01 - Mudanças

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04/02/2024: O começo de tudo

Havia três coisas que Mika mais odiava: que a chamassem pelo nome, que pegassem suas coisas e mudanças.

Infelizmente o último item não teve como evitar. A novidade da chegada do internato, que era tão bem-visto em outros cantos do país, chamou a atenção de seus pais, que não pensaram duas vezes antes de matriculá-la. Ao menos suas amigas poderiam lhe acompanhar naquela inesperada mudança. A presença de Yandra, Raquel e Maely talvez tornasse a situação suportável.

O carro balançava sem parar sobre o chão de paralelepípedos da entrada. Poucos minutos depois a porta à sua direita foi aberta.

Era hora de encarar a realidade.

Ignorando o chofer ao lado, que logo foi buscar suas duas míseras bagagens no porta-malas, Mika observou o imponente internato a metros de distância, assim como sua escada que levava à entrada. Era estranho ver que a escola mais parecia um castelo do que uma instituição como as demais. Porém, aquela era só uma das diversas coisas que diferenciava o Internato DulciVa.

A construção parecia possuir três andares — talvez até mais. As cortinas brancas dos janelões de vidro escondiam o que tinha do outro lado. Teria que esperar a sua entrada para saber o que tinha de tão especial ali.

Mika também havia escutado que, além da instituição, dois enormes dormitórios exteriores eram destinados aos meninos e meninas, assim como uma biblioteca. Esperava que nela tivesse livros da Colleen Hoover, já que não pôde trazer todos os seus volumes favoritos.

— Suas malas, senhorita Mikaely.

Ela torceu o nariz enquanto pegava as duas bagagens que o chofer lhe entregava. Preferiu não brigar, pela décima vez no dia, que preferia Mika. O homem nem sequer a veria novamente. Agora sua vida seria resumida ao internato e estudos. Um horror aos que cursavam seu último ano.

Sem nenhuma outra palavra ao chofer, Mika seguiu pelo caminho de pedras no meio do gramado bem cuidado. Muitos outros jovens — alguns animados e outros como ela se sentia — também passavam por ali. Nenhum eram suas amigas.

Com uma careta ao carregar as malas pesadas, ambas abarrotadas para caber o máximo de coisas que podiam, Mika tentou ver beleza no ambiente ao redor: céu em misturas de azul, rosa e laranja, graças ao pôr-do-sol; grama verde e que parecia fofinha de pisar; vento agradável, espantando o calor do verão; uma floresta densa que cercava os arredores da instituição...

Uma prisão. O pensamento desagradou Mika. Não importava o quão "fru-fru" fosse a escola, ainda seria uma prisão onde os pais abandonavam os filhos.

— Garotas deste lado, meninos daquele! — Uma mulher apontava as direções enquanto falava. Vestia um uniforme cinza e branco; sem graça. A saia reta descia até abaixo dos joelhos magros. Seu blazer escuro fez Mika se questionar se ela não sentia calor.

Após mais uma conferida ao redor, confirmou que suas amigas ainda não chegaram. Precisaria lidar sozinha com a situação.

Sem outra opção, Mika seguiu para onde a mulher havia apontado e esperou junto das demais garotas. Perdendo a paciência com a demora das suas amigas, preferiu não dar atenção a nenhuma das pessoas ao redor. Agir no automático poderia ajudar em algo. Ou não. Mas valia a pena tentar.

Os minutos passaram, cada vez mais carros chegando na entrada do internato, mais gente tomando espaço nos dois lados do gramado. Se antes não encontrava as amigas, agora seria quase impossível.

Seus braços cansaram do peso que ainda segurava. Mika olhou ao seu redor. Nenhuma das garotas parecia se importar com sua presença, tampouco com as demais malas no chão. Seguindo o exemplo, Mika fez o mesmo e suspirou ao sentir seus braços aliviados.

O momento de descanso perdeu o foco quando a mulher mal vestida voltou a gritar, dessa vez algo diferente:

— Em dois minutos os grupos sairão para seus dormitórios! Atenção! Só mais dois minutos e seguiremos caminho!

Felizmente, pensou Mika, sem ver a hora de chegar à sua nova cama e passar deitada o restante da noite que chegava.

Os dois minutos seguintes pareceram durar dez. As diversas vozes que falavam ao mesmo tempo perturbavam a escassa paz de Mika. Se suas amigas estivessem com ela, provavelmente não ficaria tão estressada.

Encarava seu vans sujo quando as pessoas começaram a andar, passando por ela e a deixando para trás. Mika franziu o cenho com força. Não havia escutado a mulher falar novamente. Como era possível?

Não querendo ficar mais para trás do que já estava, Mika agarrou com pressa suas malas e seguiu por onde as garotas iam. Sem prestar atenção onde pisava, acabou tropeçando em uma pedra mais alta do caminho. Suas mãos foram as primeiras a arderem, resultado da falha tentativa de evitar ralar o rosto no chão. Em seguida os joelhos doeram por baterem com força.

Sua irritação se multiplicou enquanto xingava em resmungos. Nem mesmo alguma das garotas que passavam por ela teve pena ou perguntou se queria alguma ajuda.

Com o rosto avermelhado — tanto pela raiva, quanto pela vergonha —, ela se obrigou a levantar do chão e tirar a sujeira da calça. Mesmo com as mãos raladas e ainda ardendo, ficou feliz por seus joelhos seguirem quase intactos. Uma calça jeans ainda salvava vidas.

A multidão seguia adiante, porém Mika permaneceu atrás. Após uma longa inspiração, se obrigou a segurar as malas novamente e voltou a caminhar. Os olhos agora prestavam atenção nas pessoas adiante e no que seus pés pisavam. Uma queda foi o suficiente para aprender a não confiar no chão que andava.

Quando fitou o lado dos garotos, percebeu que três a encaravam ao longe. Mesmo naquela distância, pôde perceber que riam dela. Um até mesmo parecia que cairia no chão de tanto gargalhar.

Mika bufou e balançou a cabeça. O que adiantava se irritar com pessoas que não podia socar a cara?

— Mika!! Mika, espera a gente!!

Ela parou de supetão e olhou para trás.

As garotas corriam desesperadas em sua direção, cada uma segurando duas malas. E, para sua pequena e rápida alegria, Yandra tropeçou em uma das pedras, porém conseguiu estabilidade para permanecer de pé e correndo.

Sem controle, e um pouco mais calma, Mika se permitiu sorrir.

Suas amigas enfim chegavam. Mesmo que quisesse bater nelas pelo atraso, ficou contente por ao menos terem se encontrando logo na entrada.

Enquanto seguiam apressadas para alcançar as demais meninas do internato, Mika as xingando pela demora, nenhuma percebeu que um dos garotos ainda observava elas, um pequeno sorriso no canto de seus lábios.

O (amor) Assassino Está Entre NósWhere stories live. Discover now