46 - Só uma chave

6 2 5
                                    

João Pedro foi o primeiro a ser golpeado, levando um soco certeiro na barriga, o que o fez tropeçar em direção a uma das paredes. Enquanto tentava respirar, ainda sentindo a dor, foi tempo suficiente para Armando puxar Mika para dentro do quarto e trancar a porta, deixando as únicas duas chaves disponíveis em seu bolso.

— Mas que merda é essa?! — Mikaely gritou, respirando ofegante.

Armando apontou a faca em sua direção, deixando-a parada em seu canto.

João lutava para recuperar as forças, ainda recostado na parede fria.

Precisava dar um jeito de livrar ele e a sua garota daquela loucura.

— Eu é que pergunto isso. — Seu primo levantou o queixo, a expressão dura. — Qual foi? Um beijo não foi o bastante é? Vieram se esfregar na minha cama também?

— Nos esfregarmos?! — Mika exclamou em tom de horror, ao tempo que João falou:

— A gente veio pegar meu carregador, idiota. Queríamos avisar a coordenação do assassinato da Raquel. Mas agora vejo que não é o Janildo o culpado dessa merda toda.

— Por que, Armando? — Mika fez menção de andar em direção a ele, mas seu primo não abaixou a arma. João não sabia se ele seria capaz de machucá-la. Porém, Mikaely não parecia disposta a descobrir, pois parou no lugar. — Por que matou essas pessoas? Quer dizer, sempre foi você?! E por que a Raquel? Por que a Maely?! Isso tudo é por minha culpa?!

Um sorrisinho orgulhoso despontou nos lábios do garoto.

— Em partes, até que sim. Na verdade, me impressiona que nenhum dos dois tenha desconfiado de algo. Achei que estava sendo muito iniciante nas minhas ações, mas depois que percebi quão fácil era esconder sozinho as provas do pessoal da coordenação, e que vocês não faziam questão de ligar qualquer peça, decidi não me preocupar tanto. Até agora, é claro. Não pensei que fossem vir aqui, nem que estavam juntos.

— Isso não me responde nada. Por que fez tudo isso, Armando? Como conseguiu se safar? — Mikaely ainda respirava com certa ofegação, notavelmente nervosa.

Como um mero espectador entre os dois, enfim João Pedro se sentiu recuperado do golpe — mesmo que ainda com uma leve dor na barriga. Não querendo chamar atenção, e buscando um momento oportuno, somente observou.

— Quando conheci Ismael, me interessei pelos mangás dele e pelas histórias sanguinárias que contavam. O garoto realmente não tinha culpa de parecer estranho, e só queria se tornar um perito criminal. Mas eu gostei do que era contado, e fiquei curioso de conhecer a tal euforia de tirar a vida de alguém. Então, quando você e o João ficaram presos na biblioteca, fiquei desconfiado com o que poderia ter acontecido. Por isso roubei a chave reserva da sala de câmeras que o Jean possuía. O velho era fofoqueiro e lesado. Não foi difícil arrancar as informações de onde ficava o local, nem pegar a chave no molho dele.

Com seu sorriso ainda maior, Armando ergueu o chaveiro que ainda segurava.

Da sala de segurança, João pensou.

— Queria ela para saber o que tinha acontecido entre vocês. Então consegui ir lá um dia antes da festa, pois a maioria dos funcionários estava distraída com outros deveres. Entrei lá, consegui entender como funcionava para procurar por imagens de dias anteriores e então gravei uma cena específica de vocês. Criei um email diferente e esperei a manhã da festa para pegar os emails no quadro da instituição. Como ainda estava com raiva do João, decidi unir o útil ao agradável. Escolhi Clara como uma maneira de afetá-lo. Enviei os emails para todos, até para mim, e depois fui tirar satisfação com você. Quando voltei à festa, levei Ismael à parte e pedi emprestado o moletom dele, e ainda o convenci de ficar com a Maria Eduarda, uma garota que ele queria, nos locais onde as câmeras não alcançavam. Ismael desejava um amigo, então raramente questionava meus pedidos, o que o levou a fazer como eu pedi. Em resumo, eu já sabia que Clara tinha uma leve queda por mim. — Armando lançou um breve olhar a João, o sorriso estúpido ainda em seu rosto. — Sinto muito, priminho, mas ela nem mesmo hesitou quando comecei a flertar e depois disse para irmos a um local reservado. O resto vocês já podem imaginar. No fim, enterrei o moletom do Ismael e menti que ele foi roubado na lavanderia, guardei a faca comigo e fui à sala de segurança apagar as imagens em que meu rosto aparecia ao lado da Clara.

João Pedro não sabia se sentia mais raiva, nojo ou surpresa com tudo o que seu primo contava.

