Capítulo 34 - Respiração

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Silêncio.

Tudo paralisa. O sibilar das sombras. Os soluços cortantes. O chiar de fogo e lágrimas tempestuando em meu peito.

Até mesmo meu coração.

Por breves segundos roubados na eternidade, minha vista volta a entrar em foco e afundo em cálidos rios de chocolate... Hector me segura contra si enquanto a boca permanece na minha.

O calor se condensa, subindo para o rosto.

Engasgo com a compreensão que me atinge junto a onda de fôlego.

Fôlego que ele sopra para dentro de mim.

Meu coração volta a martelar.

Hector afasta os lábios tão repentinamente quanto os pressionou nos meus.

Minha respiração está descoordenada numa tosse e meus lábios formigam, saudosos do calor.

Ele pigarreia, apologético.

— Foi a única ideia que tive, você não estava respirando... E não se preocupe, isso não conta como beijo... foi só uma manobra de emergência. — Os olhos desviam momentaneamente ao dizer isso rouco com o que lhe sobrou de fôlego.

— ...

Apesar de "não contar como beijo", no breve momento em que seus lábios estiveram nos meus, foi como tomar a descarga máxima dum relâmpago... e a última vez em que senti algo assim foi no beijo acidental de anos atrás.

Mas o choque só mantém as sombras afastadas pelo tempo de eu discernir melhor Hector: notar os vergões riscando a pele castanha; dois botões arrebentados na camisa suada, exibindo mais alguns arranhões pelo peito... e manchas de sangue...

É a culpada por isso. Machuca até quem prometeu proteger

A torre volta a silvar no silêncio constrangedor.

E é o que basta.

Os batimentos se aceleram e um engasgo cortante se prende à garganta.

— Des... descul-

Minha voz se quebra em outro soluço seco. Os olhos ardem.

Hector arregala os olhos.

— Do que está falan... — ele se interrompe quando consigo livrar a pesada mão esquerda do enlace e toco um de seus arranhões.

Ele fica imediatamente manchado de sangue.

Meu sangue.

Apesar do tremor e mal enxergar a pele nos punhos manchados de vermelho-vivo, a dor é oca — o pingar de uma torneira, inaudível contra a tempestade furiosa que açoita as janelas.

Seu rosto se contorce ao fitar minhas mãos. Ainda está contorcido quando ergue meu queixo para si.

— Alissa, o que aconteceu? Por que-

— Descul... desculpa. Coloquei você nessa posição... fui egoísta o bastante pra achar que poderia... poderia lidar com tudo... mas... mas só coloquei você em risco... Deveria ter... deveria ter sabido... ele avisou... avisou da maldição da coroa, mas ignorei... e agora eu... — as palavras tropeçam, entrecortadas com soluços afiados.

Hector franze mais o rosto enquanto segura o meu com aflição.

Aliíssa, respira, cal-

— Arrastei você pra... pra essa maldição quando... quando devia ter... ter partido. Falei... eu falei que... que em algum momento iria machucar você também — o soluço que sobe é um punhal em brasas cortando todo o caminho desde o coração. — E agora todo trabalho que tivemos... arruinado... minhas próprias mãos... e não sei... não sei o que fa-

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now