Irina | seventeen

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Quando eu vi minha mãe ali, na minha frente, com os olhos inchados de tanto chorar, com sua respiração alterada sabia que algo de grave havia acontecido. Inicialmente acreditei que fosse sobre minha situação atual, mas havia errado sobre isso.

Fiquei um pouco feliz por vê-la, porque eu não desconfiava que ela soubesse de todo o plano imundo de Nikolay, Michelly e meu pai.
Ela correu em minha direção, chorando, me abraçou apertado. Depois ela olhou meu rosto e o acalentou.

— Por que eles fizeram isso com você? Me sinto tão culpada.
Não conseguia sentir nada além daquele aperto no peito.

— O que aconteceu com seus pulsos? — Ela pegou minhas mãos e olhou espantada. Estavam cortados pela corda que Nikolay havia me amarrado.

Não respondi. No fundo, ela sabia que os abusos — que sempre fizeram parte da minha vida — não haviam cessados.

— Papai deixou você vir me ver? — Ela alisava meus cabelos, me olhava triste e desconsolada.

— As outras malas que ficaram no carro, eu as trouxe — avisou, segurando minhas mãos muito forte. — Quero que saiba não concordei com o que aconteceu logo depois que saiu de casa. Eu sonhava, de verdade, ver você longe de todos eles e estudado piano.

— Vamos entrar — pedi, a levando para dentro da mansão.
A esposa de Michelly foi avisada da visita e compareceu para falar um pouco com minha mãe até que o lanche e chá chegasse.

Quando ficamos sozinhas, minha mãe tinha olhos ansiosos.

— Podemos ficar em um lugar mais reservado? — Ela segurou forte minha mão.

Fiquei tão desconfiada. Eu estava cheia de problemas e a sensação que tive era que ela tinha também.

— Vamos para a biblioteca.

Ela me seguiu. Lá dentro, fechei a porta e assim que aconteceu, minha mãe caiu no choro inconsolável.

— O que está acontecendo? — Toquei seus ombros.

— Eu deveria estar feliz — comentou. O que me fez ficar mais confusa. — Estou com mais de quarenta anos e depois de... — Ela ficou em silêncio, me olhou com desespero e continuou: — Depois de tanto tempo, meu sonho se realizou. Estou gravida — ela deu um sorriso por cima do choro.

— Gravida? — Indaguei perplexa.

— Sim. — Sua voz era chorosa e tímida. — Mas não foi apenas por isso que vim lhe procurar. Além de lhe deixar algumas coisas que ficaram na casa, de lhe dar a notícia e ver como você estava, eu também para lhe pedir um único favor.

— Qual?

Minha mãe me deu as costas, levou suas mãos ao rosto e voltou com o choro que parecia lhe consumir a alma.

Ela sempre foi uma esposa fraca. Uma dona de casa submissa. Uma mãe sem muita força para proteger.

Meu pai me agredia, as poucas vezes em que ela tentava me ajudar, em todas, ela apanhava mais que a mim.

Com o tempo ela apenas ficava encolhida em um canto, esperando meu pai me punir para depois correr e lavar minhas feridas.
Eu não a culpo por nada. A amo como mãe, mas tenho vergonha dela por tudo o que ela deixou de protestar.

Agora gravida, carregando dentro de si uma vida que possivelmente sofrera os mesmos abusos que eu, encontro naquela mulher, que por anos cuidou dos meus curativos, me tratou com carinho – o único que eu recebi – e me educou, súplica e desespero.

— Mamãe. — Toquei em suas costas. — Precisa se acalmar, respirar fundo e me contar o que está lhe matando por dentro.

— Ele vai nos matar! — Ela revelou no mesmo instante que se virou para mim. Seus olhos arregalados, a face tão assustadoramente branca.

A frase de impacto fez-me sentir o quanto ela estava se quebrando em agonia.

— Quem?

Ela segurou tão forte em meus pulsos que me assustou.

— Nikolay Ivanovich.

— Por qual motivo ele faria isso? — O aperto dela estava me incomodando. Onde seus dedos circulavam, as feridas não cicatrizadas estavam ficando úmidas com o calor da pele de sua mão tremula.

— Porque ele é um monstro!

— Papai não sabia quando me jogou nos braços dele? Por favor, mamãe, me solte, a senhora está me machucando.

— Ele descobriu um crime que seu pai cometeu — ela disse, ofegante. — Seu pai era muito jovem na época, estava buscando se destacar no clã, e para ter confiança de Michelly, ele cometeu um crime no qual, se for revelado ao clã, ele será morto. Não apenas ele... — Ela finalmente me soltou, colocando sua mão sobre a barriga, completou: — eu e o bebê também.
Era como levar um soco no estomago. O que meu pai havia feito?

— Do que precisa? Não sei como ajudar, além de implorar para que ele não faça.

— Case-se com ele, filha. Não desvie desse caminho, se case com Nikolay — sugeriu minha mãe com lagrimas densas. — Nikolay está usando o crime de seu pai para nos chantagear.

— Mas que crime?

— É melhor que não saiba por uma questão de segurança.

— Ele foi até minha casa, revelou um segredo do meu pai, que pode arrastar o resto da família, e em troca de...

— Garantia de que você vai se casar com ele. Aconteça o que acontecer, você precisa ficar do lado dele. — Novamente ela me pegou pelos pulsos e repetiu: — Precisa ficar do lado dele, minha filha.

Quando olhei para suas mãos, eu vi sangue molhando seus dedos, as feriadas aviam sido abertas com o aperto agonizante que refletia seu terror, seu medo da morte.

As paredes pareciam girar ao meu redor. A face da minha mãe ficou desfocada e seu choro era o único ruído fúnebre que eu escutava.
A minha vida era uma merda, e mesmo se quisesse me matar para finalizar o inferno que fui jogada, naquele momento — por um bebê inocente e pelas súplicas da minha mãe — nada iria adiantar, aquela mulher e seu filho iriam ser punidos. Restava eu fazer tudo o que eu menos queria nessa vida. Ser a esposa que Nikolay espera que eu seja. Porque ele sabe, uma hora ou outra, suas punições me matariam.

Minha mãe ficou de joelhos, eu fiquei petrificada — como quem não tivesse mais uma alma para preservar da dor.

Eu ajudei a erguer seu corpo cansado.

— Vá em paz para casa — pedi. — Nikolay não vai matar você.
Ela assentiu. Beijou minhas mãos e andou até a porta. Porém, antes que ela desaparecesse, falei:
— Diga a meu pai, que não faço isso por ele. Por mim, eu mesmo o matava.

Minha mãe me olhou por alguns segundos, um tanto espantada, depois baixou a cabeça e se foi deixando a porta aberta.

E a visão que tive foi dele. Nikolay. Com uma mão no bolso, a outra segurando um cigarro, sorrindo para mim.

Ele veio ao meu encontro e disse:
— Michelly acordou. O ritual será amanhã. — E com animação, completou: — Vamos para o quarto — ele estendeu sua mão, sem se importar com meus ferimentos. — Quero que você faça um carinho em um lugar específico.

Nojo encheu meu estomago.
Não o toquei, mas ele não fez questão. Saindo da biblioteca fomos surpreendidos por Vlad completamente alterado pronto para atirar.

BONECA RUSSAWhere stories live. Discover now