23º Capítulo

917 77 24
                                    

Não sei quanto tempo passei a correr. Não sei quantos passos os meus pobres pés deram sobre o cimento molhado. Correr lavava a minha cabeça, expulsava qualquer tipo de pensamentos e deixava-me relaxada.

Todo o meu corpo está quente. O sangue corre por cada centímetro do organismo, aumentando a quantidade de energia. Estou ofegante, mas não penso parar, já que não me sinto cansada. Inspiro e expiro pesadamente e arrasto os meus pés ao longo das ruas, como se a minha vida dependesse disso. Sinto que se parar a loucura dos acontecimentos anteriores vai atingir-me com uma força sobrenatural, derrubando-me, levando-me ao chão, para jamais me levantar.

À medida que corro não vejo nada daqui que está ao meu redor. A velocidade faz tudo desaparecer. Vejo, meramente, o rumo, que neste momento não é nenhum. Por isso, corro. Apenas corro, sem dar importância a qualquer tipo de coisa que possa estar no meu caminho.

Quando paro, os meus punhos colidem instantaneamente com madeira. Não sei onde estou. A minha cabeça está a latejar, pressionando os olhos e tornando a visão desfocada. Os nós dos dedos batem intensamente na porta que se encontra à minha frente, tentando faze-la ceder. Contudo, esta permanece implacável. Então, grito o primeiro nome que me lembro, neste estado à beira da inconsciência: “Harry”. Grito. Grito vezes sem conta, acompanhado com os socos desesperados na sua porta. Não sei o que estou a fazer, mas agora parece a única coisa de que sou capaz.

“Abre” grito uma última vez e paro por completo os movimentos. Os meus braços, pendem de casa lado, como filhos indesejáveis do meu corpo. Inclino-o para a frente, encostando a cabeça à madeira húmida. E então, o grito, outrora substituído pelo silêncio, transforma-se num choro. Não sei porque choro. Isto tudo é demasiado para mim. As lágrimas jogam às corridas pelas minhas bochechas rosadas e quentes. A minha respiração sai em aglomerados de ar e o meu peito dói. Tento alcançar algum pensamento perdido na minha cabeça, que me ajude a perceber o motivo deste meu estado de histerismo, mas não encontro nenhum. Desesperada, apenas choro. Por entre soluços, as palavras “Harry” e “deixa-me entrar” escapam os meus lábios trémulos.

Passam alguns minutos, ou horas, ou segundos? Ou talvez o tempo não seja importante agora. Sinto a porta ceder e bato no peito forte de alguém e o cheiro a hortelã, menta e subtil tabaco direcionas para as minhas narinas, invadindo os meus sentidos. Mais alguns instantes fluem no tempo e deixo de sentir o chão, por baixo dos meus pés, e o meu corpo vulnerável é segurado por dois fortes braços. A minha cabeça cai no seu peito e as minhas pálpebras pesadas cobrem os olhos. A pessoa caminha, durante algum tempo, e depois para. De seguida, ouço uma porta abrir e sou deitada nalgo macio, confortável com um cheiro relaxante. O meu corpo entrega-se a esse cheiro e a última coisa de que me lembro é ouvir um suspiro pesado.

Narrador*

Harry não sabe o que levou Alexandria a este estado, mas sem dúvida que não consegue deixar de se preocupar com ela. Após passar a mão pelos caracóis, agora destruídos, demasiadas vezes, solta outro suspiro e aproxima-se da rapariga, que adormecera há poucos segundos, deitada sobre a sua espaçosa cama. Os seus dedos hesitantes chegam à larga camisola de malha, dançando no seu limite, acabando por subi-la. Teria de a despir, pois dormir de roupa não era nada confortável. Harry adverte os olhos para a parede, para não olhar o corpo de Alexandria. Ele nunca admiraria o corpo de uma mulher sem a respetiva permissão. Talvez seja isso que o distingue de todos os outros, mas também tudo nele é diferente de todos os outros. A camisola é escorregada pela cabeça da rapariga, deixando a sua pele exposta. Mais uma vez, Harold suspira e passa a mão pelo rosto, detendo-se para massajar os olhos. De seguida, as mãos trémulas do rapaz alcançam o botão das calças pretas que cobrem as magras pernas.

Glass Masterpiece || h.sWhere stories live. Discover now