CAPÍTULO 71

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Dois dias depois de Pollyana nascer, Elijah parou de se mexer. Eu estava inquieta, havia muita coisa para se fazer, afinal iríamos ficar na Reserva só mais uma semana depois que meu filhote nascesse.
Eu estava muito ocupada com a mudança dos móveis, pois Wide tinha me pedido para trocá-los por móveis feitos por Silent e Sunny. E imagina o trabalhão que era me desfazer dos meus móveis e supervisionar o transporte, a entrega em minha casa e ainda escolher o melhor lugar para cada coisa.
O quarto de Elijah já tinha um guarda roupa, pois minha casa tinha dois quartos e antes esse quarto era para visitas. Broad foi para Homeland desmontar o guarda roupa antigo e montar o novo, um móvel enorme que tomava toda uma parede. E até aí tudo parecia bem, mas um dia depois que chegou, Broad me ligou perguntando se eu não queria colocar um banheiro no quarto já que ele tinha derrubado a parede. Vocês conseguem imaginar por que Broad demoliu a parede do meu quarto de visitas?
Isso. A parede era torta. Muito pouco, coisa de meio ângulo, não que eu saiba o quanto é isso, mas quando eu fui falar com Wide, ele disse que Simple, isso mesmo, Simple, Wide disse que Simple arrancaria os cabelos se o armário ficasse alguns centímetros fora de esquadro.
E por isso as últimas semanas foram muito cansativas e olha que eu passava quase que o dia todo na cama ou no sofá. Minha barriga parecia que ia cair às vezes de tão pesada, eu inchei as pernas e pés. Honest ia todo dia lá em casa, e Simple ligava para Wide se eu peidasse e o cheiro estivesse diferente.
Isso era outra coisa que me incomodava. Como Nova Espécie cheiros ruins faziam parte de nossas vidas, nosso olfato era muito bom, mas Simple estava entediado e como Flora tinha ido embora, ele concentrou seu nariz na Reserva. E Tiger era um ótimo gestor, mas ainda assim, Simple sempre tinha um telefone a mão.
Um dia ele ligou para Wide e me mandou trocar meu sabonete! E Wide fazia tudo o que ele pedia, pois dizia que ele estava sofrendo. O tal sabonete veio não sei de onde, mas curiosamente me deixava bem mais calma e relaxada depois do banho.
A história de Flora era outra coisa que deixava Wide preocupado, então dá pra imaginar como eu cheguei nos últimos dias de minha gravidez.
Embora nada poderia se comparar a quando a manhã foi passando e Elijah não se mexia. Eu andava de um lado a outro do quarto, pois Wide tinha ido ver algo com Silent sobre os móveis e eu aproveitei para tentar despertá-lo.
"Bebê?" Eu chamei. Nada.
Eu suspirei e decidi ligar para Honest. Eles resolveram fazer uma cesariana, mas só fariam quando Elijah parasse de se mover. Honest foi bem claro que eu deveria ter certeza.
"Alô." Honest atendeu no segundo toque.
"Honest, eu acho que chegou a hora." Eu disse.
"Wide está... Não, não está. Vou ligar para ele e ele te trás para o hospital, ok? Alguma dor ou incômodo?" Ele perguntou.
"Não, só que minha barriga parece mais pesada." Eu respondi.
"Honest, você disse que era pra eu ter certeza e..." Eu comecei, mas ele me cortou:
"A barriga mais pesada é um indício, Breeze. Ele parou de se mexer e assim parou de ajustar o equilíbrio e isso o faz ficar mais pesado. Daqui a pouco Wide chega aí e quando chegarem aqui estará tudo pronto." Ele disse com a voz calma, eu desliguei e fui olhar as bolsas que eu já tinha preparado.
Wide chegou se fingindo de calmo, eu até poderia rir se não estivesse tão nervosa. Ele me pegou no colo, pegou as bolsas e foi andando até o hospital, ele estava sério, mas como eu estava com o rosto em seu peito, pude ouvir seu coração disparado.
