Capítulo 24 - Sombras

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O caminho é escuro e turvo. Um labirinto selvagem embaçado pela névoa densa que cobre tudo até meus joelhos.

Sigo em frente mesmo sem saber onde é isso. O que me aguarda após sombras e mais sombras? O ar é insuficiente. Um bosque dentro de uma caixa escura... talvez eu só esteja andando em círculos, afinal. Meu coração tropeça nas batidas e os pés tropeçam em declives, pedras e raízes secas.

Preciso ir mais rápido... mas para cada passo dado, meu corpo pesa mais. As sombras da floresta me agarram e puxam na direção contrária.

Por que continuar?

Mas algo dentro de mim... a familiar voz do bom-senso... insiste que eu continue e continue. Uma centelha ainda viva em mim mantém meus pés em movimento mesmo que já mal tenha força para movê-los.

Ando e ando, corro e corro por noites sem fim sem nunca chegar a lugar nenhum.

É um inferno sem saída.

Até que... a névoa ondula e, com ela, as sombras disformes ondulam e... bem adiante se revela um ponto de luz tão distante quanto uma estrela. Instintivamente ergo a mão para ela, na esperança de puxá-la para mim. Num último fôlego de energia recobro a velocidade.

Talvez essa centelha seja o que estive procurando todo esse tempo. Uma saída.

Meu coração martela em desesperado protesto conforme o feixe aumenta. O bom-senso silencia. As sombras se tornam barulhentas, lamentos lúgubres e sibilantes.

Pouco... falta tão pouco...

Alto... elas se lamentam tão alto...

E então a estrela some... assim como o chão sob meus pés. Despenco no abismo invisível pela névoa e a escuridão e as sombras me engolem.

Acordo em meu quarto. A cama é dura. As paredes são pedra escura cobertas de limo e mofo. E é bem menor e circular. Sombras se movem dentro de sombras. Há algo sobre mim... alguém. Mas não consigo ver seu rosto. Não consigo afastá-lo nem pedir ajuda. Meus lábios estão pregados e não há fôlego. Mãos fortes, frias e rançosas, desconhecidas, prendem meus braços e pernas.

Por quem chamará quando não houver mais ninguém ao seu redor?, diz a sombra sobre mim. Na parede próxima, um clarão de relâmpago projeta a sombra de uma torre. Chame... tente chamar. Irá arriscá-lo ao perigo novamente? Arriscará que ele morra outra vez por sua causa?

Seu único talento é a ruína.

A frase ecoa em caverna sem fundo, repetida por dezenas de sombras.

Lágrimas escorrem, mas não consigo gritar para que calem a boca. Não consigo gritar de dor quando as mãos que me prendem se tornam espinhos rasgando a pele, reabrindo cicatrizes e fazendo escorrer um sangue pegajoso e quente como lodo.

Janelas se sacodem em trovoadas. Relâmpagos e relâmpagos, clarões e clarões. Meu nome é repetido uma e outra vez ao meu lado, mas parece do outro lado do mundo.

Quem fará sangrar por você?

Quem permitirá que morra por você dessa vez, rainha?

Vai embora, vai embora, vai embora, tento gritar, tento implorar. Mas minha boca não se move e nem sou capaz de sorver oxigênio pela garganta comprimida. Pedras amontoadas sobre o peito não o permitem inflar.

A sombra crava no centro de meu peito uma flecha com chamas pálidas como gelo. E me queima numa agonia gélida.

Com um estrondo, a janela e a varanda são arrombados pelo vento.

Tratado de VidroWhere stories live. Discover now