44 - Pegadas

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O coração de Mika não estava apenas acelerado; parecia próximo de sair pela boca.

Por estarem perto de uma das trilhas da floresta, não hesitaram em entrar ali e sair gritando pelo nome de Raquel. Com as lanternas dos celulares sendo a única iluminação, procuravam por qualquer sinal de que alguém passara próximo dali. Por conta da chuva até metade da tarde daquele dia, a terra estava úmida, o que deixava as pegadas visíveis. Entretanto, à frente do caminho, Mika não percebia nenhum sinal do que poderia ser a sola do all star de Raquel.

Com as mãos trêmulas, teclou para a amiga, como fizera nos últimos cinco minutos. Questionou sua localização e se ela estava bem. Entretanto, a última mensagem da garota continuava sendo a mesma.

Janildo é o assassino.

Mika respirou fundo, o ar passando com dificuldade pelos pulmões.

A tanta adrenalina em seu corpo era a única explicação possível para conseguir se manter sem tropeçar em uma raiz alta ou bater em algum galho de árvore. Em sua mente, tudo parecia um caos.

— RAQUEL!

Sua garganta começava a arranhar pelo esforço que fazia para gritar cada vez mais alto.

Não recebeu resposta.

— RAQUEL! — João Pedro gritou, indo à frente no caminho.

Naquele instante, o desespero não era apenas um sentimento; era uma terceira pessoa entre eles, andando tão próximo que Mika sentia os apertos que ele dava em seu pescoço e coração.

Os minutos passaram, mas facilmente pareciam horas dentro daquelas trilhas frias e úmidas. Mika já nem sabia mais em que parte da floresta estavam. Tudo o que captava eram o farfalhar das folhas acimas, incentivadas pelo vento, e a luz dos celulares, que mostravam o caminho a seguir.

João Pedro parou de supetão, arfando em seguida.

— O que... — A voz de Mika se prendeu na garganta assim que viu o mesmo que o garoto.

Iluminada pela lanterna de João, Raquel estava de olhos arregalados e a boca levemente aberta. Caída no chão de maneira estranha, Mika ainda foi capaz de notar não apenas a enorme poça de sangue que se acumulava abaixo do corpo da amiga, mas também o ferimento de onde saía. Um furo na barriga. Morta.

Mika escutou um grito. Um grito alto e angustiado. Parecia vir de sua própria voz, mas estava atordoada demais para saber se era isso mesmo ou não.

Lançou-se ao lado do corpo da amiga, segurando com as mãos trêmulas o rosto ainda quente. Antes que pudesse conter, suas lágrimas começaram a escapar.

— Mika... — João falou atrás dela, notavelmente hesitante.

Mika desviou o olhar para alguns poucos metros depois do corpo da amiga, encontrando o celular dela. O aparelho estava destruído, como se tivesse sido pisado diversas vezes. Raquel devia ter enviado a última mensagem e tentado sobreviver a algum ataque do Janildo. Então, após ser esfaqueada, o homem pisoteou o celular para esconder qualquer prova.

Braços circundaram seu corpo trêmulo.

— Precisamos chamar alguém da coordenação. — A voz de João foi suave.

Mika balançou a cabeça negativamente.

— F-foi o Janildo. Precisamos prender ele. Você viu a mensagem. Foi ele, eu sei que foi.

Soltou o rosto de Raquel para poder esconder o seu próprio. Seu choro era acompanhado por soluços altos. As lágrimas caíam sem cessar, deixando marcas úmidas por onde passavam.

— Vamos provar que foi ele, pode ter certeza. Mas precisamos sair daqui, antes que algo mais aconteça.

— Mas a Raquel...

— Daqui ela não vai sair.

— E se ela ainda puder ser salva?

O silêncio foi a única resposta de João.

No fundo, Mika sabia que tentava se apegar a uma esperança inútil.

Engolindo em seco, tirou as mãos do rosto encharcado e encarou uma última vez a amiga.