No hospital, Modest me esperava na porta, ele já vestia um trage estéril e indicou onde Wide devia me deixar. Eles me lavaram, Wide rosnou só uma vez por eu estar nua, mas Honest o olhou apertando os olhos, ele os baixou. Wide jurou para mim que não faria nenhuma das idiotices que os machos faziam na hora do meu parto e eu esperava que ele conseguisse.
Quando eu brinquei com os trigêmeos dizendo que eles deviam estar com medo de Wide, Candid ficou sério e disse que o pior seria Adam. Já estava rolando uma aposta na Reserva sobre qual dos três Adam iria desmaiar na hora do parto.
Eles me colocaram na cama de cirurgia, Wide entrou no quarto todo paramentado como eles, eu olhei para seus olhos diferentes me concentrando no olho castanho. Ele os estreitou, sinal de que tinha sorrido por baixo da máscara, eu me acalmei. Aqueles eram os últimos momentos em que eu era só Breeze. Dali a algumas horas, eu não queria que demorasse, mas era possível, dali a algumas horas eu me tornaria a mãe de Elijah, no melhor ou pior sentido do termo. Eu já era mãe dele, mas de uma forma ainda incompleta, agora, com ele fora do meu corpo é que eu seria totalmente mãe.
Honest e Modest me sentaram com as pernas penduradas, Wide ficou a minha frente e me abraçou para que me aplicassem a anestesia nas costas ele alisou meus ombros e beijou o topo da minha cabeça, mas ainda assim doeu bastante, era uma grande agulha!
Me deitaram de novo e Wide se sentou a frente da minha cabeça eu virei o rosto e me concentrei nele. Ficamos nos encarando, em silêncio, não havia por que falar nada, esse momento era o mais especial que teríamos em toda nossa vida juntos, mesmo se tivéssemos outros filhotes, nada poderia ser como aquele momento.
Honest, Modest e Candid fizeram todo o trabalho e quando Elijah chorou um choro altíssimo e muito grave, eu fechei os olhos e agradeci a Deus.
Por que os humanos que me criaram só fizeram isso, só me criaram, mas havia algo maior em minha vida, algo que me tornava um ser único, forte e resiliente. Toda a força que eu sempre tive me foi dada. Por Ele. E agora, um aspecto da minha essência que os humanos me deram, a esterilidade, caía por terra. E cada passo de minha vida até aquele momento, foi proporcionado por Ele. Passos terríveis e difíceis, de muita dor e sofrimento, mas que me fizeram ser quem eu era, alguém inabalável. E não há nada mais divino que olhar para trás e deixar a dor e o sofrimento no passado, apenas como mais um motivo para sorrir e para dizer que eu venci.
Wide o colocou no meu colo, eu o encarei por entre as lágrimas, mais um gigante loiro de olhos diferentes, mas seu olho castanho era um pouco mais escuro, era...
"Veja, Breeze. Há uma coisa sua nele." Wide disse, Elijah ainda gritava muito alto.
"Dê leite a ele, Breeze, não é bom ele chorar tanto." Candid disse.
Eu tentei me ajeitar, Wide me ajudou, eu abri a camisola e ofereci meu seio a Elijah.
"Mamilos rosados? Te devo dez pratas, Modest." Candid disse, eu ia brigar com ele, mas Elijah cravou as presas... Peraí, ele tinha presas? A dor me fez gritar na mesma hora que Wide rosnou para Candid.
"Breeze! Ele te machucou?" Wide perguntou, eu fiz que não, meu seio ardia com a mordida e doía quando Elijah sugava, mas eu aguentei firme.
"Se me colocassem um seio tão bonito desses na minha cara eu..." Candid não terminou, o punho de Wide na cara dele não deixou.
"Wide!" Eu disse, Wide se afastou de Candid e veio se ajoelhar ante a cama, desnecessário dizer que ele ajoelhado ainda ficava com os olhos na altura dos meus.
"Você já teve o filhote, eu posso bater em qualquer um deles agora." Wide disse com um rosnado.
"Tem razão, Wide, ele mereceu. Onde já se viu falar dos seios bonitos da sua companheira?" Dessa vez foi Modest e Wide voou nele. Honest teve de tirá-lo de cima de Modest.
"Chega, Wide. E saiam daqui os dois." Honest comandou, Candid e Modest saíram discutindo quem tinha apanhado mais.
