Capítulo 25 - Desconfortável

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A escuridão me envolve. Se embola ao meu redor.

O coração dispara e a respiração evapora. O grito se engasga na garganta.

Isso nunca aconteceu. Não estou mais dormindo e nem estou paralisada... ainda assim, estou. Não consigo mover um músculo.

Ainda estou sonhando? O que aconteceu no banheiro, os toques de Hector... tudo não passou de um sonho dentro de um pesadelo?

Minha mente está em branco. Ao longe, a torre ri, se comprazendo de meu pavor paralisante.

Mas então, como um cobertor, a escuridão é suspensa com um risinho.

— Já dormiu? Nem está se mexe-

Hector se interrompe de súbito quando ergo o rosto para ele. Ao perceber o grande cobertor ao meu redor, entendo o que aconteceu.

Meus olhos ardem e a respiração retorna fragmentada em soluços.

— Seu estúpido... por que fez isso?! — guincho, acertando um murro patético em seu quadril.

Hector se joga no sofá novamente e, num impulso, me puxa para si.

— Desculpa, desculpa... não era para assustar você... desculpa — sussurra em meus cabelos, me abraçando com força enquanto minhas lágrimas patéticas molham seu peito cheirando ao meu sabonete de lavanda.

— O que... o que pretendia então? — retruco, tentando engolir os soluços e me afastar, parecer menos a garotinha assustada que era em nossa infância.

Ainda é. Não passa de uma princesinha medrosa e chorona

Aperto os lábios, tentando com mais afinco engolir o sal das lágrimas e a verdade que me alfineta. Hector, alheio ao deboche da torre, permite que eu me afaste apenas o suficiente para varrer minhas lágrimas com meio sorriso apologético.

— "Pesadelos e sombras temem cobertores e abraços" — entoa, numa imitação do doce tom cantante de Axl ao recitar a "crendice" inventada por ele próprio. — O ritual estará incompleto, mas... não custa tentar, não é?

Por mais que tente engolir as lágrimas e Hector as varra de meu rosto, elas vazam mais ainda. Meu peito as espreme para fora. Porém, já não é pelo susto.

É por Hector estar diante de mim, com cobertor e braços ao meu redor.

É pelas lembranças revolvidas.

Lembranças das noites de infância em que nossos quartos eram meramente nominativos, porque só dormíamos com Alexander antes de ele ficar "velho demais"; lembranças do tempo em que meus pesadelos eram bem mais frequentes, a ponto de muitas vezes Axl e Hector me passarem para o meio deles num estado quase sonâmbulo — quando era um pesadelo infantil corriqueiro — ou ficarem longo tempo me acalmando após uma paralisia... ou Axl colocando compressas frias em minha testa quando vinha o sonho-do-fogo.

Consolo que nenhum travesseiro jamais pôde proporcionar.

Ainda assim...

— Não consigo voltar para a cama e você não consegue dormir assim. Não é justo — murmuro, tocando as marcas escuras sob seus olhos.

As últimas duas semanas desde a reunião com Guilhermo têm sido tão puxadas quanto prometido. Mesmo que tenhamos optado por compromissos sociais leves, como pequenos saraus, estar neles nunca é leve — a armadura é até mais pesada que de costume. Quase no mesmo período, ele começou seus exercícios para "relaxar e socializar", mas só o que vejo é o cansaço consumindo-o aos poucos.

Hector, porém, como de hábito, encolhe os ombros menosprezando sua necessidade de descanso.

— Também não vou conseguir dormir naquela cama enorme e deixar você aqui, exposta nesse frio...

Tratado de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora