— Bom dia, princesa, teve uma boa noite de sono?
Devolvo o cumprimento de Rosa num resmungo e ela inclina a cabeça, a pergunta óbvia expressa nas íris de mel.
— Não, não tive pesadelos — murmuro, levantando-me para começar o dia.
Ou continuar. Porque, tanto para ter pesadelos quanto para iniciar o dia, existe uma etapa crucial antes: dormir. E minha semana tem sido uma alternância entre noite insone e noite conturbada.
Tal percepção traz um calafrio escorregadio pela coluna.
Porque se essa noite foi a insone... O que me aguarda hoje?
Ontem, contrariando as expectativas e temores, o jantar foi até calmo; por ser o dia de ressaca após o baile, a corte não estava tão cheia ou em polvorosa quanto na véspera do aniversário. O que não quer dizer que eu tenha sido poupada dos olhares e cochichos.
No início da noite, a baronetesa Diana Troyán e o marido Edmundo — membros distintos do Conselho — se aproximaram para pedir desculpas pela atitude lastimável do filho; como estão entre os poucos nobres com alguma decência, não tenho razões para duvidar da sinceridade quanto a não terem sido capazes de impedi-lo por não imaginarem que ele desceria a tal... Mas ser capaz de desculpar a eles por não terem impedido Gustav é muito diferente de desculpar a ele — o que deixei claro. Pouco me importa se ele resolver se candidatar a guarda no palácio ou onde seja, desde que não cruze meu caminho. Eles acenaram em compreensão e gratidão desnecessária.
Já Thereezee durante o jantar inteiro ficou me lançando olhares azedos — decerto redigindo os próximos capítulos do sermão do qual me apresentou o prólogo tão logo pisei no quarto, ontem à tarde. Sermão este que irá se alongar por semanas, como ácido derramado em conta-gotas.
Mas seus sermões não passam dos ouvidos, soterrados pelas demais preocupações.
Durante a noite inteira — enquanto ignorava os cochichos ou fingia não perceber que meus pais ainda não haviam me dito nada ou o olhar de Escórpio — mesmo quando fui para a sacada com Hector para vermos as luzes distantes do Festival e eu lhe entregar seu anel, minha cabeça era uma caverna sem fundo, ecoando infinitamente um emaranhado de vozes e imagens conflitantes.
As omissões de meus pais.
Hector ser trazido para crescer aqui para não sermos noivos desconhecidos.
O baile.
O passeio pela cidade.
Os protocolos.
Os espinhos e as ruínas em chamas no espelho.
As palavras de Chandra e de Escórpio, de Hector e Axl, do bom-senso e da torre...
A escuridão solitária da madrugada amplificou tudo isso, e nem todas as caixas musicais, travesseiros e gritos adiantaram. Os ecos da incerteza são mais altos que a música e minha voz.
E em algumas horas, com a garganta dolorida de tanto gritar contra o travesseiro, terei de me colocar diante de todos no templo de Solluas e consagrar "meu prometido" perante o reino, dando-lhe seu nome e posição em meu (pressuposto) reinado.
Em teoria, nada complicado. Apenas mais uma cerimônia tradicional e protocolar, mais usada para consagrar formandos ilustres da Academia que, por seu mérito em concursos de aptidão, conquistaram um posto de serviço no palácio ou instituição pública. Mas tenho a aflitiva sensação de que a decisão de hoje vai muito além do mero protocolo.
Me sinto como os retalhos das cortinas que Alessor destruiu anos atrás, durante o primeiro pesadelo com paralisia que tive após a morte de Axl... Em mim, porém, há apenas farrapos numa noite sem lua nem qualquer luz passando pelas frestas.
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Tratado de Vidro
FantasyNa véspera de seus 18 anos, a princesa-herdeira de Thempesta, Alissa, descobre-se prometida em casamento por um tratado e recebe a inesperada proposta de fuga feita pelo herdeiro do reino vizinho. De repente, se vê presa no dilema de abandonar a fam...