Capítulo 20 - O que vem com a herdeira

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Sam

Muito se fala sobre a felicidade como um estado perene. Como se num dado momento da vida encontrássemos aquilo que, segundo o consenso geral, sempre estivemos buscamos.

Depois disso não há mais problemas. Depois da felicidade um mundo cinza torna-se rosa e nada mais dói. Era isso que eu acreditava quando era criança.

Porém, com os constantes abandonos, acabei finalmente entendendo que aquilo não existia, que não haveria um dia em que eu acordaria e encontraria aquele baú do tesouro que resolveria meus problemas familiares.

Entendi que a felicidade era uma coisa ainda rara, mas muito menos definitiva. Hoje, por exemplo, eu estava temporariamente feliz.

E não, não era que a vida era bela. Ainda havia meus traumas, meus conflitos com a Mon  e aquela situação de rejeição, mas apesar de tudo eu me encontrava animada.

Essa euforia atendia por um nome: Giovanna, a única pessoa que eu poderia chamar de melhor amiga na minha vida. Era verdade que não tínhamos aquela relação de longas conversas, mas ela não só entendia meus silêncios como também os respeitava. Era o mais perto que eu tinha de sentimentos. E hoje eu a veria.

Sequer fui fingir que trabalhava hoje. Como me dei conta ao longo de dois meses que Mon  não ia acabar com tudo começava inclusive a reavaliar minha necessidade de fazer esse esforço.

Tomaria um tempo com Giovanna, tentaria retomar alguns aspectos da minha antiga vida e só depois eu passaria a entender o que eu queria e o que eu poderia ter dentro dessas novas condições.

— Armênia? — A chamei na cozinha.

— Sim? — Me respondeu.

— Quero que peça a alguém para preparar um quarto de hóspedes. Receberei hoje uma amiga da Itália. Se puder, inclusive, gostaria de um menu especial para o jantar: Alguma massa, um bom vinho da adega, quero que ela se sinta em casa — Falei animada. Não era a minha casa, mas esperava que Giovanna se sentisse confortável. Era uma forma de que eu passasse a me sentir também quem sabe.

— Vejo a senhorita eufórica ou me engano? — Armênia perguntou antes que eu saísse e decidi não negar. Era bom ver um rosto conhecido, não era necessário disfarçar.

A governanta tinha algo com isso? Absolutamente nada, mas era segunda-feira, eu me sentia bem depois de duas semanas péssimas e eu não estragaria isso me sentindo uma idiota por dar uma patada desnecessária em Armênia.

— Me sinto bem com a vinda da minha amiga, apenas — Fui sucinta em minhas palavras.

— A senhorita sente falta daquele mundo, não é? Com o cedo que acabou indo para Europa nem deve entender essa casa como sua — Insistiu aquela velha fofoqueira, porém o pior de tudo era que não precisava dela para me lembrar, eu conseguia fazer isso bem sozinha.

"— Faculdade de administração na Itália Sam? — Mauro questionou olhando minha inscrição. Não era totalmente uma surpresa o seu tom sereno com a minha decisão, mas tinha que confessar que ainda assim doía que ele não esboçasse uma única reação quanto aquilo.

— Cinco anos afastada, isso se desconsiderar o mestrado — Falei para enfatizar a quantidade de tempo em que não estaria para ele. Era uma última tentativa desesperada para que ele me escolhesse.

Mauro estava velho, precisaria de mim mais hora ou menos hora para que resguardasse sua velhice e eu estaria disposta a estar por perto e deixar tudo para trás se tudo fosse diferente.

— Então só posso te dizer que tenha sorte. Eu não sou seu pai, não posso te dizer o que fazer da sua vida, logo, te aconselho a que vá e estude o quanto puder. Retorne quando terminar se achar necessário — Ele falou sem nenhum traço de sentimento em sua voz. Ele simplesmente ignorava minha existência.

A família que eu herdei (Versão Freenbecky)Onde histórias criam vida. Descubra agora