Capítulo 05 - Colocar pontos nas frases

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Sam

Foi uma das melhores noites da minha vida, se não a melhor. Pude conversar com uma garota incrível, tive a oportunidade de seduzi-lá e no ápice de tudo fui parar na cama com ela, tendo o orgasmo mais significativo da minha vida.

Sabe quando você goza mas percebe que tem algo a mais ali? Quando a sensação de alívio é muito mais branda, quando o peito esvazia e se enche mais devagar, quando o sono vem e te leva com uma facilidade que nunca teve antes? É nesse momento que você descobre que, se não está muito chapado, está apaixonado.

Não é parecido com nada na vida. Quem sabe uma dor de barriga, eu acho. Você sente uma coisa tomar conta do seu ventre, como borboletas batendo contra o estômago, as mãos soam, você se desespera, mas ao contrário do exemplo supracitado isso era bom para caralho.

Como eu sabia do que se tratava? Bem, eu nunca estive apaixonada antes então tudo o que eu tinha eram indícios do que era não estar sentindo nada. Assim, ao primeiro sinal de sentir meu peito acelerado depois que ela dormiu nua colada ao meu peito depois do gozo e ter ficado horas a olhando e acariciando seus cabelos eu soube o que era.

Não sentir era conhecido, sentir era enveredar num bosque de incertezas que pareciam muito mínimas no calor dos braços de Mon envolvidos com os meus. Nos seus cabelos macios em meus dedos, em sua pele suave e quente em contato... Eu não queria sair, mas tive.

Retornamos enquanto ela ainda dormia, chegando em terra e, pouco depois, nos preparando para viagem de volta. Ela estava pensativa e eu, por nunca ter chegado naquela parte, não sabia se era caso de intervir ou não.

Eu normalmente ia embora no outro dia e agora estava morrendo de medo que ela não quisesse passar outra noite, muito embora nenhum comportamento tenha denotado nada disso.

Conclui que gostar de alguém era como estar numa corda bamba. Você não sabia se poderia cair em algum momento, mal podia decifrar os perigos, mas quando estava ali sentia uma liberdade e uma adrenalina que lugar nenhum dava.  Gostar de Mon era uma aventura.

E eu queria mesmo levar isso a diante, não foi nunca minha intenção desistir daquilo, mas devo confessar que algo me abalou na minha convicção de ficar com ela e eu não poderia mentir.

— Quando eu vi o clima no churrasco eu achei que estava enganado. No momento em presenciei o beijo no pagode eu quis me convencer de que era passageiro, mas agora vocês viajaram juntas e percebi que isso está indo longe demais — Daniel disse depois de não aceitar o lugar que ofereci em frente a mesa de madeira do antigo escritório de Mauro. Era irônico estarmos aqui para falar do meu relacionamento com Mon quando nesse mesmo canto quase jurei a ela ódio eterno.

Na mesma cadeira que ele não sentou eu desdenhei da beleza dela, dos seus cabelos, da sua roupa, e agora eu só queria que viesse até aqui para testarmos a resistência desse móvel quando eu a fodesse em cima dele.

— Acho que perdi algum capítulo dessa história... Desde quando o dinheiro que sai do nosso bolso passou a pagar pela função de opinar ou deixar de opinar algo da minha vida ou de Mon? — Questionei um pouco sem paciência para aquela conversa. Nunca gostei de assuntos que me soassem despropositados e aquela conversa  me parecia em todas as suas nuances.

— Primeiro que o meu salário é parte de um acordo firmado ainda em vida pelo seu padrasto, onde prestarei apoio jurídico a família e em troca terei meus honorários descontados diretamente junto ao banco, não saindo do patrimônio dedicado a vocês. Segundo que se te chamei é porque estou preocupada com as duas. Mon não foi convidada a conversa, pois se bem suponho nunca falaram sobre o episódio do jantar, do contrário provavelmente não estariam juntas — Ele disse com tranquilidade em suas palavras. Queria avançar em cima dele por sua prepotência em me responder, mas começava a entender a origem de seus questionamentos: Daniel se sentia como uma espécie de tutor de nós duas.

— Ela poderia gostar de mim apesar disso, sabia? Começamos errado, mas eu poderia ter consertado isso e ela passaria a me amar — Eu argumentei.

— Você tem um ponto verdadeiramente bom, Same se fez isso talvez eu esteja me preocupando a toa e te peço desculpas profundas, me comprometendo a não me envolver mais no que não me compete — Ele falou com uma sinceridade que me fez revirar os olhos. Eu odiava sua facilidade de ser aquele cara corretinho.

