CAPÍTULO 1

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Eu não me arrumei direito era só uma noite com as fêmeas. Na verdade, eu não queria ir, no dia seguinte teria um plantão de vinte e quatro horas com aquele filhote chato do Candid. Chato e inquieto! Ele era praticamente um imperativo! Não ficava quieto um minuto, sempre pedindo exames de tudo, raios X de tudo e era eu que tinha de fazer o trabalho pesado. E ainda tinha as filhotes que sempre quebravam um dedo ou se machucavam de forma extraordinária, só para ele tocar nelas! O plantão de Candid era o pior, então, eu precisava estar descansada, mas Breeze estava cada vez mais enfurnada em Homeland e dessa vez ela estava na Reserva e eu queria vê-la. Então eu prendi o cabelo, vesti um jeans qualquer e fui para a tal lanchonete. Eu fui sozinha por que me atrasei, então quando cheguei, Breeze e Creek já estavam lá.
Eu abracei a minha amiga bem apertado, ela retribuiu o abraço e eu senti que valeu a pena ter vindo.
Não importava quanto sangue eu tivesse de colher para aquele exibido, estar um pouco com minha amiga valia a pena.
"Oi, Creek." Eu saldei Creek, ela sorriu e eu me sentei.
"Cadê o resto?" Eu perguntei, Breeze bufou.
"Parece que todas meio que tinham algo já marcado." Ela informou.
"Até Christmas?" O algo marcado era um macho, mas Christmas era celibatária.
"Ela voltou para Homeland aproveitando o helicóptero que levou Bestial." Eu assenti, afinal, Christmas era tão silenciosa que nem parecia estar num lugar.
"Bom, e as novidades?" Eu perguntei, Creek sorriu e disse:
"Timber. Dois meses já." Ela disse, eu fiquei feliz por ela, Timber era um bom macho. E eu olhei para Bree, ela deu de ombros.
"Nada muito sério, como sempre e você?" Eu sorri. O que poderia dizer? Que também não tinha compartilhado sexo mais de uma vez com os machos desde a última vez?
"Você e Timber, Creek, é sério?" Breeze perguntou, eu fiz sinal para a humana me trazer carne e suco de laranja, Nancy veio pessoalmente trazer e nós batemos um bom papo.
Creek demorou para responder, mas no fim ela bufou.
"Não. É só cômodo. Ele diz que não está com ninguém e eu acredito, mas não há sentimentos, não fortes pelo menos."
"E é por isso que eu chamei vocês." Breeze sorriu.
"Ah, não! Breeze! Não me venha dizer que quer arrumar um macho pra nós! Nós estamos bem, não estamos, Creek?" Eu disse, mas Creek não me ajudou.
"Eu não estou pensando em arrumar um macho para vocês. Eu quero a ajuda de vocês para arrumar um pra mim." E se eu não estivesse sentada eu teria caído de bunda no chão!
Creek arregalou seus olhos de gato e abriu a boca, ela ficou engraçada, eu ri.
"O quê?" Ela perguntou, eu ri ainda mais, Breeze começou a rir comigo e Creek por fim também riu.
"Tá, vamos parar com isso, é sério. " Breeze disse, eu parei de rir e Creek também.
"Um macho? É sério, Bree?" Creek perguntou, eu fixei meus olhos em Breeze.
"Sim. E em contrapartida vou arrumar um pra você, se você quiser." Ela disse, eu me senti de fora.
"E eu?" Eu perguntei.
"Vamos formar um grupo com um objetivo em comum. Acasalar. Definitivamente." Breeze disse, eu balancei a cabeça.
"Acho que isso não é pra mim, Bree." Eu queria? Sim. Mas o macho que eu quis já era felizmente acasalado. E meu plano inicial de esperar a fêmea humana dele morrer se mostrou uma furada, pois ela não era humana.
"Nós nunca quisemos de verdade, mas agora eu quero. Acho que cheguei na idade. E você, Creek?" Breeze perguntou para Creek, ela suspirou.
"Eu não sei. Eu queria, mas..." O problema de Creek era quase o mesmo que o meu se eu não tivesse uma quedinha por um certo macho. Filhotes. Sem eles, ficava meio inútil acasalar.
"Está esperando se vincular. E acha que isso não acontece por que não podemos ter filhotes." Eu disse, ela assentiu com uma certa tristeza nos bonitos olhos verdes dela.
