Capítulo 10 - Vazio

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A raiva evade rápido, mas deixa no rastro um choro frustrado que, incapaz de escoar, se torna um mar gélido com gosto de cinzas, rebentando continuamente atrás de meus olhos. Me afogando num vazio que me distancia de tudo ao redor.

Hector me refugia em algum canto da Sala de Banquetes, próximo a um dos janelões. Só percebo isso quando uma pressão suave e gelada começa a alternar entre meus punhos cerrados e trêmulos.

Uma improvisada trouxa feita com seu lenço e pedras de gelo.

Tenho a sensação de que ele fala algo, mas as palavras são ecos indistintos e abafados, se perdendo em meio à água turva — assim como minha própria voz e a música da orquestra, que vem de um mundo paralelo, a quilômetros de distância. O único som que não parece abafado é o murmurar de alguns aristocratas.

De alguma forma, as vozes deles são ecoadas pela sala e reverberam debaixo d'água, como se sussurrassem diretamente em meus ouvidos. E já não tenho forças para erigir qualquer tipo de armadura para bloquear as infinitas críticas veladas e comparações que voam até mim numa chuva de agulhas.

"... Agressiva demais para ser rainha... o finado príncipe ou mesmo a princesa Annabella jamais fariam algo assim..."

"Tem o mesmo temperamento do rei... mas ele certamente nunca se portou dessa forma num evento nem quando era jovem..."

"Precipitado demais terem adiantado a coroação. Obviamente não está pronta..."

"Se até uma pequena crise dessa a desequilibra como vai lidar com um reino?"

Não tenho qualquer palavra de meus pais, nem mesmo um olhar de sermão ou indício de que vieram até a Sala de Banquetes. Talvez ocupados demais remediando os danos e protelando os sermões para depois... A cicatriz no pulso direito formiga numa agonia fantasma, sem saber qual tragédia esperar dessa vez.

Ou o que fazer.

Nem mesmo o bom-senso parece saber.

A angústia do silêncio e da incerteza são mais litros de água sobre mim, me carregando mais alguns metros para o fundo... entretanto, por mais que não consiga discernir nada do que Hector diz, consigo sentir o toque suave de seus dedos enquanto alterna a trouxa gelada em minhas mãos; e consigo sentir a carícia suave da brisa de morangos... São como linhas finas ao meu redor, impedindo que eu vá para mais longe da superfície.

Dez minutos ou dez horas se passam quando o toque de Hector sobe para meu ombro, esfregando-o. Meu nome ecoa repetidamente.

A linha puxa alguns metros acima.

Pisco devagar, erguendo a vista turva de um elegante vestido cor de ostra e me deparando com Thereezee. Há quanto tempo ela está aqui?

Antes que possa encontrar minha voz para indagar isso ou porque Hector suspirou de alívio, Thereezee pigarreia.

— A rainha mandou que suba logo para o quarto. Use a saída lateral da sala.

As frases descem com gosto agridoce.

Todos os anos, o que mais desejo é ter uma desculpa para me retirar mais cedo do baile. Mas agora que tenho isso... a sensação é de ser uma criança mandada mais cedo para a cama. A vergonha varre meu peito numa onda que espalha o amargor de cinzas.

Entretanto, não questiono. Aceno em entendimento e me levanto.

O braço de Hector envolve meus ombros e ele me acompanha.

Conforme nos afastamos do salão, percorrendo os longos corredores, a maré de alheamento vai baixando — me trazendo perto o suficiente da superfície para ser capaz de sentir as olhadelas de Hector. Mas a pressão da cabeça se alastra descendo pela nunca, como pedras me mantendo sob a água.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now