38 - Bebedouro

12 2 4
                                    

Raquel estava estranha desde a noite anterior. Após a conversa no quarto e a garota ter saído, sem dizer com exatidão para quê, Mika notou que a amiga não parecia calma. No refeitório, ela olhava assustada para cada pessoa que passava perto dela. Mesmo agora, nos corredores da instituição, enquanto seguiam juntas para um dos bebedouros do andar, Raquel fitava com desconfiança os arredores.

— Tenha pena de mim e diga logo o que aconteceu ontem! — Mika falou ao já estarem em frente ao bebedouro vazio de alunos.

Raquel destampou sua garrafinha, mantendo o contato visual com qualquer outra coisa que não fosse Mika.

— Não foi nada. Você que tá instinto que aconteceu algo, sendo que eu tô normal.

— Exceto se seu normal seja ficar assustada com qualquer coisinha, sem dúvidas passou alguma coisa com sua saída ontem à noite.

Sua amiga lhe lançou um olhar raivoso. Contudo, Mika não se abalou.

— Se você não me contar, juro que vou te fazer cair de qualquer escada. E você sabe que sou doida.

Raquel bufou.

— Pelo amor! Não foi nada de mais. Só fui dar um passeio na floresta e ouvi uns barulhos esquisitos. Aí tive um pesadelo e acordei mais assustada. Satisfeita? Pode me deixar em paz agora?!

Mesmo com as garrafinhas já cheias, Mika não fez menção de sair dali. Se voltassem à aula de física, não poderiam continuar aquela conversa. E Raquel, sem dúvidas, não iria querer falar mais sobre aquilo em outro momento. Tinha que aproveitar a oportunidade.

— Pensa que não te conheço? Quando mente você mexe muito as mãos. Então, a não ser que tenha matado alguém naquela floresta, não vou desistir de saber o que aconteceu. O que foi? Viu um lobisomem, um vampiro ou...

— Achei enterrado um pedaço de roupa rasgada. Não tinha só respingos de sangue ali. Era como se a pessoa tivesse limpado nela a faca que usou e as próprias mãos. E isso perto de onde foi encontrado o corpo da Maely. Era um pedaço do casaco dela.

Contudo, diferente do começo da conversa, Raquel não falou aquilo em um tom baixo. Na verdade, provavelmente levada pela raiva da insistência das perguntas, seu tom subiu bastante, chegando a gritar.

Mika arregalou os olhos — tanto pelas informações quanto pelo volume da voz da amiga — e logo olhou ao redor. Não sabendo se era sorte ou não, a única pessoa que parecia ter escutado aquilo foi Armando. Ele parou no meio do caminho para o bebedouro, subindo as sobrancelhas de espanto. Raquel também notou sua presença, engolindo em seco.

— Não quero falar sobre isso. Só me deixe em paz, tá? — A voz estava mais calma e baixa. Porém, Raquel fechou a tampa de sua garrafinha com força. — Eu sei o que estou fazendo.

Sem olhar para trás, a garota começou a seguir caminho para longe do bebedouro. Armando continuava parado, parecendo ainda raciocinar o que escutara. Mika usou alguns rápidos segundos para respirar fundo e, em seguida, apressou-se até a amiga.

— Ah, sabe mesmo? Então vai continuar voltando àquela floresta estranha até quando?

Raquel passou ao lado de Armando, ignorando a presença do garoto. Ele, por sua vez, parecia analisar a discussão como um mero espectador. Continuava com as sobrancelhas arqueadas, como se temesse o que poderia passar em seguida.

— Até quando eu quiser — Raquel respondeu ao sarcasmo de Mika com seriedade. — Mas planejo aproveitar a festa de amanhã para fazer uma busca por lá. Os monitores vão estar ocupados com outras coisas e vão esquecer da minha presença nas trilhas.

Diferente da amiga, Mika precisou de um esforço maior para ignorar a presença de seu ex ficante. Pelo menos teve a sorte dele não fazer menção de falar com ela ou se meter na discussão. Só esperava que Armando também tivesse a decência de não espalhar o que Raquel contara por impulso.

— E depois, o que vai fazer? Entregar mais provas à polícia? Talvez se colocar em encrenca?

Mika precisou parar de andar, pois Raquel virou de repente em sua direção. Por pouco não esbarraram.

Com o semblante sério e bochechas coradas, sua amiga a encarou sem desviar o olhar. Séria como nunca Mika havia visto em seus quase cinco anos de amizade.

— Eu vou saber que merda está acontecendo nesta instituição e sair daqui sem que mais nenhuma de nós sofra alguma ameaça. — E, sem nada a acrescentar, virou de costas e voltou a andar.

Mika respirou fundo, querendo recobrar as forças.

Então, antes de seguir, olhou por cima dos ombros e conferiu a presença de Armando. Ele estava no bebedouro, de costas para ela e sem saber que era observado. Não sabia o que ele pensava da discussão ou mesmo de se encontrar com Mika ali, mas seria bom se o garoto não guardasse rancor do término. Armando merecia alguém que lhe correspondesse. Mas Mika, sem dúvidas, não era aquela menina.

O (amor) Assassino Está Entre NósWhere stories live. Discover now