"Eu não estou preocupada com o vínculo. Eu quero um macho que me queira e só." Breeze disse.
"Escolha um então e pronto. Todos querem você." Eu disse, ela sorriu por que era uma baita verdade. Breeze era alta e linda, poderosa ao extremo e ainda divertida.
"Eu quero viver um grande amor e para isso, estalar os dedos e dormir com um macho não ajuda." Ela disse, Creek ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça.
"É deve ser." Ela estava se distanciando da conversa, Creek fazia isso. Breeze balançou a cabeça.
"É por isso que eu quero propor um acordo. Vamos nos ajudar. Vamos escolher machos e vamos conviver com eles de perto e se rolar uma faísca, vamos em frente!" Creek voltou sua atenção para Breeze.
"Temos de escolher alguém?" Era a minha dúvida também, então eu e Creek cravamos nossos olhos em Breeze.
"Sim. É claro. Vamos passar uns... Dois dias escolhendo. Vamos usar esse tempo para pensar bem e no final da noite do segundo dia nos reunimos e traçaremos uma estratégia. Vamos trabalhar em cada caso de uma vez, do mais simples para o mais complicado." Ela estava muito animada, eu sorri.
"E se não conseguirmos escolher ninguém?" Eu perguntei, Breeze baixou os olhos e os ombros.
"Esquecemos tudo." Eu olhei para Creek, ela perguntou:
"Você já tem um alvo?" Breeze não fazia nada do nada, ela devia ter alguém.
"Nove." Ela disse, eu arregalei meus olhos.
Nove. Gigante, olhos diferentes, forte e com um rolo estranho com Rebbeca.
"Ele e Rebbeca tiveram alguma coisa. Quinze 'interviu'." Eu contei fazendo aspas com as mãos.
"Interviu como?" Breeze perguntou por causa das minhas aspas.
"Candid roubou um pouco de droga de regeneração, mas Florest sabe cada grama que há no hospital. Ele apertou Candid e o pestinha contou que usou em Nove quando Quinze quase o matou com um soco só." Eu expliquei. Era a versão de Candid e poderia ser mentira, mas era o que eu tinha ficado sabendo.
"Quinze se parece muito com Vengeance." Creek disse olhando para mim.
Eu balancei a cabeça com raiva dela por falar aquilo. Eu não devia ter contado nada.
"Todo mundo sempre soube de sua queda por ele, Chimes. E sim, Quinze se parece muito com ele." Breeze disse como se me encorajasse.
"Quinze não se parece tanto assim. E foi uma queda, hoje eu não sinto mais nada por ele a não ser felicidade por ele estar feliz com Marianne. Se fosse para querer alguém igual a ele há os clones." Eu disse e antes de fechar a boca eu vi a besteira que disse, Breeze sorriu do jeito casamenteiro dela.
"Isso! Viram? Já temos o par de Chimes. Um Vengeance mais simpático? Ou um mais ranzinza e malvado? Você pode trabalhar nisso, Chimes!" Breeze disse, Creek abriu um grande sorriso.
"Então será Chimes a primeira?" Eu olhei para as duas, elas pareciam estar falando sério!
"Breeze acabou de dizer que escolheu Nove. Ela é a primeira."
"Temos de ir pelo mais fácil. Os clones são Vengeance, você sempre gostou dele, seu caso é mais fácil."
"Mas e o fato de que eu não gosto de nenhum dos dois?" Eu perguntei, Breeze olhou para Creek. Creek me encarou eu sustentei o olhar verde dela.
"Nem nunca pensou como seria? Eles são... Deuses, se quer saber. Lindos e são inteligentes. E videntes. E idênticos, mas eu nunca ouvi dizer que se passassem um pelo outro. Têm ética, são ótimos com todos aqueles sobrinhos. Taí, se Chimes não quer, eu quero tentar com um deles, por que não? O máximo que pode acontecer é não dar certo." Ela disse e eu apertei os lábios.
Adam era bom, muito educado e tinha um sorriso contido, sério. Ele era solícito, sempre estava com um livro nas mãos, e tinha um olhar intenso. Meu interior começou a se aquecer.
E Noah... Tudo o que Adam era só que com senso de humor. Ele era um ótimo conversador, extrovertido, engraçado... Eu olhei para Creek e vi que ela devia estar pensando o mesmo que eu sobre os dois.
"Adam ou Noah?" Eu deixei ela escolher, pois não conseguia.
