Capítulo 16 - Deliberações

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— Bom dia, princesa, teve uma boa noite de sono?

Devolvo o cumprimento de Rosa num resmungo e ela inclina a cabeça, a pergunta óbvia expressa nas íris de mel.

— Não, não tive pesadelos — murmuro, levantando-me para começar o dia.

Ou continuar. Porque, tanto para ter pesadelos quanto para iniciar o dia, existe uma etapa crucial antes: dormir. E minha semana tem sido uma alternância entre noite insone e noite conturbada.

Tal percepção traz um calafrio escorregadio pela coluna.

Porque se essa noite foi a insone... O que me aguarda hoje?

Ontem, contrariando as expectativas e temores, o jantar foi até calmo; por ser o dia de ressaca após o baile, a corte não estava tão cheia ou em polvorosa quanto na véspera do aniversário. O que não quer dizer que eu tenha sido poupada dos olhares e cochichos.

No início da noite, a baronetesa Diana Troyán e o marido Edmundo — membros distintos do Conselho — se aproximaram para pedir desculpas pela atitude lastimável do filho; como estão entre os poucos nobres com alguma decência, não tenho razões para duvidar da sinceridade quanto a não terem sido capazes de impedi-lo por não imaginarem que ele desceria a tal... Mas ser capaz de desculpar a eles por não terem impedido Gustav é muito diferente de desculpar a ele — o que deixei claro. Pouco me importa se ele resolver se candidatar a guarda no palácio ou onde seja, desde que não cruze meu caminho. Eles acenaram em compreensão e gratidão desnecessária.

Já Thereezee durante o jantar inteiro ficou me lançando olhares azedos — decerto redigindo os próximos capítulos do sermão do qual me apresentou o prólogo tão logo pisei no quarto, ontem à tarde. Sermão este que irá se alongar por semanas, como ácido derramado em conta-gotas.

Mas seus sermões não passam dos ouvidos, soterrados pelas demais preocupações.

Durante a noite inteira — enquanto ignorava os cochichos ou fingia não perceber que meus pais ainda não haviam me dito nada ou o olhar de Escórpio — mesmo quando fui para a sacada com Hector para vermos as luzes distantes do Festival e eu lhe entregar seu anel, minha cabeça era uma caverna sem fundo, ecoando infinitamente um emaranhado de vozes e imagens conflitantes.

As omissões de meus pais.

Hector ser trazido para crescer aqui para não sermos noivos desconhecidos.

O baile.

O passeio pela cidade.

Os protocolos.

Os espinhos e as ruínas em chamas no espelho.

As palavras de Chandra e de Escórpio, de Hector e Axl, do bom-senso e da torre...

A escuridão solitária da madrugada amplificou tudo isso, e nem todas as caixas musicais, travesseiros e gritos adiantaram. Os ecos da incerteza são mais altos que a música e minha voz.

E em algumas horas, com a garganta dolorida de tanto gritar contra o travesseiro, terei de me colocar diante de todos no templo de Solluas e consagrar "meu prometido" perante o reino, dando-lhe seu nome e posição em meu (pressuposto) reinado.

Em teoria, nada complicado. Apenas mais uma cerimônia tradicional e protocolar, mais usada para consagrar formandos ilustres da Academia que, por seu mérito em concursos de aptidão, conquistaram um posto de serviço no palácio ou instituição pública. Mas tenho a aflitiva sensação de que a decisão de hoje vai muito além do mero protocolo.

Me sinto como os retalhos das cortinas que Alessor destruiu anos atrás, durante o primeiro pesadelo com paralisia que tive após a morte de Axl... Em mim, porém, há apenas farrapos numa noite sem lua nem qualquer luz passando pelas frestas.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now