CAPÍTULO 36

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Eu desci do helicóptero e agradeci a Timber. Ele me sorriu, me levou até um jipe e perguntou se queria que ele me levasse. Eu disse que não, que ia dirigir bem devagar e dar uma passada antes pelo lago, ele sorriu e me desejou um bom passeio.
E foi o que eu fiz, eu dirigi devagar apreciando o cheiro dali, sentindo o ventinho frio no rosto.
Eu acabei ficando mais tempo com Flora do que devia, ela praticamente chutou minha bunda para fora da casa de James para que eu viesse pra cá, eu finalmente entendi o problema dela. Era difícil não se apegar a ela, mesmo que não houvesse atração sexual. Ela cheirava bem, era bonita, tinha uma voz agradável, era boa e divertida. Como se afastar de alguém assim?
Mamãe dizia que os machos e as fêmeas adultos atingiam os humanos dessa forma, não nesse grau, é claro, mas Novas Espécies atraíam os humanos de forma inconsciente. Flora era atraente de uma forma visceral, e quanto mais ficávamos perto dela, mais queríamos ficar. Não importa se a relação era fraterna ou sexual.
Eu parei o jipe debaixo de uma árvore bonita, ela estava seca, era inverno, mas já dava para ver os brotos e logo aquela árvore estaria bem cheia de folhas verdes, era a passagem das estações. Eu suspirei, a natureza era sábia e perfeita.
Eu não me lembro de quando eu e Flora começamos a nos tornar íntimas. Eu sempre fui apaixonada por John, ele era diferente demais de todos os outros filhotes e, na minha opinião, o mais bonito deles. Eu sempre quis o melhor de tudo, não por me achar merecedora do melhor, mas pela satisfação de se lutar pelo melhor. Só quem luta por algo muito difícil tem o prazer de saber que conseguiu, eu li algo assim quando era pequena e isso me marcou. Eu posso ter sido frívola muitas vezes na infância, mas enquanto fui crescendo eu fui mudando meu modo de ser, fui entendendo o mundo a minha volta e tentei melhorar, tentei ser alguém de valor. Eu era? Talvez ainda não, mas eu viveria toda a minha vida procurando ser, isso era uma promessa que eu fiz a mim mesma.
Eu me lembro de Flora e eu bem pequenininhas, ela nasceu minúscula e todos diziam que ela era a filhotinha mais doce e linda de todas, eu senti inveja algumas vezes, até ficarmos maiores e minha mãe explicar que éramos, tanto eu quanto ela milagres. Até nós nascermos não haviam filhotes de fêmeas Novas Espécies de primeira geração e era por isso que nos amavam tanto e que enquanto eu fui feita em proveta, Flora nasceu de forma natural. E desde muito pequenininha, enquanto ela era doce, eu era inquieta e feroz. E que havia mérito tanto na doçura quanto na sagacidade. Eu então me esforcei por ser o mais sagaz que eu pudesse. Ela, por outro lado, já atraía as pessoas para si, ainda que ninguém sabia disso. Não que isso importasse, ela sempre foi um amor de qualquer forma, com atração ou não.
E então, enquanto ela encantava a todos, eu corria, saltava e muitas vezes brigava com Violet, Daisy e Lunna, além de ser a neta mais linda dos meus avós humanos, uma ótima vida.
Até que mamãe e minha madrinha inventaram de estimular a mim e a John que nós nos acasalássemos quando crescéssemos, e desde a primeira conversa que elas tiveram, imaginando a clareira abarrotada de flores, eu embarquei de cabeça na fantasia delas. Mamãe falava das roupas que eu vestiria e em todas as festas que faríamos, foi aí que eu aprendi que existiam um monte de festas para um casal, eu achava que era só o casamento, mas tinha o noivado, o chá de panela, a despedida de solteira, o jantar de ensaio do casamento... Eu acho até que mamãe inventou alguma. Minha madrinha, mais espiritualizada, pensava no reverendo que iria realizar a cerimônia, nas nossas personalidades,  me dava conselhos de como domar a possessividade dele. E também discutiam os móveis da casa, a decoração... Elas passavam horas falando sobre aquilo, e eu sonhava com cada detalhe. Até Gift bufar um dia e sorrir triste para mim. Estávamos na casa deles, mamãe e minha madrinha encantadas com revistas de vestidos de noiva, ele me fez um sinal e fomos para o jardim. Lá, ele me contou sobre Flora. Gift era um John sombrio e que não tinha muita consideração com o coração dos outros desde muito cedo. Foi só passar a observar o semblante dele quando ela estava junto na sala de treinamento que meu mundo ruiu, eu entendi que o que ele dizia, que éramos crianças e devíamos ter paciência com nossos instintos sexuais era tudo balela. A verdade era que ele fugia de mim e corria atrás dela. E eu descobri isso da pior forma, quando fiquei sabendo que ele a beijou numa das festas de ano novo, uma em que eu estava presente! Eu demorei bastante para conseguir ir na Reserva de novo, sem parecer uma boba apaixonada. Eu me afastei e me envolvi em estudos e cursos e acabei gostando muito de estudar vários assuntos, viajar e aprender novas línguas. Secretamente eu queria ser uma fêmea interessante para ele, mas foi uma ótima decisão no fim das contas.