"Adam." Ela disse, eu concordei. Noah e seu sorriso se estamparam na minha mente e havia um bônus: toda a vez que ele ia no hospital, Candid zombava dele por aparentemente ele ser virgem. Eu não acreditava nisso, ninguém acreditava, mas um dia Honest fez a brincadeira. Honest não era Candid. Ele era o melhor entre aquelas três crias do diabo e eu fiquei pensando se não seria verdade. Noah, alto, forte e lindo daquele jeito e virgem? Era apaixonante.
"Então já temos os escolhidos?" Breeze perguntou, eu estava achando aquilo tudo muito estranho.
"Bree, o que aconteceu?" Creek perguntou mostrando que também não tinha caído naquela conversa totalmente sem noção de nossa amiga. Não parecia uma coisa dela.
"Eu não sei. Eu olhei para trás e vi que fazem muitos anos que nada diferente acontece. É como se cada dia fosse exatamente igual ao anterior. E isso me deixou com um sentimento estranho no peito. E eu acho que é solidão." Ela baixou os olhos para as mãos.
"Acha que a resposta é um macho? Acha que vai conseguir ser de alguém, acha que vai poder fazer como as humanas e se submeter a um macho?" Creek perguntou, Breeze deu de ombros.
Era o mesmo comigo. Havia uma certa expectativa de como seria ser de outra pessoa, mas será que valeria a pena? Elas tiveram experiências traumáticas durante uma parte muito grande de suas vidas, elas quase morreram e foram muito abusadas, assim como eu. Isso deixou marcas em mim, deixou nelas, e ser de um macho, como as humanas eram, parecia insuficiente. Mas quem era eu para saber ao certo? Eu não tinha como saber. Do modo como eu via, a relação dos acasalados era bonita, era feliz. Sophia dizia que a vida com Brass era um sonho. Era um presente do Deus dela, ela dizia, uma vez que ela era religiosa.
"E a questão dos filhotes?" É claro que seria Creek a perguntar. Era uma necessidade dela, ela adorava filhotes, tratava Angel, seu afilhado, filhote de Tiger e Zandy como criança e ele já era adulto.
"Eu..." Breeze olhou para mim e para Creek e eu senti um frio na barriga. Havia algo diferente nos olhos castanhos da minha amiga, algo que fez meu coração disparar.
Ela olhou em volta, eu olhei e Creek olhou também. Só haviam uns poucos humanos ali, um estava olhando para a nossa mesa, afinal nós três éramos nitidamente Nova Espécie e muitos iam naquele lugar para nos ver.
"Simple." Creek arregalou os olhos verdes.
"Mas ele está em Fuller!" Ela praticamente vocalizou, a voz saiu tão baixa que eu mais li os lábios dela que escutei.
Breeze respirou fundo, fechou os olhos e sussurrou:
"Eu descobri que ele está saindo de lá às vezes. E o chantageei. Foi a coisa mais louca que eu fiz na minha vida, aquele filhote não é normal. Ele me disse que nunca gostou de ser chantageado, mas que estava muito feliz com algo que tinha descoberto, então que não ia acabar com a minha raça." Ela parou de falar, Creek tomou uma garrafa de refrigerante sem parar como se tivesse se ressecado toda por dentro. Eu não tinha palavras. Breeze chantageando Simple! Fêmeas não faziam essas coisas, chantagear implicava em mentir, em esconder, em ameaçar. Nós não sabíamos fazer essas coisas!
"E então eu disse que queria um filhote, ele sorriu e perguntou se eu não queria asas também. Mas havia algo nos olhos dele." Ela me olhou. Dentre nós três eu era a que mais convivi com os pestinhas por causa do hospital.
"Candid." Eu disse, ela assentiu.
"Ele me pediu para que outra fêmea procurasse Candid e dissesse que sabia o que Simple estava fazendo e que era para Candid lhe dar um filhote. E que depois outra fizesse o mesmo com Honest." Eu olhei para Creek sem saber o que dizer.
"Breeze! Essa conversa de arranjar um macho é só uma desculpa, então?" Creek perguntou.
"Não, não é. É só que uma coisa puxa a outra. Se formos ser..." Ela engoliu em seco e eu a entendi, meu coração disparou também.
"Mães?" Creek disse e os olhos de gato dela ficaram úmidos.
