04 - Acontecimentos bons e ruins

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João devia ter desconfiado que algo daria muito errado naquele dia.

Antes do fatídico incidente, tudo ia bem demais. Acordou sem sono, sentia-se com um ótimo humor e até mesmo foi contagiado pela animação de Rikelmy para o início das aulas. Não precisou enfrentar uma muvuca no banheiro coletivo — diferente do dia anterior —, além do cabelo cacheado ter ficado melhor do que em muitos outros dias. Até mesmo o café da manhã parecia o mais saboroso da sua vida.

Por que eu estava tão preocupado? Aqui é o paraíso!

Contudo, deixou-se iludir pelas coisas boas. Esqueceu que o mundo podia enganá-lo sem dó nem piedade.

Após terminar de comer, sobrando ainda metade de seu café com leite, decidiu ir mais cedo para o quarto. Como as aulas começariam em menos de quinze minutos, não queria demorar para arrumar sua mochila.

Despediu-se de seus amigos e saiu andando entre as mesas do refeitório. Poucos metros depois, Armando chamou por ele. Despreocupado, havia olhado para trás e assentido, como se questionasse o que o primo queria. A tão breve distração do que estava à sua frente foi o suficiente para seu dia ir de 100 a -900.

Teve sorte da sua própria bandeja não cair no chão. Contudo, sua xícara com café não seguiu o exemplo, desequilibrando-se com o impacto dos corpos e caindo para trás, em cima da farda preta e azul-royal de João Pedro. Sua leve quentura foi o suficiente para fazê-lo dar um pulo desajeitado, como se seu corpo tentasse se afastar do calor.

Borbulhando de raiva como uma água fervendo, João encarou a garota à sua frente. Ela estava paralisada, a boca aberta num grito silencioso, além de suas mãos pairarem estáticas no ar. Passava o olhar entre o chão com sua bandeja caída e ele. Nem sequer um pedido de desculpas foi capaz de proferir, o que irritou ainda mais João.

Antes que iniciasse uma discussão e tomasse advertência logo no primeiro dia, um dos empregados apareceu, assim como alguém que parecia da coordenação.

— Meu Deus! Os dois estão bem? — A mulher de blazer rosa perguntou. Em seguida virou para o empregado. — Pegue algo para limpar a bagunça que aconteceu aqui, por favor.

Enfim, a garota abaixou suas mãos, colocando-as atrás das costas. Ela olhava ao redor, como se procurasse algum lugar para se esconder.

— Você se queimou? — a mulher indagou a João.

— Eu estou bem. Só a minha farda que não — ele se obrigou a responder. Contudo, sua mente apenas imaginava como seria bater na menina à sua frente. Não era um pensamento saudável, ele sabia. Mas independente do gênero da pessoa que tivesse feito aquilo, desejaria comprar uma grande briga.

— E você? Está bem também?

A desconhecida — que, analisando mais de perto, não lhe parecia tão desconhecida assim — apenas assentiu para a mulher.

— Quais são seus nomes? Avisarei os professores do primeiro tempo de vocês sobre o imprevisto, para que possam se trocar e não levem falta.

Se trocar? Essa desgraça aí nem se melou com nada!

— João Pedro Oliveira.

— Mikaely Pinto.

João precisou segurar um riso de deboche. Se tivesse oportunidade, a garota sofreria em sua mão — nem que precisasse apelar para bullying com o sobrenome!

— Está certo, João e Mikaely. Podem ir para seus quartos agora e se trocarem. E não precisam se preocupar. Acidentes acontecem quando menos esperamos. Só tenham mais cuidado nas próximas refeições, o.k.?

Ambos assentiram. Em seguida, Mikaely foi a primeira a seguir para fora do refeitório.

Enquanto afastava a blusa molhada do corpo, João olhou por cima dos ombros. Poucas pessoas se importavam com a situação naquele momento. Mas, ao encarar seus amigos, percebeu que colocavam a mão na boca e seus ombros chacoalhavam com força. Nem sequer tinham a capacidade de disfarçar que riam dele.

Bufando de raiva, saiu pisando duro em direção à saída do refeitório.

É bom que esta garota já esteja longe da minha vista, senão ainda vou arranjar briga.

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João precisou tomar outro banho para tirar o grude do café que permaneceu em seus braços e transpassou a blusa. Também mudou de roupa, colocando a segunda — e última — farda que seus avós compraram. Para não ficar sem nenhuma para os demais dias, colocou as roupas sujas em uma das máquinas da lavanderia do seu dormitório. Assim que voltasse das primeiras aulas, as estenderia no varal de chão que cada um tinha para si no quarto.

Enquanto amarrava seu all star vermelho e corria contra o tempo — tinha menos de dez minutos para praticamente correr até o instituto —, encarou a única cama do quarto que continuava sem dono.

Questionava-se se ele e seus amigos haviam dado a sorte de serem um dos poucos sem um quarto integrante. Ou então o garoto errou seu quarto. Ou não havia chegado a tempo no dia anterior.

Independente de qual pudesse ser a resposta — mesmo que preferisse ficar a sós com os amigos —, João tentou se manter confiante. Contanto que o menino não fosse algum playboyzinho ou idiota-bobão demais, estava ótimo. Se tivesse muita sorte — o que duvidava —, talvez o garoto fosse algum estudioso. Isso facilitaria muito sua vida nos estudos — ou, no caso, a falta disso.

Quando já estava com tudo pronto, faltando então sete minutos para o segundo tempo, realmente precisou correr para a escola. Já havia aceitado que chegaria atrasado, mas preferia diminuir a quantidade de tempo daquilo.

Em cinco minutos entrou, dando um bom-dia rápido para o homem que guardava a porta de entrada. Pelo menos não precisou se explicar pela pressa e atraso.

Enquanto olhava seu papel com horários e salas, ainda sem saber para onde seguir, trombou com uma pessoa. Sem dúvidas, aquele realmente não era o seu dia.

Contudo, antes que o estresse lhe voltasse, a menina desconhecida logo disse:

— Desculpa! Nem vi por onde andava. Tô perdidinha. — Ela riu sem graça.

João a analisou por alguns segundos e decidiu que gostava dela. Diferente da outra, aquela garota era educada ao ponto de se desculpar.

— Tudo bem, sem problemas. Também tô meio perdido. Viu em algum lugar a sala 34?

Ela soltou uma risada baixa.

— Estou na mesma luta para achar essa sala. Acho que é no andar de cima, mas até agora não achei o caminho certo.

João também sorriu.

— Ah, então podemos seguir juntos. Duas mentes pensando são melhor do que uma.

— Muito obrigada! — a menina agradeceu, mesmo que não tivesse necessidade.

Caminhando lado a lado e observando os arredores, João tomou coragem para questionar:

— Qual é seu nome mesmo?

O sorriso dela aumentou. Era bonito.

— Clara. E o seu?

— João Pedro. Mas pode chamar como preferir.

Ela soltou um risinho baixo e assentiu.

Bem, talvez os acontecimentos ruins ainda pudessem levar a coisas interessantes...

O (amor) Assassino Está Entre NósWhere stories live. Discover now