34° Capítulo

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        O batimento regular de um coração invade os meus ouvidos assim que acordo. A sensação é indescritível. Algo que nunca antes senti e que não sei o significado invade cada veia do meu corpo, obrigando o meu próprio órgão vital seguir o ritmo do coração que ouço.
        Com um calmo suspiro, tento discretamente erguer o meu corpo, descolado as nossas peles, e sinto de imediato o frio fazer cócegas ao meu corpo. Olhando para trás para me certeficar que não acordei Harry, dirijo - me até à casa de banho,  onde me espera um banho quente.
        A água quente acorda - me e faz aperceber da realidade inevitável. Realidade essa, que ultimamente é cada vez menos notória. Tudo o que tem acontecido até agora assemelha - se mais a um sonho demasiado prolongado, do que à vida de uma simples rapariga. Os eventos que preencheram os meus dias desde o momento em que conheci Harold e comecei a ler o livro são demasiado surreais para eu poder tomar decisões racionais e coerentes perante as mesmas. E como todos os sonhos, terá um fim.
        Temendo o frio que me espera fora deste compartimento,  saio do duche enrolada na toalha. Olhando esta rapariga pálida ao espelho, eu não reconheço nela a Alexandria Moore. O que provoca as minhas mãos para uma aço imprevisível. Ataco o vidro que reflete o meu vulto com água na tentativa desesperada de o fazer mostrar - me quem sou na realidade.
        Com um sentido de derrota, saio do quarto de banho, já vestida com uma malha quente e calças pretas. Dirijo - me, então, para a cozinha com a mente nublada, para satisfazer o meu estômago faminto. Uma tigela com leite parece - me suficiente. Direciono um olhar rápido ao calendário: 20 de dezembro. E sento-me a mesa.
        "Bom dia"
        Uma tosse incontrolável apodera-se da minha garganta, causa do susto que esta voz provocou.
        "Calma" diz, acariciando as minhas costas com uma leve gargalhada que realça a rouquidão matinal.
        Ao colocar - se à minha frente, não há nada que impeça os meus olhos de navegar pelo seu torso. Pele suave, adornada por tinta preta. Pergunto - me o que cada tatuagem significará. Então, Harry aclara a voz. Um carmesim pinta as maçãs do meu rosto, enquanto encaro os meus cereais, quase acabados.
        "Eu queria gradecer-te" profere e eu ergo o meu olhar para o seu "por ter ficado comido a noite." termina e baixa a cabeça, encarando o chão.  Parece que as imagens do pesadelo que o atormentou passam agora diante dos seus olhos.
        "É frequente?" Pergunto.
        Um olhar confuso é direcionado à minha pessoa.
        "Os pesadelos" esclareço.
        Harry assente lentamente, fixando um ponto distante, enquanto franze o sobrolho, cruzando os braços no peito.
        "O que te atormenta, Harry?" Ouso perguntar e levanto - me dá cadeira, rodeando a mesa, para me aproximar dele.
        Quando se apercebe dos meus passos, ergue o olhar, obrigando-me a parar.
        "Eu quero mostrar - te uma coisa" confessa e pega, delicadamente na minha mão. Mais uma vez a minha pergunta fica por responder, flutuando no tempo, que parece parar. Suspenso no ar. Não se ouve os ponteiros rodar, apenas o meu coração bater. Mas como posso contar o tempo pelos batimentos do meu coração, se este muda de ritmo constantemente?
        Lentamente, com receio, sou guiada gentilmente por Harold até ao corredor.
        Já ouço o meu ritmo cardiaco, que invade o espaço, não deixando lugar para mais nenhum som. Apenas o "tum tum" acelerado. Os meus olhos arregalados e depois o "click" de uma fechadura. A sala está aberta.
        A porta afasta - se do meu caminho, revelando aquilo que menos esperava ver. Sinto imã mão incentivar - me a entrar, ficando o portador para trás.
        Com passos receosos e trémulos faço o meu caminho até à secretária posicionada exatamente no meio do compartimento. Todo o meu corpo treme. Parece que acabei de penetrar a alma de alguém.  Como se me tivesseem mostrado todos os recantos negros da mente de um homem. Quero sair e fechar a porta para não enlouquecer, mas este vidro que me rodeia, impede - me de o fazer.
        Vidro.
        Em volta da secretária existe apenas vidro. De todos os tamanhos e formatos, texturas e cores.
        Vidro.
        Na mesa: tinta.
        É uma sala onde,  através da pintura do vidro, ele expõe partes da sua alma.
        À minha direita, um corvo negro e vulnerável espera a hora em que terá de voar, permanecendo num ramo firme. Preto é a única cor. Ao seu lado, figuras abstractas.  Roxas, azuis, pretas.
        Do lado esquerdo, obras parecidas com  aquela que vi na loja antiquada da cidade.
        Vidro transformado em pinturas cobre cada centímetro das paredes deste quarto. A mesa tem uma quadro, ainda por pintar.
        "Estás paredes guardam as histórias que não posso explicar." Soa uma voz atrás de mim.
        Nada sai da minha garganta. A voz parece perdida nesta imensidão de vidro. Escondida entre as cores. Impossível de ser encontrada.
        Fascinada com o que vejo, os meus olhos não se concentram numa peça apenas. Saltam de uma vidro para outro, receosos de o despedaçar,  apenas com o olhar.
        Uma força desconhecida, guia - me até uma pintura específica. A silhueta de uma mulher. Os dedos trémulos tratam as linhas poucos precisas da desconhecida, desenhada de forma a não ser reconhecida. Franzo o sobrolho e inclino a cabeça,  tentando decifrar o que os meus olhos vêem.
