Silêncio.
Tudo paralisa. O sibilar das sombras. Os soluços cortantes. O chiar de fogo e lágrimas tempestuando em meu peito.
Até mesmo meu coração.
Por breves segundos roubados na eternidade, minha vista volta a entrar em foco e afundo em cálidos rios de chocolate... Hector me segura contra si enquanto a boca permanece na minha.
O calor se condensa, subindo para o rosto.
Engasgo com a compreensão que me atinge junto a onda de fôlego.
Fôlego que ele sopra para dentro de mim.
Meu coração volta a martelar.
Hector afasta os lábios tão repentinamente quanto os pressionou nos meus.
Minha respiração está descoordenada numa tosse e meus lábios formigam, saudosos do calor.
Ele pigarreia, apologético.
— Foi a única ideia que tive, você não estava respirando... E não se preocupe, isso não conta como beijo... foi só uma manobra de emergência. — Os olhos desviam momentaneamente ao dizer isso rouco com o que lhe sobrou de fôlego.
— ...
Apesar de "não contar como beijo", no breve momento em que seus lábios estiveram nos meus, foi como tomar a descarga máxima dum relâmpago... e a última vez em que senti algo assim foi no beijo acidental de anos atrás.
Mas o choque só mantém as sombras afastadas pelo tempo de eu discernir melhor Hector: notar os vergões riscando a pele castanha; dois botões arrebentados na camisa suada, exibindo mais alguns arranhões pelo peito... e manchas de sangue...
É a culpada por isso. Machuca até quem prometeu proteger
A torre volta a silvar no silêncio constrangedor.
E é o que basta.
Os batimentos se aceleram e um engasgo cortante se prende à garganta.
— Des... descul-
Minha voz se quebra em outro soluço seco. Os olhos ardem.
Hector arregala os olhos.
— Do que está falan... — ele se interrompe quando consigo livrar a pesada mão esquerda do enlace e toco um de seus arranhões.
Ele fica imediatamente manchado de sangue.
Meu sangue.
Apesar do tremor e mal enxergar a pele nos punhos manchados de vermelho-vivo, a dor é oca — o pingar de uma torneira, inaudível contra a tempestade furiosa que açoita as janelas.
Seu rosto se contorce ao fitar minhas mãos. Ainda está contorcido quando ergue meu queixo para si.
— Alissa, o que aconteceu? Por que-
— Descul... desculpa. Coloquei você nessa posição... fui egoísta o bastante pra achar que poderia... poderia lidar com tudo... mas... mas só coloquei você em risco... Deveria ter... deveria ter sabido... ele avisou... avisou da maldição da coroa, mas ignorei... e agora eu... — as palavras tropeçam, entrecortadas com soluços afiados.
Hector franze mais o rosto enquanto segura o meu com aflição.
— Aliíssa, respira, cal-
— Arrastei você pra... pra essa maldição quando... quando devia ter... ter partido. Falei... eu falei que... que em algum momento iria machucar você também — o soluço que sobe é um punhal em brasas cortando todo o caminho desde o coração. — E agora todo trabalho que tivemos... arruinado... minhas próprias mãos... e não sei... não sei o que fa-
![](https://img.wattpad.com/cover/23912150-288-k984827.jpg)
YOU ARE READING
Tratado de Vidro
FantasyNa véspera de seus 18 anos, a princesa-herdeira de Thempesta, Alissa, descobre-se prometida em casamento por um tratado e recebe a inesperada proposta de fuga feita pelo herdeiro do reino vizinho. De repente, se vê presa no dilema de abandonar a fam...