21º Capítulo

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Chego à livraria e surpreendo-me pelo vazio da mesma. Onde foram todos aqueles que se tornaram regulares na pequena loja de Mr.Clarks?

Deixo o livro na caixa e retiro o cachecol e o casaco, cuidadosamente, pendurando-o no cabide à entrada, já que este espaço está quente, ao contrário da rua.

“Mr.Clarks?” chamo, enquanto ajeito a camisola e me dirijo para o armazém. Encontro-o sentado à secretária com os óculos na ponta do nariz. “Os clientes?” pergunto.

Mr.Clarks ajusta o objeto que ajuda a visão e desvia os olhos para mim.

“Chegaste mais cedo” constata e dá uma olhadela ao relógio no pulso, e volta a encarar-me “São oito e meia. Nós abrimos às nove” termina, retomando o que estava a fazer anteriormente.

Rio-me comigo mesma. Estava tão embebida no livro que me esqueci que chegara mais cedo.

Os acontecimentos de ontem permanecem frescos na minha memória e nos meus lábios. Levo a mão aos mesmos lábios, enquanto caminho para as estantes. Aquele beijo que me vai atormentar até que se repita. O quê? Que estou eu a pensar? Será que quero que se repita? Oh sim, se quero… Mas não posso. Aquilo foi uma manobra de distração das minhas perguntas, que, mais uma vez, ficaram por responder. No entanto, se for assim que ele quiser distrair-me, estou disposta a ser levada pela ilusão.

Confusão e contradição.

Como tenho saudades do tempo em que nada me era capaz de confundir, ou deixar os pensamentos em branco. Nem mesmo Ty me confundia tanto. Conheci-o no último período do 12º ano. O namoro “sem rótulo” durou até ao fim do verão, até ele se ir embora para a universidade. Não tenho saudades dele. Nem sei se gostava realmente dele. Ty foi o meu primeiro em tudo, mas nunca me fez sentir aquilo que senti quando Harold me beijou. Todo o meu corpo estava a ser eletrocutado e não conseguia parar. Um fogo assendeu-se e nunca me senti tão evolvida e mergulhada nalguma coisa. Um suspiro escapa os meus lábios.

Mas onde terá ele ido às 6 da manhã? Onde trabalha, para manter aquela casa? Porque não respondeu às minh-

Din-din-ding. O sino soa e olho para a porta, apercebendo-me que estive todo este tempo encostada à estante.

Um rapariga entra hesitante na loja, procurando algo com os olhos.

Mel.

E então, a culpa atinge-me, de súbito, e não sei o que fazer ou dizer. Eu beijei o rapaz por quem Mel está apaixonada.

Antes que me veja, escondo-me atrás da estante e olho por entre os livros. Não posso falar com ela. Não antes de saber o que lhe dizer.

A rapariga de cabelo preto chama por mim e fecho os olhos com força, rezando para que não me veja. Passo as mãos pelas calças para limpar o suor que se começa a acumular, devido ao nervosismo. Anda pelo espaço durante algum tempo. Quando não obtém resposta, opta por chamar Mr.Clarks.

O homem idoso arrasta-se para fora do armazém com passos pesados, encarando Mel um pouco chateado. Ambos encontram-se à frente da caixa. Não consigo ouvir o que falam, porque estou longe demais. Só vejo os olhos de Mr.Clarks a desviarem-se para os meus e tento fazer o meu melhor para ele perceber que me estou a esconder e quero que invente algo. Após uma rápida troca de palavras, Mel sai da livraria com um olhar triste. Aliviada, saio do meu esconderijo e caminho em direção a Mr.Clarks, que me olha muito aborrecido.

“Obrigada” suspiro de alivio e repito novamente o meu agradecimento.

“O que aconteceu?” pergunta monocórdico, fazendo-me pensar que não quer saber.

Glass Masterpiece || h.sWhere stories live. Discover now