"Sim, se formos ser mães, vamos precisar de machos. E com filhotes a coisa muda de figura, tudo se torna novo. É completamente diferente um relacionamento com filhotes de um sem." Ela disse, eu olhei em volta, toda a dimensão do que Breeze disse me esmagando. Um companheiro e um filhote. Tudo num pacote só. Uma perspectiva totalmente diferente do que eu vivi até então. Eu fechei os olhos e me vi do outro lado da injeção. Era eu que segurava e beijava o rostinho do filhote enquanto outra pessoa aplicava a anestesia para retirar o vidro, ou dar os pontos ou fazer o curativo. Depois era eu que iria pegá-lo no colo e abraçar bem forte enquanto dizia que iríamos tomar sorvete.
Eu olhei para Breeze e vi que ela estava fantasiando como eu. Creek olhava para as unhas, estavam um pouco compridas, ela era felina, tinha de cortar.
"Acha que eles conseguem? Quer dizer, pelo que eu entendi, Simple propôs uma competição entre eles onde só ele sabe que estão competindo." Creek disse, eu acenei, havia um bolo na minha garganta. Um filhote mudava tudo numa relação. Aquele ar de que poderia durar para sempre ou não e isso não importava, não existia quando um filhote estava envolvido. A relação tinha de dar certo.
"Gabriel engravidou Kit e Halfpint. É possível. Mas eu não o procuraria. Nunca. Então temos os trigêmeos. Acham que em nosso povo haveria outros que seriam melhores que eles?" Breeze disse e eu entendi. Eles faziam acontecer. Isso era um fato.
"Mas a salada de frutas, bem..." Creek disse, eu a encarei. Ela fechou os olhos com força. Breeze sorriu.
"Eu também já tentei, querida. Acho que até Chimes, não é?" Ela olhou pra mim, eu suspirei.
"É claro. E graças ao Deus de Sophia que não deu certo, foi num momento muito louco." Eu disse e mais uma vez eu agradeci ao Deus de Sophia.
"Com quem?" Creek perguntou com um sorriso. Eu balancei a cabeça.
"Eu acho que tenho um palpite." Breeze riu.
"Nunca vão saber." Eu disse, ela riu.
"Salvation!" Eu arregalei os olhos ela se dobrou de rir.
"Como..." Eu perguntei, a loucura do que eu fiz me fazendo sentir a barriga doer.
"Eu estava aqui. Eu senti o cheiro da tal salada do meu quarto, eu estava no mesmo andar. E ouvi vocês." Ela sorriu com malícia.
"Foi uma insanidade temporária. Mas não deu certo."
"Eu perguntei isso para ele. No meu caso eu comi na casa de Brass quando Sophia limpou a geladeira da cabana e trouxe a salada para a casa dela e serviu para mim, para Elizabeth e para Trisha. Eu estava com Flirt, nada sério, vocês sabem, mas as três engravidaram e eu não, foi..." Ela baixou os olhos.
"Flirt é um bom macho. Seria legal vocês dois." Eu disse mais por não ter o que dizer.
"E você, Creek?" Eu perguntei, ela deu de ombros.
"Jinx. Eu o acho muito bonito." Eu assenti. Jinx era divertido, muito íntegro.
"Ele disse que aquela tinha sido feita para Sarah e que foi pura sorte. Sophia não é humana, mas é muito fértil. Ele disse que para dar certo teria de ser uma fórmula personalizada e que talvez não desse certo." Breeze explicou.
"Mas prometeu tentar, se eu conseguisse fazer com que nem Candid nem Honest soubessem o que ele estava propondo." Ela continuou.
"Mas ele não é médico!" Creek disse e eu a corrigi:
"Ele não é por que não quer. Ele é a porra de um gênio, Creek. Eu vi na cara de Candid quando a história da salada de frutas começou a rodar. Ele ficou possesso. Parece que ele fez a fórmula de brincadeira e Simple aperfeiçoou através das anotações deles. Eles tem cadernos, um monte de cadernos sobre tudo o que já estudaram na cabana de Simple." Eu disse. O hospital era uma mina de ouro de informações, sempre havia um comentário sobre tudo o que acontecia na Reserva.
"E então, como ficamos?" Breeze perguntou, eu suspirei.
"Um filhote do Noah? Por que não?" Eu disse mostrando que topava. Eu passei muito tempo de minha vida esperando que algo mudasse. O plano esquisito de Breeze, pelo menos era uma forma de me tornar eu mesma o agente da mudança.

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