— Não falei, mas eu soube me desculpar com ela. Passei a ser uma pessoa melhor em sua companhia para que de alguma forma pudesse compensar aquele momento — E não era mentira minha.

— As pessoas precisam saber o que estão desculpando Valentina. Ser legal com uma pessoa depois de ter feito a ela uma coisa ruim que ela não desconfia que você fez não é a maneira de fazer as coisas darem certo. E é pior ainda começar um relacionamento nessas condições. Não quero desconfiar de você, mas se tinha um plano de afasta-lá dessa casa e agora até está com ela seria lógico pensar que pode estar fazendo isso para... — Daniel começou, mas quando eu bati na mesa ele parou instantaneamente.

— Não conclua. Foi minha intenção em algum momento? Não posso mentir. Eu realmente quis provocá-la e tirá-la do sério. Por um tempo tentei mentir para mim mesma que a nossa aproximação existia mediante somente a minha vontade de destruí-la, mas não é o que estou fazendo hoje. Do momento que a beijei até nossa última viagem eu gostei dela. Está ouvindo? Eu gosto dela e não vou admitir que você ou ninguém insinue que isso é qualquer coisa diferente de algo genuíno — Eu esclareci com todas as letras para que entendesse e engolisse SW necessário.

— Você sabe que mesmo sem a intenção isso pode acontecer, não sabe? Se mente, Valentina, a propensão ao caos vai pairar sobre vocês. Eu consigo perceber com o que me diz que gosta dela, mas só gostar não basta. Seja sincera sempre e o quanto puder, em todas as ocasiões, só assim duas pessoas tão diferentes conseguirão dar certo, falo isso porque eu e Duda temos os nossos problemas, mas temos ido bem dizendo o que nos aflige, para que nada disso se volte contra nós. Não há mentira que não será descoberta — Ele orientou e alguma coisa me provocou um frio na espinha, mas não tinha nenhuma janela no escritório.

— Você me disse que não falaria para ela nunca — Eu disse até um pouco desesperada com a possibilidade dele falar.

— E permaneço com o mesmo posicionamento, mesmo sabendo que estou falhando com as duas: Com você por estar corroborando com sua omissão e com ela por saber de algo que ela, a mais interessada, deveria estar ciente há tempos — Daniel falou com um olhar culpado.

— Você está sendo dramático. Foi uma coisa que aconteceu há meses, não tem razão para que isso interfira no hoje. E mais... Se você não vai contar eu também não vou, logo, não tem como ela saber de maneira alguma dessa coisa boba que aconteceu quando eu ainda nem gostava dela como gosto — Eu disse para seu olhar julgador.

— Se é tão boba por qual razão manter em segredo? Eu não entendo — Foi o último que Daniel disse e depois saímos do escritório.

Mon não foi trabalhar e apesar de ser eu a que mais apoiava essa postura acabei procurando o que fazer durante toda a tarde em nossa loja. Queria tudo para o dia de hoje, menos um momento ocioso para pensar sobre aquela última frase dita por Vargas.

Por qual razão não contar? Porque acho que Mon não entenderia. Penso que ela ficaria com raiva, que brigaria comigo e que não ia querer dar continuidade em nosso relacionamento por uma situação totalmente esquecida e superada.

Porque era tolice reviver um sentimento do passado, algo de uma noite, um momento que a deixou magoada e que fez mal. Estávamos bem, perfeitamente bem, não havia justificativa para trazer o caos até nós de novo.

Porque eu tinha medo. Fui sincera toda a minha vida e apenas recebi das pessoas as suas facas, nada que me desse o alento que eu precisava quando estava vulnerável e isso era algo que eu tinha agora e nada tinha a ver com dizer verdades.

Mas ainda assim doía. Feria, pois a culpa, produto inventado para que nos sentíssemos terríveis por fazer algo socialmente instituído como imoral, provocava aquilo nas pessoas de tal maneira que ao voltar para casa sequer consegui ir até a Mon, muito menos para dormir.

No entanto, como bem diz o ditado, se Maomé não vai até a montanha esta vai até ele, resultando portanto no meu afastamento a presença de uma morena de longas pernas de braços cruzados em frente a minha porta com uma frase apontada contra o meu peito:

— O você conversou com o Vargas e por qual razão isso te tem tão estranha assim do nada?....

A família que eu herdei (Versão Freenbecky)Where stories live. Discover now