A culpa de não ter insistido que ela saísse àquelas trilhas era esmagadora em seu coração.

Se tivesse sido mais chata, se tivesse insistido mais, se tivesse escutado ela...

Mas já era tarde.

Com a ajuda de João, levantou do chão. Sentiu o líquido quente que havia grudado em partes de sua calça, manchando-a. Sangue de Raquel.

Um novo soluço escapou de Mika, estremecendo seu corpo. Ela permitiu que o garoto continuasse a abraçá-la e guiasse o caminho com a luz do celular. Precisou de muito esforço para não fitar o corpo de Raquel outra vez. Não queria manter aquela imagem horrenda na memória. Preferia recordar da amiga de leituras, risadas e boas lembranças.

Mika não parou de chorar. Sentia seu mundo desmoronar aos poucos.

Outra amiga assassinada.

Por Deus, onde aquela desgraça acabaria?!

Seu olhar se desviou ao chão, onde começou a notar pegadas. Muitas pegadas. Algumas indo, outras voltando. Pelo tamanho das solas dos calçados marcados na terra úmida, reconheceu que as de Raquel estavam no sentido que adentrava as trilhas da floresta. Contudo, as outras duas — tanto no sentido de ida, quanto de volta — eram de solas maiores, nitidamente masculinas. Ela e João Pedro não haviam andando por aquela parte da trilha. Só podiam pertencer ao Janildo.

Pouco a pouco saíram da floresta, mas as pegadas continuavam à vista. A terra úmida devia ter grudado no sapato de Janildo, pois as pegadas dele foram marcadas por ela na grama.

João começava a direcioná-la ao caminho que ia à coordenação pedagógica. Porém, Mika ainda seguia com a cabeça as pegadas que conseguia enxergar. Pelo menos ali, no gramado, os postes de luz já estavam presentes para ajudá-la a enxergar melhor.

Parou de andar, o que fez João Pedro fazer o mesmo.

— O que foi? Precisa parar um pouco?

Mika balançou negativamente a cabeça para a pergunta dele.

— As pegadas. — Encarou João, que franzia as sobrancelhas. — Tem pegadas indo em direção ao dormitório masculino.

João Pedro arqueou as sobrancelhas.

Se Janildo foi para uma parte da instituição que, muito provavelmente, estava vazia, não devia planejar algo bom. Talvez estivesse escondendo a arma do crime. Talvez indo fazer uma nova vítima perdida em algum dos quartos... Opções eram o que não faltavam.

Mika apertou a boca em uma linha fina, sentindo o gosto das lágrimas nos lábios.

Um pensamento estúpido se formava em sua cabeça. E João pareceu notar, pois fechou o rosto.

— Mika, não.

— Ele pode estar fazendo mais uma vítima! Ou escondendo a arma do crime, ou indo encontrar algum ajudante. Talvez até indo buscar algo no dormitório que o leve à sala de segurança para apagar qualquer imagem das câmeras.

João suspirou.

— Isso não faz sentido.

— Por favor. Precisamos ver se ninguém mais está em perigo com esse desgraçado à solta.

Percebeu que o garoto hesitou, parecendo cogitar a possibilidade de fazer o que pedia. Por fim, João Pedro voltou a suspirar.

— Certo. Mas só vou aceitar porque quero pegar meu carregador no quarto. Quero ter certeza que vamos ter como nos comunicar com outras pessoas quando a escola se tornar um caos ainda maior. Mas seremos rápidos, ouviu?

— Rápidos. E se vermos alguém nos corredores, avisamos para tomar cuidado.

O garoto assentiu, mudando a rota que antes seguiam e indo pelo mesmo caminho que as pegadas. Mika esforçava-se para se convencer de que não era uma loucura a decisão.

Só não podiam trombar com Janildo enquanto ele ainda segurasse alguma arma.

O (amor) Assassino Está Entre NósDonde viven las historias. Descúbrelo ahora