. — Mamãe me mandou para socializar, não posso-

— Ainda estará socializando... de certa forma — ele encolhe os ombros. Contrastando à postura despojada, os olhos castanhos me analisam com seriedade e, com um indicador tocando a ruga tensa entre minhas sobrancelhas, murmura: — Descarregue a angústia que está provocando isso.

— Em você? — replico, forçando um bufo provocativo. Não é ele quem merece receber essa onda de frustração que pesa como chumbo em meu peito.

— Sim, meu corpo é seu para que o use como quiser, minha general — responde, com uma mão no peito e o galanteador tom afetado de quando parafraseia algum folhetim. Meu coração erra uma batida e não consigo esboçar nem um riso nem uma resposta, pois ele logo acrescenta: — Não se preocupe, não irá me machucar de verdade com as bolas de treino, mesmo que atire com toda a força... isso, claro, se conseguir me acertar.

A provocação em tom solene aguilhoa minhas têmporas e o sangue martela. Cerro as mãos e comprimo os lábios por uns segundos.

— Claro que consigo, mas não vou cair nesse truque barato — retruco num bufo, ignorando o comichar no corpo.

— Consegue mesmo? — Hector ergue uma sobrancelha. — Sei como sua mira é ótima, general, mas... posso lembrá-la de que estive na Academia por anos, fazendo esses exercícios? Enquanto você só tem atirado em alvos parados, sem condicionamento físico... — Ele arregala os olhos e abre a boca, numa teatral exclamação muda de quem compreende algo. — Agora entendo a recusa. Está enferrujada, né? Faz sentido que queira fugir... nesse caso, esqueça a proposta. Vamos-

— Veremos quem está enferrujado aqui! — rosno, esmurrando seu ombro.

A indignação usa todos os demais sentimentos como combustível e, empurrando Hector para o lado, marcho em passos duros até onde os guardas se reúnem. Ignoro o óbvio-senso que me aponta, num comentário risonho, que caí na armadilha feito um patinho. Também ignoro a gargalhada sacana de Hector ao me seguir e o desconcerto dos homens quando me aproximo.

Vou direto ao Capitão Farize, o homem robusto de pele curtida pelo sol e marcada com barba precocemente grisalha. Ele faz uma breve mesura.

— Alteza...? Algum problema? — questiona, tenso de forma que não ficou nem quando papai o incumbiu de me ensinar a atirar facas sem decepar os dedos.

Nego com gesto breve e viro para o banco de pedra, onde está um par de bastões como lanças e dois pares de bolsas de cintura, com as munições de treino.

— Estão todas cheias? Quantas em cada bolsa?

— Sim, trinta de cada lado, princesa — esclarece prontamente. Mas, franzindo o cenho, ergue o olhar para Hector atrás de mim. — Perdão... senhor, se houve algum problema durante-

Hector gesticula com a mão, em dispensa.

— Estamos em número ímpar. Só fui chamar minha dupla.

O capitão ergue as sobrancelhas cinzas.

— ... Perdão?

— Pedi para minha noiva atirar em mim. E, como pode ver, ela está muito animada em me ajudar — Hector explica com voz risonha, com meneio em minha direção.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now