Capítulo 12 - Sepultado

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A carruagem para com suave solavanco diante dos muros baixos de tijolo branco. Segundos depois, o condutor abre a porta para nós. Hector desce e me estende a mão.

— Não sei quanto tempo ficaremos, mas iremos para a Feira depois, então pode nos aguardar lá.

O condutor ergue as sobrancelhas grisalhas com leve surpresa — afinal, são quase cinco quadrantes até a Feira da Primavera — e olha para o céu, em dúvida. Mas há poucas nuvens por agora.

— Como desejar, Alteza. — Ele assente com uma mesura e volta para a carruagem fechada, movida pela energia solar captada pelas placas vitrificadas na frente do veículo.

Diante do sagrado Jardim-de-Luna, o cemitério, ficam apenas eu, Hector e os dois Guardas Reais de uniforme bordô — que se recostam às muretas, de cada lado da entrada, acostumados a aguardar de fora quando venho ao Jardim.

Puxo Hector para a única barraca de flores, cuidada por uma senhora de vestido branco e olhos prateados que está sempre nesse mesmo ponto... até mesmo quando vim aqui às cinco da manhã em setembro, após sair do hospital.

— Bom dia, senhora Menodora, gostaria de-

Ela nem me espera concluir. Ao reconhecer minha voz, ergue-se do banquinho com uma agilidade inesperada ao corpo de aparência frágil — como gárgula de talco — e pega o mesmo punhado de lírios e três íris brancas. Porém, antes de enrolá-los no papel pardo, acrescenta uma astromélia de rosa pálida, que destoa do arranjo costumeiro. E ainda mais inusitado que isso, também entrega uma astromélia individual a mim e Hector.

Me surpreendo com a adição de tal flor, mas há anos aprendi que não adianta questionar a senhora. Apenas agradeço e deposito nas mãos recurvadas as sementes sortidas que trago num bolso separado, já que ela não aceita dinheiro.

Com pedido de licença, puxo Hector para dentro do Jardim-de-Luna.

— Então é para isso que guarda todas aquelas sementes no porta-joias? — ele comenta, entre surpresa e diversão. Com um bufo, emenda: — Queria ter sabido disso quando vim aqui há dois dias. Perguntei o valor das flores e ela estapeou minha mão com o arranjo.

Cerro os lábios, contendo uma risada inadequada ao local quieto.

— A primeira vez que tentei pagá-la, acredito que ela só não me fez engolir o dinheiro porque os guardas me afastaram rápido.

Hector dá um risinho.

— Deve ter sido uma cena e tanto. Mas como descobriu das sementes?

— Lionel me contou meses depois. Supostamente ela é um espírito guardião do Jardim e oferecer dinheiro é uma ofensa grave. Se não tiver sementes para trocar, apenas agradeça pelas flores... como a gente fazia quando era criança, achando que alguém do palácio viria pagar depois. — Encolho os ombros. — Não faço ideia do quanto disso é lenda, mas coleto todas as sementes que encontro pelo jardim do palácio e até agora ela não arremessou de volta.

Hector inclina a cabeça, um meio sorriso formando a lua crescente no lindo rosto que já não transparece as lágrimas derramadas.

— Ainda encontra Lionel? Como ele está?

— Todo mês, ele é um dos coordenadores do CESIT. E, até onde sei, está feliz... está viajando em núpcias.

Hector sorri, mas não comenta nada. Alcançamos o Marco do Caminho.

A poucos metros da entrada, no centro circular de um cruzamento de caminhos de granito, há uma grande estátua de mármore. Luna dos Muitos Caminhos, uma das muitas Faces de Solluas. E, como todas as representações de Solluas — independente do gênero como é nominada a Face — a estátua, esculpida com cabelos longos e manto largo, tem traços andróginos. Sobre a cabeça, ergue um sol semieclipsado pela lua; a intersecção entre eles, incrustada de topázios e madrepérolas, representando o Portão das Almas.

Tratado de VidroDonde viven las historias. Descúbrelo ahora