20º Capítulo

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A água quente aquece de imediato o meu corpo gelado, acalmando a tremura. Os meus músculos relaxam e deixo-me ficar por baixo do chuveiro, de olhos fechados, durante minutos indeterminados. Sinto o líquido quente passar por todas ad partes da minha pele, limpando os vestígios da chuva.

Ouço alguém bater a porta trancada, fazendo-me saltar e abrir os olhos subitamente.

“Despacha-te, o chá está a arrefecer.” Diz num tom baixo, acentuando a rouquidão da sua voz.

Desligo de imediato o chuveiro e saio do duche. Uma t-shirt cinzenta dos ‘Ramones’ é colocada pela cabeça e uns calções pretos sobem pelas minhas magras pernas, após secar o corpo com a toalha.

Imaginei mil e uma hipóteses de coisas que lhe poderia dizer e perguntar. Milhares de possibilidades, como esta tarde poderia terminar. No entanto, nenhuma delas parece adequada. Nenhuma delas pode adequar-se, se não sei como Harold poderá reagir.

Seco o cabelo com a mesma toalha, já húmida, o melhor possível.

Ao sair da casa de banho, e após percorrer o pequeno corredor, o sofá fica a minha esquerda e a bancada da cozinha ocupa o seu lugar a direita. Granito a condizer com a madeira escura.

Sento-me numa cadeira alta apoiando os cotovelos na pedra. Harold está de costas para mim e observo a flexão dos seus músculos, escondidos pela t-shirt branca, com cada movimento.

Uma caneca é colocada a minha frente e reparo numa ancora delicadamente tatuada no seu pulso e mais acima uma rosa.

Murmuro um obrigada e surpreendo-me ao perceber que ele ouviu, pois concede-me um “não tens de que” suave. Tudo mergulha num silencio confortável, enquanto ambos bebemos o nosso chá.

Os meus olhos desviam-se para o relógio analógico na parede, que indica as 7 horas da tarde, e voltam para a pessoa sentada a minha frente que não desprende o seu olhar do meu.

Olhos verdes esmeralda fixam os meus, não transmitindo emoção decifrável. O silêncio está em sintonia com a tensão existente entre nós. A mesma que senti em várias ocasiões – no beco, no carro, na livraria, quando falámos nas suas escadas e esta manhã. Imagens dessas interações aparecem diante os meus olhos. “Quem é este rapaz que vejo a minha frente?” e esta parece a única pergunta acertada, das que coloquei nos últimos meses.

“Tenho de avisar a minha mãe que chegarei mais tarde” desculpo-me e vou até ao telemóvel que ficou na sua mesa de jornais. Pelo canto do olho vejo Harold passar a mão pelos caracóis despenteados, enquanto me segue com o olhar.

“Hum…” ouço-o proferir enquanto procuro o contacto da minha mãe na lista e inicio a escrita de uma mensagem. “Se calhar vais ter de ficar aqui.” Diz hesitante, como se não quisesse que isso acontecesse. Levanto os olhos do telemóvel e olho-o confusa. “O meu carro está na oficina de Mr.Brooks e… hum… não tenho como te levar a casa” prossegue com dúvida na voz e olha pela janela. “Além disso, a chuva não parece parar e a tua roupa ainda não secou.” Explica.

Fico a olhá-lo por alguns segundos procurando qualquer tipo de expressão no seu rosto. Contudo, como era de esperar, não encontro nada.

Suspiro e apago toda a mensagem, escrevendo uma nova:

Mãe, o meu guarda-chuva partiu-se, vou dormir em casa de Mel.

Isto já aconteceu várias vezes no ano passado, a minha mãe irá acreditar. Todavia, a casa de Melissa é um oposto à de Harold.

A casa da minha amiga estava sempre desarrumada, fazendo-nos sentir desconfortáveis no meio da confusão de camisolas, calças e vestidos. A sala era evitada devido ao padrasto, que Mel odeia, e passávamos o tempo no quarto, à exceção do jantar, que era comido na cozinha muito rapidamente para evitar a sua família.

Glass Masterpiece || h.sWhere stories live. Discover now