Eu olhei para Honest, ele balançou a cabeça.
"O que foi?"
Ele sorriu cansado, Wide disse que ele agora tinha dois machos irresponsáveis para lidar. Modest, que era o outro Honest, mas poucos sabiam disso e ele estava fingindo ser Modest, era tão imprudente quanto Candid.
"Há alguma aposta?" Wide perguntou, ele sorriu e assentiu.
"Mas eles apostaram?" Eu perguntei, mas soltei um gemido quando Elijah mordeu meu seio de novo.
Honest tirou uma mamadeira de algum lugar e disse:
"El? Que tal esse leitinho aqui, nheim?" Ele me deu a mamadeira, eu não sabia o que fazer.
Honest trocou um olhar com Wide, Wide pegou a mamadeira, Honest puxou Elijah do meu seio, meu filhotinho abriu a boca para chorar, Wide lhe enfiou o bico da mamadeira na boca. Eu me surpreendi com a desenvoltura dele em sugar o leite da mamadeira.
Meu seio sangrava, Honest limpou com uma gaze e deu outra maior para Wide, ele pressionou até que fechasse.
"Ele é muito novinho, seu instinto é morder e rasgar tudo com as presas, então só o coloque no seio depois que ele tiver mamado bem. Não o deixe chorar muito, pois nesse caso ele só vai calar se der o seio para ele e você viu o que acontece." Honest disse, eu assenti. Honest retirou a gaze do meu seio, estava curando, mas ainda doendo.
"Você sabe que não há analgésicos para isso, Bree, então muito cuidado. Você é muito grande e forte, mesmo que ele seja um clone de Wide, há algo de você nele, o que o fará mais forte que o próprio Wide. Iremos fazer exames, eu quero acompanhá-lo de perto, ok?" Eu sorri e vi que Wide não parecia ter ouvido nada depois de Honest dizer que Elijah seria mais forte que ele. O grande sorriso no rosto dele dizia isso.
"Bom, hora da festa." Honest disse e pelos próximos minutos ele me limpou, trocou, eu vi o corte em minha barriga por um espelho, me levou para outro quarto e sim, foi uma festa.
Wide segurava Elijah com a mamadeira e todos quiseram pegá-lo. Desde que não tirassem a mamadeira dele e a substituíssem por uma cheia quando acabava, Elijah não chorou no colo de ninguém, até sorriu para Vengeance, coisa que fez Valiant e ele discutirem.
Os filhotinhos estavam em êxtase, foi uma bagunça só e quando o filhote mais novo de Leo se segurou na tubulação de oxigênio que passava pelo teto, Honest encerrou o período de visitas.
E já era bem tarde quando eu me toquei que Elijah ainda não tinha dormido.
Wide o segurava ante a janela o ninando e falando baixinho com ele sobre os lugares que eram possíveis de se ver daquela janela e dos que não podiam ser vistos.
"A direita do lago, muitos quilômetros a direita, ficam as terras de Lash, ele deve vir amanhã com sua companheira, Mary, que não vai querer te pegar, não leve a mal, ela tem medo de nós. Não um medo racional, é algo na essência dela. O leite que você tomou vem das cabras deles e Blade já disse que vai dar um jeito de levar carne de coelho para você em Homeland. Você vai gostar, é bem saborosa." Ele dizia baixo, Elijah fez um barulho com a boca, eu ri.
"Wide, me dê ele, deve estar na hora dele dormir." Eu disse, Wide veio até mim e colocou Elijah ao meu lado na cama. Eu alisei a cabecinha careca, ele sorriu e chutou o ar com as perninhas gordas. Não parecia com sono.
"Ele não dorme, Breeze. Ele vai dormir uma hora, mas não dá pra saber quando será e nem quanto tempo durará seu sono. Foi assim com Broad." Eu abri a boca e esqueci de fechar. Elijah era um clone, mesmo novinho, ele era como seu pai.
Mas eu estava com sono. Eu olhei para Wide, ele beijou minha testa e disse:
"Durma, minha brisa. Eu e nosso filhotinho velaremos o seu sono. Eu te amo."

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