33º Capítulo

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O cheiro a comida em processo de preparação invade as minhas narinas, proporcionando um ambiente acolhedor, que acalma ligeiramente a minha mente inquieta.

Desde de que Harry fugiu, não saí do quarto. A janela com vista para a longínqua floresta, que se situa perto da minha casa, e a lua que já reina no céu, pois os dias são mais curtos, parem-me mais apelativos que um confronto, certamente, esquisito com os olhos verdes e vibrantes, que fizeram o meu coração acelerar de medo.

Sinto alguma dor nas nádegas, ao tentar sentar-me no parapeito da janela.

A noite. Talvez seja nos seus ombros que caem os maiores pesos, os maiores rochedos. Rochedos feitos de gritos, algum sangue, passos pesados, sussurros… em suma, segredos. É durante a noite que o mais diabólico, mas fraco em nós, liberta-se. É quando a lua nos hipnotiza que os demónios acordam. A luz fria e distante das estrelas guarda tudo aquilo que queremos desesperadamente esquecer quando o sol nascer. Guarda como num baú todos os velhos brinquedos, velhos livros de páginas apodrecidas, penas salpicadas de tinta azul e mapas do mundo antigo. Nós colocamos sobre os ombros da lua, inconscientemente, todo o nosso pesar, para podermos continuar com a nossa vida na manhã seguinte.

Os meus pensamentos são interrompidos por um som abafado. De seguida, a porta abre-se, revelando cabelo encaracolado e olhos verdes, distantes.

“O jantar está pronto.” Avisa delicadamente, desaparecendo de seguida, como uma sombra na penumbra.

Um longo suspiro seguiu-se e pensamentos negativos fluíram na minha mente: “Devia voltar para casa. Nunca devia ter ficado aqui com ele.” Contudo, o controlo que o meu cérebro tem sobre as minhas ações parece nulo, quando sacudo a cabeça para afastar estes pensamentos e dirigir-me até a cozinha. Existe algo místico que me atrai a esta casa, que me atrai a Harry. Talvez será a sua aura misteriosa que nos mergulha, ou talvez será aquele mínimo brilho no seu olhar que tenho captado ultimamente, ou mesmo a forma como me deixou tentar entrar no seu mundo.

Caminho lentamente pela casa aquecida pela lareira, onde se misturam o cheiro da lenha, a arder em chamas, e, ao que me parece, frango assado no forno. Um pequeno sorriso apodera-se das minhas feições, pois imagino o quão delicioso deve estar o meu jantar.

A minha avó fazia o melhor frango assado que eu alguma vez comera. Ela dizia que tinha um ingrediente secreto e eu acreditava, de tal modo era delicioso o seu cozinhado. Agora, olhado para trás, sei que esse ingrediente é, sem dúvida, o amor.

Com o estomago ansioso por provar o que o meu nariz inala, sento-me a mesa. A minha frente, após servir-nos, senta-se o jovem enigmático, com quem evito cruzar os olhares, fixando o prato.

Ouço o rapaz suspirar e imagino-o a passar a mãe pelo cabelo.

Ignoro-o e mastigo lentamente na minha comida saboreando-a. Hum… como está agradável, o cheiro a contribuir para a sensação do gosto.

“Cozinhas bem.” Interrompo o silêncio, optando por não encará-lo. Consigo, no entanto, vê-lo assentir com a cabeça e continuar a comer.

Os olhos, nervosos e preocupados, um pouco distantes, de Harry, pousam em tudo o que encontram, não fixando o ponto por muito tempo. As suas íris inseguras, espelham o debate interior que sofre.

Não sei o que é tão especial sobre ele. Dormi a porta de sua casa, quando este não abriu, e ainda assim voltei. Ele dizia para não lhe tocar, contudo eu tentava. Afundei-me no seu verde oceano, perdi-me na sua floresta e, a partir do memento em que os nossos lábios se encontraram, não há forma de eu sair. Mesmo depois d ele me ter magoado, aqui estou eu a jantar com ele, e a tentar descobrir o que corre no rio do seu pensamento.

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