25º Capítulo

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Ao longo da última hora, tenho repetido, vezes e vezes sem conta, os acontecimentos dos dois dias anteriores. Tomo banho e lembro-me da suavidade dos lençóis da cama de Harry. Corro para o quarto, da casa de banho, e lembro-me da corrida pela vida que realizei naquela noite. Visto-me e lembro-me do quarto de Harold e os espanta-espíritos. Olho os livros amontuados na minha mesinha de cabeceira e na prateleira por cima da cama, lembrando-me da conversa aterradora com Mr.Clarks. Sacudo a cabeça ao atingir este pensamento assustador. Não sei como lidar com o que ocorreu, como interpretar e que decisões tomar. Assim, vou fazer aquilo que qualquer adolescente faria – fugir. Chamem-me cobarde por não saber encarar a realidade. Pois saibam que sou assim, desde sempre – escondo-me da realidade nos livros. Todavia, desta vez, não será num livro, mas num bar. Parece-me uma diferença significativa.

Acompanhada por um suspiro, vou até à cozinha, onde a minha mãe bebe um chá.

“Já lavaste a loiça, ou precisas de ajuda?” questiono um pouco desinteressada.

Acabámos de jantar. Não falei com nenhum dos meus parentes, apenas com o Luís, que brincava com a comida durante toda a refeição. Estou zangada com eles por não me revelarem a que se deve a tensão notória entre ambos. A esposa e o marido evitaram cruzar os olhares, enquanto comíamos, o que tornou toda a situação ainda mais constrangedora e incómoda. Por outro lado, também se desvaneceu qualquer vontade que eu tinha de os interrogar, ao ver a sua atitude. No mundo dos adultos é tudo demasiado complicado.

“Não é preciso, querida.” Diz dando um gole demorado no chá, enquanto eu preparo-me para descascar uma tangerina, sentando-me à sua frente. “Vai. Diverte-te.” Acrescenta escrevinhando números num pequeno papel.

A uma certa altura do mês os meus pais ocupavam-se de contar o dinheiro, para saber exatamente naquilo que o deveríamos gastar. Portanto, com a chegada do final do mês não restava absolutamente nada, fazendo com que vivêssemos de mês a mês, esperando o ordenado do meu pai.

Inspiro fundo e decido dizer: “Mãe, eu não sei o que se passa entre ti e o pai, mas é óbvio que algo não está certo.” A minha mãe levanta os olhos do papel e abre a boca para falar. Contudo, eu paro-a erguendo a mão. “Se pensam que continuar com essa tensão, sem falarem e a evitarem-se é melhor, estão enganados. Eu e o Luís sentimos essa tal tensão. E se não nos querem contar, resolvam isso rápido.”

A buzina de um carro soa e olho pela janela. Orgulhosa e satisfeita com o meu discurso, levanto-me e deixo a casa, após dar um beijo no topo da cabeça da minha mãe, dizendo que chegaria tarde.

Ao abrir a porta sou surpreendida com um véu branco a cobrir a estrada. Olho para o céu e distingo alguns flocos de neve, que caem lentamente. Hoje começou a nevar. Com um sorriso, vejo o carro de Liam encostado à berma da estrada, que buzina sem parar. Dirijo-me a ele e entro rapidamente. Após isto o moreno arranca.

“Parece que começou hoje a nevar!” digo alegre e viro-me para Ed, que me sorri com tristeza a brilhar nas íris.

“Então, Alexa?” começa Vi e eu viro a minha atenção para a rapariga, da qual apenas vejo o cabelo e o rosto em miniatura, no retrovisor, que se contorce num sorriso amigável. “A Mel contou-nos.” Diz ela casualmente, como de algo banal se tratasse e acrescenta: “Ela não vem.”

Expiro aliviada. “Ainda bem.” Penso durante uns instantes e continuo: “O que ela te contou?”

Vi mostra-se incomodada com a minha pergunta, encolhendo-se no assento à minha frente. “Bem…” pausa, coçando a nuca. “Ela disse que tu lhe roubaste o rapaz.”

“Oh.” É o único som que emito, chocada com Melissa. ”Mais nada?”

“Não.” Informa já mais calma. “Ela não deu pormenores. Falou muito, mas não disse nada.”

Glass Masterpiece || h.sOnde as histórias ganham vida. Descobre agora