30º Capítulo

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Estou agora em casa. Os risos ecoam pela sala, enquanto estamos sentados no sofá, acolhidos pelo calor que irradiam os nossos corpos e libertam as nossas gargalhadas. Uma série de comédia sucede os seus episódios no ecrã da velha televisão, enquanto o meu irmão brinca no chão, indiferente à mesma.

Um sorriso dança nos meus lábios – as cinzas do meu encontro com o Harry, na cidade. E uma pitada de culpa espeta-se na minha barriga, como uma agulha grossa e afiada, por manter guardados como segredo tantos acontecimentos da minha recente vida. Isto apaga o sorriso do meu rosto e faz-me olhar para os meus pais, que se encontram de cada lado do meu pequeno corpo.

“Mana!” grita Luís, acordando-me dos meus pensamentos. “Anda brincar!” sugere entusiasmado, puxando pelo meu braço.

Cedo à sua figura angelical, cabelos castanhos muito encaracolados e pele clara, que me implora, com os seus olhos cintilantes. Com um sorriso terno, dou-lhe a mão, para este me ajudar a levantar, e desloco o meu corpo para fora do acolhimento do sofá.

O meu pequeno irmão nem sonha que a sua irmã sabe algo sobre os seus queridos pais. Coitadinha da pequena bola de raios de solares que ilumina os olhos do meu pai, assim que passa a porta de casa, não sabe que algo inquietante perturba a paz da nossa família. E nem eu sei a proveniência desse algo.

Suspiro perante o facto de estar impotente nesta situação.

Uma sequência de risos, onomatopeias, e alguns guinchos, preenche a sala de estar e a atenção da minha mãe foca-se na nossa pequena brincadeira com um olhar triste que não consigo decifrar. Quando olho para ela de sobrolho franzido, a mulher cansada apenas diz:

“Luís, vamos dormir, querido!”

O meu irmão arruma cuidadosamente, com as suas pequenas mãos, os brinquedos, com os quais, anteriormente, nos divertimos.

Assim que a minha mãe desaparece, pela porta, de mão dada ao meu irmão, conversando com o mesmo num tom maternal, eu sento-me ao lado do meu pai, suspirando.

“Pai” digo.

“O Mr.Clarks é um assassino.” As palavras deixam a minha boca, sem emoção, monocórdicas e como se não fosse eu a pronuncia-las, neste momento. “Ele matou a avó do Harry Styles.” Acrescento, olhando a televisão, como se estivesse no estado de sonâmbula. Olhos vazios e mente que parou de funcionar. “Ele confessou-me. O que faço?” pergunto desesperada, mas igualmente monocórdica.

Ouço o meu pai suspirar, e viro-me para ele, para o ver massajar a cana do nariz, de olhos fechados. E um suspiro escapa os seus lábios secos.

“Bem, antes que mais, tens de contar ao Harry.” Diz o meu pai, tentando parecer objetivo, e controlar-se para não fazer perguntas ou repreender-me, limitando-se a ser o bom pai, que é, e dar-me um conselho.

“Já contei e ele disse para esquecer Mr.Clarks porque ele trataria do homem.” Digo-lhe, ainda monocórdica.

“Então talvez devesses deixar ao critério dele, ir ou não à polícia. Afinal é algo que diz respeito apenas a ele. Tu foste apenas o transmissor, percebes? Podias, era, amanhã, ir visitar Mr.Clarks e, se decidires que é moralmente correto, passas pela polícia. Lembra-te que cultivar a indiferença é algo que devemos evitar, mas fará mesmo alguma diferença um homem velho passar os últimos anos da sua vida na cadeia? Achas que isso mudará os seus ideiais tão encravados pelos anos?”

Um sorriso glorioso expande-se no meu rosto e eu dou um beijo terno na bochecha do meu pai.

“És o melhor pai do mundo” declaro e levanto-me, para encaminhar-me para a casa de banho e depois deitar-me, em paz. Amanhã vou visitar Mr.Clarks e tentar perceber porque cometeu aquele cruel crime, sem o denunciar.

Glass Masterpiece || h.sWhere stories live. Discover now