O sentimento, porém continuava firme em mim e renascia a cada festa, a cada encontro. Talvez fosse o fato de eu ter sido criada como uma princesa e ele era o estereótipo do príncipe encantado, mas até o malfadado episódio no barracão em Homeland, eu ainda tinha esperanças. Depois disso, eu sofri, mas vi aí uma oportunidade de acabar com a história dele com Flora. Afinal ele estava compartilhando sexo com as fêmeas da força tarefa, o que Flora pensaria disso?
E eu fui na casa dela. Mas Flora me encantou como sempre, eu nem tive coragem de falar sobre John. Nós conversamos, rimos, corremos com nossos pôneis no zoológico e falar sobre aquilo pareceu mesquinho, eu saí de lá com a certeza de que John devia ser dela, que ela era incrível demais e que ela o merecia, que ele estar compartilhando sexo com as fêmeas era algo que os dois tinham de resolver e que seria resolvido.  Quando cheguei em casa, depois de um boa noite de sono, em que eu até sonhei que jogava flores em John e Flora no casamento deles, eu acordei me sentindo estranha, passei o dia me sentindo vazia, até um pouco tonta.
E percebi que Flora era diferente de todas as pessoas que eu conheci.
E aí, bem depois, Simple trocou minhas notas e eu fiquei possessa! James requisitou uma casa em Homeland e ficou lá um tempo, o que acabou fazendo com que eu tivesse mais contato com eles e...
E Simple acabou se tornando mais interessante que John. E Candid acabou me despertando sensações que eu não queria que fosse ele que despertasse. E aí, Simple me beijou.
E eu descobri que não foi Simple, que foi o demônio.
Eu liguei o jipe de novo com um suspiro. Eu cresci longe da Reserva, durante muito tempo eu só sabia que Candid era calado e que gostava de Lunna. Eles foram para a faculdade e nas festas, ele parecia totalmente diferente, não era calado mais, tinha tomado o posto de engraçadinho de Honest, com a diferença que sempre levava acompanhantes nas festas.
Diziam que ele mantinha um grupo de humanas só para as festinhas particulares deles, mas eu não liguei muito para isso antes, mas agora...
Eu e Flora conversamos muito sobre ele e Simple nessa semana que se passou e quando meu padrinho ligou me convidando para um churrasco na casa dele, eu acabei resolvendo vir. Mas agora, estava um pouco insegura. Eu estava no helicóptero quando Salvation o jogou na montanha perto da cabana de Honest. Sal disse que ele não se machucaria, mas eu achei maldade.
Só que também foi engraçado. Ele caiu como um saco de batatas. Eu ri. E depois gargalhei imaginando a cara dele quando eu contasse. Eu ainda ria e dirigia quando o vi ao longe correndo pela estrada na minha direção. Será que ele sabia? Ele aumentou a velocidade, eu tinha uma boa visão, ele estava bem longe. Eu pisei no acelerador. Se ele achava que podia me intimidar, ele ia descobrir que não podia. Eu o atropelaria se ele não saísse do caminho.
Ele sorriu e continuou correndo, o jipe estava no máximo. Os jipes tanto da Reserva quanto de Homeland eram especiais graças a perícia da tia Victoria, ela era uma super mecânica. Eu continuei na estrada, ele estava cada vez mais perto, eu não ia recuar.
Será que o machucaria muito? Eu não podia diminuir a velocidade, mas eu não era tão má. Ele sorriu e eu pude ver o brilho de deboche nos olhos dele, então continuei avançando, ele saltou por sobre o jipe bem na hora da colisão. Eu continuei, ele que ficasse para trás.
Mas é claro que ele saltou para dentro do jipe, puxou o volante, eu perdi o controle da direção e o jipe capotou. Eu gritei, ele me abraçou e me protegeu enquanto o jipe capotava duas vezes e parava de cabeça para baixo.
Ele acabou sobre mim dentro do jipe, meu corpo doía, mas não me machuquei muito.
"Oi." Ele disse como se não tivesse colocado minha vida em risco, eu chiei.

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