Então,  as minhas mãos,  sem a minha permissão,  pegam no vidro, retirando o da parede.
        Segurar este quadro entre as minhas mãos é como se segurasse o mundo inteiro de alguém, entre os meus membros inseguros. Aperto o vidro, como medo que este escorregue das mãos e acabe despedaçado no chão. No entanto, a frase do idoso dono da misteriosa loja me disse parece esquecida e tapada pelas nuvens da minha mente: "Esta obra pode ser admirada, mas se agarrares com demasiada força, ela parte em pequenos pedacinhos, deixando apenas os sangue nas nossas mãos."
        E é assim que a obra se despedaça nas minhas próprias mãos.
        Congelada,  observo o vidro a fragmentar - se e a pintura deformar-se, atingindo o chão como num filme em câmara lenta, em que cada pedaço tem direito ao seu próprio momento em que toca o chão.  E assim, pedacinho após pedacinho o vidro espalha-se, enquanto eu permaneço imovel. Por momentos, nada se ouve. Apenas o vidro a partir e colidir com os azulejos por baixos dos nossos pés. Não se ouve o meu batimento cardíaco nem a minha respiração acelerada.
        Quando não resta mais vidro suspenso,  os meus olhos movem-se para o ardor na palma da minha mão direita. Sangue. Olho para esquerda. Sangue. Então, os meus olhos, agora avermelhados, erguem-se para ver uma figura alta à minha frente, encarando o chão.  A olhar as cinzas de uma parte da sua alma. Sinto algo picar os meus olhos e sei que são lágrimas. A primeira já rola pela minha face.
        De repente,  Harold desaparece da sala, deixando-me com as mãos ensanguentadas. Lágrimas a escorrer pelas faces. Não sei se dá dor que se espalha pelo meu corpo, vinda das mãos, ou da culpa.
        O rapaz volta com ligaduras e um pano molhado, apressando-se até mim.
Gentilmente, ele passa o tecido pelas feridas. Gemo devido ao ardor, cerrando os dentes e encarando o feto cálido.  Fecho os olhos,  tentando ignorar a dor que perfura as minhas mãos é parece não terminar.
        Quando toda a dicipa-se,  deixando uma pequena chama flamejante, o ar e expelido e obrigo-me a encarar o homem que curou as minhas feridas e se encontra diante de mim.
        "Ainda dói? " pergunta gentilmente e pega nas minhas mãos, agora cobertas por ligaduras.
        "Arde ligeiramente" confesso, admirado as nossas mãos.
        "És muito resistente à dor" revela Harry com um sorriso que adorna o seu bonito rosto.
        No entanto, eu não consigo sorrir. Parti uma das suas obras, despedacei parte da sua alma.
        "Eu estraguei..."
        "Sabes quantas eu estraguei antes que as pendurasse a todas?" Diz navegando pelo compartimento com o seu olhar verdejante, orgulhoso do seu trabalho.
        Entao, Harold larga as minhas mãos é caminha até à secretária,  encostando-se à mesma. 
        "Nunca mostrei isto a ninguem" revela, cruzando os braços no peito e concentrando - se numa das suas obras. "Foi a minha mãe quem me ensinou a pintar o vidro."
        A curiosidade ferve em mim, enquanto observo o rapaz a revelar parte de si.
        "Ela dizia que o vidro é tão frágil como a nossa alma, que é difícil de expor, tal como é difícil pintar em vidro." Pausa. Olho para ele fascinada. "Talvez assim seja. Mas aqui estou eu a revelar - te sabendo que isto não vai acabar bem."termina, Olhando para mim. Nas suas íris encontro culpa. Como se ele soubesse algo que o futuro reserva e tenha medo de me contar. O que esconde ele? Será ele real? Ou será que o inventei algures entre o tédio da minha vida?
        "O que escondes? Podes revelar-me apenas uma coisa? O que se passou contigo naqueles dois anos e meio? Porque voltaste?  Harry? Quem és tu?"
        Ele olha - me triste. Uma terrível tristeza inunda o verde do seu olhar, mas não se transforma em lágrimas.
        O jovem desencosta-se da mesa e dirige - se até mim.
        "Talvez eu nem seja real" diz.
        Os seus braços rodeiam o meu pequeno corpo, irradiando calor e Pergunto - me,  como alguém que não é rela pode transmitir calor e segurança?  Como posso sonhar com algo tão próximo da realidade, mas ao mesmo tempo tão afastado da mesma?
        Contudo, enquanto estes braços estiverem a segurar - me eu não quero acordar, nem quero pensar. Seja o que for que isto é, que dure o mais tempo possível para eu ter tempo suficiente de o descobrir. Descobrir o Harold Styles.
        A neve, que cai lentamente do lado de fora, visível da janela deste compartimento misterioso, é indiferente à minha vida e à de todos os outros. É salpicada de sangue e continua a cair, naturalmente indiferente.
Sinto duas mãos a erguerem, gentilmente  minha cabeça. Verde. Olhos verdes, cintilantes, penetram os meus. Então,  os nossos lábios juntam - se num beijo incrivelmente real e terno. Um beijo cheio de amor.
        Os nosso lábios sincronizados dançam uma dança que apenas eles conhecem. Um improviso virtuoso. 
        As minhas mãos doridas sobem até ao seu pescoço, com a intenção de aprofundar o beijo, mas Harry afasta - se e, olhando para mim preocupado,  confessa:
        "Eu amo-te"
        Magia.
        "ALEXANDRIA!" Ouço alguém gritar.
        "ALEXANDRIA" O meu nome repete - se.

FINALMENTE ESTOU DE VOLTA! OMG
Aqui estáPreparem - se para o próximo amigos! Hahaha 
Obrigada a todos por lerem!

Kisses D.

Glass Masterpiece || h.sWhere stories live. Discover now