Armando fez tudo aquilo sozinho? Por simples desejo de vingança? Por querer saber a sensação de tirar a vida de alguém?!

Contudo, o relato parecia longe do fim.

— Matei outras meninas porque não queria que ficasse muito óbvio que estava focando em um círculo específico de pessoas. Aproveitei isso e fiz da Maria Eduarda um alvo também, porque não queria que Ismael tivesse algum álibi do dia do luau, para caso algo desse errado. Como eu era o amigo mais próximo dele, foi só comigo que ele comentou da perda da garota.

"Continuei seguindo essa mesma linha, até que Maely comentou com Ismael, naquela tarde de atividade do terceirão, que eu era estranho, quase suspeito. Não sei como diabos a garota chegou naquela conclusão, mas assim que Ismael disse aquilo para mim, eu já sabia que devia eliminá-la, independente do que Ismael suspeitasse no futuro. Por garantia, desenterrei o moletom ensanguentado dele e deixei em um local mais exposto. No dia seguinte, tive a sorte da Raquel e do João serem as pessoas a encontrá-lo."

Um suspiro satisfeito escapou de Armando, que rodou o cabo da faca em seus dedos.

Mikaely apertou os punhos ao lado do corpo, algumas lágrimas deslizando pelas bochechas coradas. Contudo, a raiva era notável em seu olhar ardente.

— VOCÊ MATOU A MINHA AMIGA! MINHAS DUAS AMIGAS!

João Pedro respirou fundo, ainda esperando algum deslize do primo para poder atacá-lo. Por sua vez, Armando voltou a suspirar.

— A Raquel era outro caso delicado. A garota era desconfiada e ainda descobriu um dos panos ensanguentados que tive que esconder na pressa. Foi ótimo ter escutado aquela conversa de vocês no bebedouro e as intenções dela para hoje. Cheguei primeiro nas trilhas, para desenterrar e esconder melhor outros panos que usei para limpar a faca, mas Raquel chegou logo nesse momento. Lutei com ela enquanto a garota ainda mandava mensagem para você. Depois, como o celular ainda estava com a tela desbloqueada, só escrevi aquilo que precisava. Já sabia que nenhuma garota confiava no Janildo. Não seria tão ruim dizer que ele era o verdadeiro assassino. Então quebrei o celular e saí o mais rápido que pude.

"Foi bem arriscado da minha parte andar com o moletom ensanguentado à vista. Na verdade, até demorei para perceber que minhas pegadas estavam sendo marcadas. Só depois tirei o tênis e praticamente corri aqui para o quarto. Ia aproveitar para trocar de roupa, guardar a faca e apagar as imagens das câmeras. Duvido que algum guarda estava realmente vigiando naquela hora ou até mesmo agora. Se soubesse como é péssima a segurança deste local, nunca que algum pai teria permitido nossa estadia aqui."

Armando soltou o ar pela boca, segurando com mais firmeza a faca.

— Caramba, que monólogo foi esse que eu dei agora. — Ele parecia muito confiante, pois sempre voltava a sorrir com certa arrogância. — Devem estar cansados de tanta informação inútil. Preferem que eu...

João Pedro não pensou muito, apenas agiu.

Pulando em cima do primo, começaram uma luta um tanto desigual. Armando bateu com as costas em um dos apoios do beliche, soltando um alto grunhido. João só tinha uma meta ali: pegar a chave do quarto e lançar para Mikaely. Então sairiam salvos e prenderiam o maluco do seu primo.

Aquele realmente era seu primo? Nem mesmo sabia dizer.

O punho de João acertou a bochecha de Armando, enquanto a faca cortou superficialmente uma parte de seu braço. Porém, ignorou a dor daquilo. Contanto que ele e Mika saíssem bem, um corte não seria nada.

A luta não durou mais que alguns segundos, principalmente pelo espaço livre não ser o dos mais amplos. Na maior parte das vezes batiam em algum dos beliches, paredes ou no guarda-roupa. Toda vez que Mikaely fazia menção de se aproximar para ajudar, os dois já estavam do outro lado, longe do alcance dela.

Só uma chave.

Só. Preciso. De. Uma. Chave.

Conseguiu imobilizar o primo por trás, agarrando seu pescoço entre o braço.

Perfeito.

João Pedro grunhiu em seguida, culpa da cotovelada no estômago. Enquanto ainda arfava de dor, buscando o mais rápido possível recuperar as forças, Armando inverteu as posições e ficou por trás. Um segundo depois, João sentiu a dor fulminante que era ter seu pescoço cortado. No segundo seguinte, não havia mais nada.

O (amor) Assassino Está Entre NósWhere stories live. Discover now