Capítulo 6 - Implicante

194 23 180
                                    


Meus pensamentos são folhas soltas sopradas pelo vento, espiralando numa agitação confusa e farfalhante enquanto encaro o intruso.

— Estava dizendo...? — Ele incentiva, girando a mão esquerda com três anéis.

— Quem é você? — retruco enfim, franzindo a testa.

Os olhos castanhos se abrem mais por um segundo, surpreso ou decepcionado, e ele os desvia para baixo. Fica assim por um par de segundos, esfregando levemente o grosso anel prateado do indicador esquerdo sobre o lábio inferior.

— Não é mesmo capaz de arriscar um palpite, princesa? — replica por fim, reerguendo o rosto com um apertado sorriso que forma uma meia-lua no bronze da pele castanha-clara.

Franzo mais a testa. Deveria reconhecê-lo?

Olhe bem

Mesmo que a sandália me deixe com uns 1,73m, ele ainda é quase uma cabeça mais alta que eu. O rosto anguloso, emoldurado por cabelos negros ondulados, acusa que não deve ser muito mais velho... e que já deve ter levado alguns socos na cara, a julgar por quão torto é o nariz aquilino.

Nada, princesa?

— Não — retruco, vincando mais as sobrancelhas, incomodada com a provocação e com o farfalhar mental que nada tem a ver com sua beleza. É mais uma impressão estressante de sentir que há algo fora do lugar, algo que deveria perceber, mas a resposta está numa das folhas embaralhadas de meus pensamentos.

Talvez o tenha visto em algum evento da corte...?

— Está realmente sem humor para conversa, não é? — comenta, com casualidade, se aproximando dois passos para recostar-se à mesa de sinuca. E, com isso, acaba por reparar no guardanapo manchado de sangue que abandonei ali. Os olhos escuros se voltam para mim, retendo-se por breves segundos nos hematomas surgindo em meus braços então descendo para minha mão. — Ouvi dizer que se machucou com uma taça durante o jantar... está bem?

— O suficiente. — Irritada pela forma que ele encara, movo o braço para encobrir a mão entre as dobras da saia. — Se já percebeu que não estou interessada em conversa, por que continua aqui?

Ele apenas fica me olhando, com divertido meio sorriso. Sem intenção de sair.

Trinco os dentes.

Já me basta aturar Gustav e Escórpio num único dia e os boatos absurdos especulando minha vida amorosa, agora também preciso lidar com um desconhecido que acha ter liberdade de me impor sua presença? Quem ele pensa que...

O ar se agarra à minha garganta e um calafrio de compreensão se espalha pela espinha.

— Você... é você o... quem exatamente é você? — ofego, as palavras se embolando de forma ridícula na boca, incapaz de pronunciar "é você o tal noivo?".

— Quem eu sou... — diz devagar, batendo três vezes a ponta do indicador sobre os lábios, como refletindo muito, mas há um tremor nos cantos da boca. — Sabe, uma questão com nível tão complexo de profundidade abre margem para várias interpretações e respos-

— Qual é seu nome?

— Não vou dizer.

— O quê?

O sangue ruge em meus ouvidos e não tenho certeza se escutei direito. Ele se negou a...?

— Não vou dizer meu nome — repete devagar, alongando a frase junto com o sorriso. — Sua mãe contou que você disse que saber meu nome pouco antes do noivado não adianta nada. Pois então. Honrando sua vontade, não vou dizer.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now