47 - A Balada do Felizes Para Nunca

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Uma vez, enquanto lia A Balada do Felizes Para Nunca, Mika imaginou como seria um grito capaz de apunhalar a noite, o céu sangrar e a própria escuridão cair dele. Contudo, assim que teve a visão do sangue do pescoço de João Pedro esguichando e do corpo dele caindo no chão, seu próprio grito podia se assemelhar àquele.

Seu corpo agiu antes que o cérebro pensasse.

Caiu ao lado de João. Com a respiração ofegante e as lágrimas descendo com rapidez, observou o rapaz de olhos arregalados. O sangue não parava de sair da garganta cortada. Com os ouvidos zumbido e visão turva pelas lágrimas, Mika tentou estancar o líquido escarlate com as próprias mãos trêmulas. Apertou o ferimento, algumas de suas lágrimas caindo no sangue.

— Não, não, não... — sussurrou, a voz trêmula.

Pelos céus, João estava morto! Simplesmente morto!

Para ela, o tempo parou.

O que faria se pudesse retornar ao passado, fosse ele alguns meses ou simples minutos?

Mudaria muita coisa. Na melhor das hipóteses, nem mesmo entraria naquela instituição com suas amigas. Porém, se não tivesse aquela opção, teria feito o possível para evitar qualquer interação com Armando. Mas com João... Teria se esforçado para uma amizade. Um amor. Ou o que fosse que eles se tornassem no fim.

Mas não era possível voltar no tempo. Aquele era seu fim com João Pedro.

Ele morto e ela trancada no quarto com o assassino.

Armando, recordou-se tarde demais da presença daquele desgraçado.

Mika levantou a cabeça e encontrou o garoto a observando ainda de onde havia matado João. A expressão de Armando era estranha; uma mistura de curiosidade e satisfação. A lâmina da faca em sua mão carregava o sangue de João Pedro.

— Você nem mesmo se ressente por ter matado o seu primo? — Mesmo enquanto chorava, Mika não conseguiu conter uma careta raivosa. — Vocês dois eram família! E tudo isso por simplesmente querer alguém e por gostar de tirar a vidas?! Você é nojento, um asqueroso, um desgraçado, Armando!

Percebeu o garoto apertar o cabo da faca ao lado do corpo.

— Lembre que esse "alguém" é você. Não duvide que possui culpa nesta merda toda.

Mika balançou a cabeça negativamente, suas lágrimas ainda deslizando pelas bochechas e o gosto salgado delas chegando à boca. Encarou João Pedro e o sangue que sujava suas próprias mãos. Não sentia nenhuma pulsação. Nada.

Foi minha culpa?

— Só nós dois sabemos disso, Mika. — A voz de Armando soou suave. Contudo, Mika não lhe dirigiu atenção, ainda encarando João. Morto. Ele estava morto. — A festa ainda vai demorar para terminar. Não duvido que a gente consiga colocar o corpo de João na floresta, enterrar esse meu moletom manchado e ainda apagar as imagens das câmeras. Ainda podemos ficar juntos e...

Um riso sem qualquer humor escapou dela, o que fez Armando se calar no mesmo instante.

Afastando as mãos do ferimento que ainda tentava estancar inutilmente, levantou-se do chão e, antes de encarar o garoto, fitou suas mãos sujas de sangue. Sangue. Um sangue tão vermelho e quente que Mika sentia vontade de vomitar apenas por saber que aquilo estava em suas mãos.

O riso foi substituído por um soluço entrecortado. Mais lágrimas caindo.

Por fim, fitou Armando, cerrando os punhos úmidos ao lado do corpo.

— Realmente acha que eu ajudaria você depois do que fez? Você só pode ser burro. No que eu puder fazer, quero que seu nome seja o primeiro nos jornais e na internet. Quero que você pegue a merda de uma cadeia por séculos e pague por tudo o que fez!

O garoto arqueou uma sobrancelha.

— Quem não está pensando direito aqui é você, Mika. Eu estou sobre o controle da situação.

— Mas eu não me importo. Não mais.

Cega pelo ódio que cada vez mais se acumulava em seu íntimo, partiu para cima de Armando. Diferente da luta com João Pedro, o garoto não parecia ter a pretensão de machucá-la. Ele tentou imobilizá-la, mas Mika desferia chutes em suas pernas e tentava socar alguma parte do rosto.

Armando tropeçou no corpo de João, o que levou ele e Mika a caírem no chão. Graças ao corpo do rapaz, que amorteceu a queda, Mika não sentiu muita dor. Ele, por sua vez, fez uma careta ao bater a cabeça no chão. Ainda assim, Armando não fazia menção de permitir que ela alcançasse a faca em sua mão.

— Pare com isso. Eu não quero... ter que terminar as coisas... assim — ele falou entre arquejos, fazendo o possível para se desviar dos socos que Mika não parava de desferir em seu peito e rosto. Sua mão livre conseguiu agarrar os pulsos dela, mas Mika não parou de se debater.

Conseguiu libertar um de seus pulsos do aperto de Armando, logo desferindo um soco em seu nariz. Seus dedos doeram com o impacto, mas não conseguiu evitar um sorrisinho de satisfação ao ver a careta do garoto, principalmente com a visão do nariz sangrando.

Antes que conseguisse dar outro golpe, Armando inverteu as posições. Com mais agilidade do que Mika esperava, ele ficou por cima dela e a segurou. Seus joelhos prendiam com força as pernas dela, e ele trabalhava para fazer o mesmo com os braços da garota.

Armando usou seu antebraço para sufocar o pescoço dela. Enquanto tanto lutava para se libertar quanto para conseguir ar aos pulmões, Mika rosnou:

— Você vai morrer em uma cela.

O olhar dele escureceu, e qualquer hesitação de machucá-la sumiu no mesmo instante. Ele afundou ainda mais o antebraço no pescoço e esboçou um sorriso calmo. Calmo como quem sabia que tinha todo o controle.

O desespero começou a apertar o coração de Mika.

Armando aproximou os lábios de seu ouvido, sem diminuir a pressão sobre seu corpo.

— Você não vai estar aqui para ter certeza disso.

E no instante seguinte Mika arfou, sentindo uma dor aguda na barriga. A faca. Armando estava enfiando a faca nela. Soltou um grito engasgado, sem nem mesmo conseguir se mexer para fugir a qualquer outro canto do quarto.

A dor aumentou, e Mika sentiu o movimento que o garoto fazia em sua barriga. Estava rasgando a pele. E a encarava nos olhos enquanto o fazia.

Um último grito escapou dela.

Foram segundos? Minutos? Horas?

Não sabia. Tudo o que sentia era dor, dor, dor, dor. Era fogo que ardia em sua pele rasgada, sangue escapando sem parar do ferimento e a respiração se tornando cada vez mais rasa e dificultosa. Seus olhos não aguentavam mais o peso que era viver. Em sua última visão e suspiro, teve a plena cena de Armando arregalando os olhos e parecendo ter consciência de que tirara a vida da garota que tanto dizia ser apaixonado.

O (amor) Assassino Está Entre NósTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon