7º Capítulo

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"Obrigada pela festa, Alexa!" Agradeceu Mel. Só então lembrei-me que não falei para ela desde aquele domingo. 

Estamos ambas a distribuir as sopas naquela rua onde pessoas que não têm abrigo reunem-se, todas as quartas feiras, para tomar a refeição que os terá de sustentar para o resto da semana.

Eu penso, por vezes, que nenhum de nós está imune a tragédias. Em dois segundos, por mais dinheiro que tenhámos, por mais competentes que sejamos em questões de Lei e Justiça, podemos estar no lugar destas pessoas. São necessários, apenas, dois ticks de um relógio velho e eferrojado, da casa da tua, idosa mas visonária, avó, para nos levar para a mais baixa posição que algum dia experiênciamos. Em tão pouco tempo, é possível perder tudo. As circunstancias podem erger-se de tal forma, que terás apenas duas hipóteses. E então verás toda a tua vida correr à frente dos teus olhos, e verás a única solução para esta situção. Segues, então, aquele caminho. Tornas-te num sem abrigo. Ou então num homicida, ou num ladrão. Ninguém está prevenido de cometer crimes, todos têm fraquezas. Não é como se existisse uma vacína para isto, não é como se a vida viesse com manual de instruções. Porque cabe nos a nós construir esse manual, já que cada uma terá o seu.

"Hey amiga! Acorda!" diz Mel. Amiga. Olho para a rapariga de cabelos pretos. Curtos, pelo queixo, e esticados. Os seus olhos cinzentos levam-me até ao dia em que nos conhecemos, e estabelecemos esta ligação. Por mais que, por vezes, eu queira fugir dela, por mais que pareça que não somos realmente unidas, foram as palavras que ela me disse naquele dia, e o modo como lhe respondi que nos juntaram.

Foi quando uma menina timida chegou, pela primeira vez, a este beco, Melissa, que eu decidi falar com ela. E foi nesse momento que a sua imagem de timida devanceu-se num ápice. Ela disse: "Julgas que me conheces mas não sabes nem metade da minha história." ela cuspiu "Não sou timida, tu é que tens a mania de querer ajudar toda a gente, mas há pessoas que não podem ser salvas. Há pessoas que não podes ajudar." Era irónico já que me encontrava a ajudar estes sem-abrigo. "Então vamos ser indiferentes aos terrores das vidas dos outros juntas?" disse sorrindo. Ela virou-se para mim, olhou-me nos olhos... e percebeu exatamente aquilo que queria dizer com aquela frase, e acreditem que não era praticar a indiferença.

"Estou estranha hoje, não sei."

"Não é só hoje..." comentou baixinho, fingindo que não queria que eu ouvisse.

"Obrigada por dizeres isso baixo o suficiente para parecer que não querias que eu ouvisse, mas alto o suficiente para ter a certeza que eu ouvia."

"Pára de ser inteligente."  a sua voz quebrou na última sílaba, e os seus olhos fixaram-se em algo, olhando para além de mim.

"Mel... estás aí? Estás com cara de quem viu um fantasma!" gozei, perdendo o humor assim que me virei para perceber o que captou a atenção de Mel.

E como é óbvio só podia ser Ele. Senti-me mal, por saber muito mais sobre ele do que a pobre a rapariga. Senti-me mal por não ter partilhado as minhas descobertas com ela, já que é Melissa que está interessada nele, e não eu. 

"Ele não é estranho, nem diferente. Não." disse ela. Encarei-a, confusa. Isto fez com que ela prosseguisse: "Isso seria demasiado cliché para ele. Olha a maneira como ele se comporta! É delicada. " O rapaz ajudava um pequena menina a adormecer no banco, enrolada no cobertor. Eu observava-o atentamente. "Mas os olhos dele não trasmitem emoção. E ele é incrivelmente bonito, olha" diz concentrando-se nele, novamente. "Parece que foi talhado por um escultor com insanidade mental. Os olhos. O nariz. Os lábios..."

"Styles." digo, numa tentativa de quebrar o estado encantado em que se encontra.

"O quê?" Mel acorda do transe. É isto que ele faz, apercebo-me, hipnotiza as pessoas, controla as suas mentes.

Glass Masterpiece || h.sOnde as histórias ganham vida. Descobre agora